CONTRATO DE TRABALHO ADULTERADO
Falsificação grosseira, sem poder de enganar alguém, não é crime, decide TRF-4

Por Jomar Martins (jomar@painelderiscos.com.br)

O delito de uso de documento falso só se perfectibiliza quando existe a possibilidade de ludibriar terceiros. Se a falsificação se revelar tão grosseira a ponto não enganar o homem comum, sem ferir a fé pública, trata-se de crime impossível.

Com este entendimento, a 8ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4) reformou sentença para absolver um homem denunciado pela prática do crime previsto no artigo 304, combinado com o artigo 298, do Código Penal (CP) – falsificação de contrato de trabalho. No primeiro grau, ele havia sido condenado à pena de um ano de reclusão, em regime aberto, convertida em prestação de serviços comunitários.

 Demanda trabalhista

Segundo o Ministério Público Federal do Paraná (MPF-PR), autor da denúncia, o réu usou um contrato de trabalho parcialmente falsificado para obter vantagem indevida numa demanda trabalhista proposta contra o ex-empregador perante a 7ª Vara do Trabalho de Curitiba. Como a falsidade foi facilmente percebida, o juízo da Vara julgou improcedentes os pedidos embutidos na reclamatória e condenou o reclamante por litigância de má-fé.

A 23ª Vara Federal de Curitiba julgou procedente a denúncia proposta pelo MPF paranaense, condenando o réu por falsificação de documento particular. Para o juízo, o fator de o denunciado não ter comparecido à audiência trabalhista após a realização da pericia que confirmou a fraude documental e ter abandonando o processo, sem mesmo contestar a condenação em litigância por má-fé, evidencia ciência de que o documento era falso.

‘‘Portanto, os elementos probatórios colacionados nos autos demonstram, de forma cabal, que o denunciado apresentou/utilizou o documento de forma consciente e voluntária. Presentes a materialidade, a autoria e o dolo, restam preenchidos os elementos objetivos e subjetivos do delito previsto no artigo 304, combinado com o artigo 298, ambos do Código Penal’’, anotou, na sentença, o juiz federal Paulo Sérgio Ribeiro.

Apelação ao TRF-4

Inconformada com a condenação, a defesa do trabalhador interpôs recurso de apelação criminal no TRF-4, que acabou provida por unanimidade pela 8ª Turma, absolvendo-o da imputação criminal. O colegiado aplicou o artigo 386, inciso III, do Código de Processo Penal (CPP) – não constituir o fato infração penal.

O relator do recurso, juiz federal convocado Nivaldo Brunoni, afirmou no voto que a tipicidade do delito não ficou configurada, dada à ‘‘completa ineficácia do meio empregado’’, caracterizando ‘‘crime impossível’’. É que o recorte realizado no campo da data do contrato de trabalho é visível a olho nu, permanecendo à mostra ‘‘todas as marcas da colagem realizada’’. Ou seja, o meio empregado pelo infrator não atingiu o propósito de lesar o bem jurídico tutelado pela norma penal: a fé pública.

Incapacidade de indução a erro

O próprio MPF na segunda instância reconheceu a ineficácia ao se manifestar no processo. ‘‘A exibição do contrato adulterado jamais conduziria o juízo a erro quanto à data lançada no documento original, já presente nos autos. A falsificação era desprovida de aptidão para enganar também porque foi elaborada de forma grosseira, mediante visível manipulação no campo que registraria a data da contratação, único ponto da lide trabalhista em que sua exibição poderia influenciar’’, registrou o parecer.

Para Brunoni, ficou evidente a inaptidão do falso para atingir o fim almejado pelo acusado, em face da qualidade por demais grosseira da montagem, o que se depreende das conclusões da perícia realizada pela Justiça do Trabalho paranaense. ‘‘Portanto, o falsum é desprovido de qualquer potencialidade lesiva’’, concluiu o relator.

Clique aqui para ler a sentença.

Clique aqui para ler o acórdão.

Ação penal 5018943-50.2018.4.04.7000/PR

Jomar Martins é editor da revista eletrônica PAINEL DE RISCOS