ÍNDIOS SEM VOZ
Justiça Federal do RS anula processo de licenciamento da Mina Guaíba
Imprensa JFRS
A participação da comunidade indígena é pré-requisito à validade do licenciamento de empreendimento que tem o potencial de afetar o modo de vida do povo originário. Como esta condicionante não foi observada, a 9ª Vara Federal de Porto Alegre declarou a nulidade do processo envolvendo a Mina Guaíba. A sentença, publicada no dia 8 de fevereiro, é da juíza Clarides Rahmeier. Cabe recurso da decisão ao Tribunal Regional Federal da 4ª Região
A ação civil pública (ACP) foi movida pela Associação Indígena Poty Guarani, Associação Arayara de Educação e Cultura, Conselho de Articulação do Povo Guarani e Comunidade da Aldeia Guarani Guajayvi contra a Fundação Nacional do Índio (Funai), Fundação Estadual de Proteção Ambiental (Fepam) e Copelmi Mineração. Os atores alegam que a pretensão do empreendimento é instalar nas margens do rio Jacuí, nos municípios de Eldorado do Sul e Charqueadas, a maior mina a céu aberto de carvão do Brasil, com o objetivo de minerar um volume de 166 milhões de toneladas de carvão em 30 anos em contínua atividade.
Os autores sustentam que o projeto está na fase de licenciamento prévio junto à Fepam e que já foram realizadas quatro audiências públicas. Argumentam com a ausência de qualquer consulta prévia, livre e informada aos indígenas, especialmente os da Aldeia TeKoá- Guajayvi, localizada em Charqueadas, seja pelo órgão ambiental licenciador ou pelo empreendedor. Afirmam que mesmo que a Associação Indígena Poty Guarani tenha seus direitos amparados nos ordenamentos jurídicos nacional e internacional, eles foram completamente ignorados no Estudo de Impacto Ambienta (EIA) da Copelmi.
Pontuam, ainda, que os danos ambientais geram consequências graves nas formas de organização da comunidade indígena. A falta de preocupação quanto à sustentabilidade gerará prejuízos no uso do solo para atividades agrícolas, e a redução da fauna implicará novas readaptações nas atividades cotidianas. Além disso, os indígenas terão que conviver com explosões e abalos sísmicos diários, durante cerca de 30 anos, emissões de gases tóxicos e contaminantes na atmosfera, ressaltando que a comunidade mora a menos de 3km do local do empreendimento.
Defesas
Em sua defesa, a Copelmi afirma que os autores da ação fizeram alegações genéricas sobre a ocorrência de danos ambientais à comunidade indígena e que o pedido de nulidade do licenciamento é baseado exclusivamente na ausência de consulta prévia ao povo tradicional, o que poderia ser sanado. Sustenta que os danos apontados não mais existem, porque parte deles foram incorporados formalmente ao processo de licenciamento e que Funai já expediu Termo de Referência para a realização de Estudo do Componente Indígena (ECI).
A Fepam, por sua vez, disse que não se opõe à participação das associações indígenas interessadas no licenciamento ou em relação à elaboração do ECI.
Por fim, a Funai defende que não é órgão licenciador, mas responsável por implementar as políticas indigenistas no país. Destaca que não foi omissa, já que, quando tomou conhecimento, começou a agir em defesa da terra do Povo Guarani.
Julgamento
Em fevereiro de 2020, foi deferida liminar suspendendo o processo de licenciamento até a análise conclusiva da Funai do componente indígena. A juíza federal substituta Clarides Rahmeier sublinha que o embasamento jurídico adotado “se coaduna com os recentes julgados proferidos pelo Supremo Tribunal Federal, ao reconhecer o direito da participação ativa das comunidades tradicionais em decisões que possam interferir em seu modo de vida. Com isso, objetiva-se que os povos originários sejam protagonistas na defesa de sua rica cultura”.
Segundo ela, a Constituição e a legislação impõem especial atenção aos anseios e necessidades das comunidades indígenas. Para que isso se concretize, é importante que todos os interessados sejam efetivamente ouvidos e essa participação seja levada em consideração na tomada de decisão que os afete. “Resumidamente, a participação da Comunidade Indígena é pré-requisito à validade do licenciamento de empreendimento que tem o potencial de afetar o modo de vida do povo originário. Não observada essa condicionante, mostra-se nulo todo o restante do processo de licenciamento ambiental, pois as minorias oneradas foram excluídas do processo decisório.”
Na sentença, a magistrada ressalta que o licenciamento do Projeto Mina Guaíba “já se encontra em fase avançada – inclusive com a confecção de EIA desconsiderando a existência da comunidade tribal -, também não houve a participação dos indígenas nas discussões, nem mesmo através de realização de consultas concomitantemente aos estudos iniciais”.
Ao finalizar a fundamentação, Rahmeier disse que o direito a consulta prévia, livre e informada deve ser observado, sempre que possível, de maneira concomitante às fases de licenciamento ambiental, para que o processo, desde a origem, conte com a efetiva participação da minoria potencialmente afetada. Como este requisito foi desconsiderado, ela julgou procedente a ação, declarando a nulidade do processo de licenciamento do empreendimento Mina Guaíba. (Assessoria de Imprensa da Justiça Federal do RS)
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ACP 5069057-47.2019.4.04.7100/RS