EFEITOS DA PANDEMIA
TRF-4 nega revisão contratual por falta de comprovação de desequilíbrio econômico-financeiro
Por Jomar Martins (jomar@painelderiscos.com.br)
A parte prejudicada numa relação só pode alterar judicialmente as cláusulas e condições contratadas se comprovar o desequilíbrio econômico-financeiro. Noutras palavras, deve demonstrar à Justiça a sua efetiva situação financeira e as repercussões que a situação de desequilíbrio traz a toda contratação.
Amparada neste fundamento, a 3ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4) confirmou decisão que negou a uma indústria de fertilizantes o direito de revisar o contrato de arrendamento entabulado com o Porto de Imbituba (SC), para uso do seu Terminal de Fertilizantes e Ração Animal (Tefer).
No cerne da revisional, empresa queria que o reajuste dos preços seguisse o Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), do IBGE, e não mais o Índice Geral de Preços do Mercado (IGPM), da Fundação Getulio Vargas (FGV).
Cenário de instabilidade mundial
Na petição, a parte autora argumentou que, no contrato celebrado com a Agência Nacional de Transportes Aquaviários (Antaq) e com a Companhia Docas de Imbituba, o preço do arrendamento (incluindo as parcelas fixa e variável), condições de pagamento (pagamento das taxas da tarifa) e garantias e seguros são reajustados anualmente, no mês de março, pelo IGPM. Como o índice foi impactado pela pandemia do novo coronavírus com uma alta histórica, entende que sua aplicação, ainda que prevista no acordo, é desproporcional e resulta em desequilíbrio da equação econômico-financeira e em onerosidade excessiva.
Em razões, sustentou que, embora prevaleça em nosso regime jurídico o princípio pacta sunt servanda e da autonomia da vontade das partes, o Poder Judiciário pode intervir para revisar a aplicação dos índices de inflação. Ressaltou que o advento da pandemia gerou grande instabilidade econômica a partir do cenário de calamidade pública (Decreto Legislativo nº 6 de 2020), o que fez com que o IGP-M sofresse dilatação em níveis desproporcionais em relação aos outros índices oficiais no ano de 2020 (30%). Afirmou que, em função desse cenário de instabilidade mundial absolutamente imprevisível, o contrato se tornou excessivamente oneroso para fins do reajuste de preços contratados, com sensível alteração da base objetiva que compõe o equilíbrio econômico- financeiro.
Liminar negada
A 1ª Vara Federal de Tubarão (SC) indeferiu o pedido em sede de liminar, por não vislumbrar elementos que evidenciem a probabilidade do direito, o perigo de dano nem risco ao resultado útil do processo, requisitos exigidos pelo artigo 300 do Código de Processo Civil (CPC).
No mérito, o juiz federal Rafael Selau Carmona advertiu que a simples eleição de índice inflacionário para reajuste dos preços não configura, por si só, nenhuma ilegalidade. ‘‘Veja-se que o contrato de arrendamento foi firmado em 2012 e, em 2014 e 2017, por exemplo, as variações do IGPM foram amplamente favoráveis à arrendatária (3,69% e – 052% do IGPM contra 6,41% e 2,95% do IPCA, respectivamente)’’, lembrou.
‘‘O que deve ser objeto de análise é se a situação excepcional da pandemia do novo coronavírus, que afetou cadeias de insumos, câmbio e produziu um choque de custos global, pressionando de forma considerável a variação do IGPM no ano de 2020, é apta a gerar, isoladamente, um desequilíbrio não previsto ou excepcional na relação contratual entre arrendatária, arrendante e agência reguladora’’, pontuou.
O exame de tal situação, na visão do julgador, demanda oitiva da parte adversa, sendo descabido impor, via decisão liminar, uma alteração de cláusulas contratuais que não traduzem cobrança de encargos desmedidos e manifestamente ilegais. ‘‘Ademais, quanto ao perigo da demora, não foi demonstrada dificuldade financeira ou qualquer prejuízo irremediável que coloque em risco a própria atividade empresarial pela implementação do reajuste na forma acordada’’, finalizou no despacho denegatório.
Agravo de instrumento desprovido
Inconformada, a empresa interpôs recurso de agravo de instrumento no TRF-4, para reformar o teor do despacho. No entanto, a desembargadora-relatora do caso na 3ª Turma, Vânia Hack de Almeida, confirmou a decisão. A seu ver, quando se pretende alterar judicialmente cláusulas e condições contratadas inicialmente pelas partes é fundamental a comprovação do desequilíbrio econômico-financeiro – o que não ocorreu em sede de liminar.
‘‘Dessa forma, não havendo referida comprovação neste momento processual, necessário o devido exame do conjunto probatório acostado ao processo, pelo Juízo de Primeiro Grau, mediante o exercício do contraditório e da ampla defesa, durante o curso do devido processo legal’’, anotou no acórdão.
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Agravo de Instrumento 5019985-80.2021.4.04.0000/SC
Jomar Martins é editor da revista eletrônica PAINEL DE RISCOS