ARRENDAMENTO RURAL
A invalidade da notificação de retomada do imóvel feita pelo arrendador através do WhatsApp
Por Henrique Rodrigues Medeiros e Albenir Querubini
Em recente decisão proferida no Agravo de Instrumento nº 5525593-04.2021.8.09.0105, o Tribunal de Justiça do Estado de Goiás¹ confirmou liminar concedida em primeiro grau para determinar a prorrogação de contrato de arrendamento rural, em caso no qual o arrendador realizou notificação premonitória através de mensagem pelo aplicativo WhatsApp.
Inicialmente, vale recordar que os contratos agrários versam sobre a cessão do uso ou da posse temporária de um imóvel rural para fins de exploração da atividade agrária. Por consequência, da própria definição constante no caput do art. 92 do Estatuto da Terra, extrai-se que é da ratio dos contratos agrários a sua temporariedade.
Por uma questão que leva em conta diversos fatores, incluindo a própria Política Agrícola, é sabido que muitas das normas de Direito Agrário são protetivas em favor dos arrendatários e parceiros-outorgados, cuja lógica está em proteger a continuidade da produção (ou seja, da exploração da atividade agrária), quando cumprida a função social da propriedade durante a relação contratual agrária. No caso dos contratos agrários, a lei agrária brasileira trouxe um conjunto de disposições protetivas de caráter de ordem pública, inclusive prevendo direitos e garantias irrenunciáveis em favor dos arrendatários e parceiros-outorgados, a exemplo a necessidade de os proprietários observarem as notificações premonitórias de exercício de retomada, prazos mínimos legais, direito de preferência para renovação diante da oferta de terceiro, direito de preferência para aquisição do imóvel objeto do contrato quando posto a venda, direito de indenização de benfeitorias úteis e necessárias, dentre outras disposições.
No julgado analisado, discutia-se a notificação prévia para retomada do imóvel arrendado, que é pressuposto essencial para extinção do contrato agrário pelo proprietário, para fins de exploração de uso próprio ou para uso de descendente do proprietário, conforme disposição constante do art. 95, incs. IV e V, do Estatuto da Terra (com redação dada pela Lei nº 11.443/2007)² c/c art. 22, §§ 2º a 4º, do Decreto nº 59.566/1966 (Regulamento dos Contratos Agrários)³.
Importante mencionar que a lei agrária prevê uma solenidade a ser seguida pelo proprietário que deseja exercer o direito de retomada: realizar notificação extrajudicial, via Registro de Títulos e Documentos competente, em até 6 (seis) meses antes do vencimento do contrato ou de sua renovação4, na qual o proprietário deve declarar sua intenção de retomar o imóvel para explorá-lo diretamente ou por intermédio de descendente seu (“denúncia cheia”, sob pena de insinceridade do pedido). Caso o proprietário/arrendador não promova a notificação do arrendatário observando o prazo e a forma legal, consoante dispõem o Estatuto da Terra, o contrato considerar-se-á automaticamente renovado pelas mesmas condições e termos do contrato original5.
Também deve ser recordado que, segundo o art. 104 Código Civil, a validade do negócio jurídico requer (a) agente capaz; (b) objeto lícito, possível, determinado ou determinável; e, (c) forma prescrita ou não defesa em lei. Por sua vez, o art. 107 do Código Civil diz que “a validade de declaração de vontade não dependerá de forma especial, senão quando a lei exigir” (grifou-se).
Na hipótese do exercício de direito de retomada, há, justamente, para a validade da declaração da vontade do arrendador (“capaz de extinguir a relação contratual agrária”), a exigência legal de que seja realizada a notificação premonitória, realizada observando a solenidade cartorária, o prazo de 6 (seis) meses e a motivação do ato, conforme previsto no art. 95, incs. IV e V, do Estatuto da Terra (com redação dada pela Lei nº 11.443/2007).
Por tais motivos, a notificação efetivada através do aplicativo de “WhatsApp” não atende a previsão normativa da legislação agrária, conforme bem observado pelo Tribunal de Justiça de Goiás.
Por fim, cabe comentar que seria interessante pensar em uma futura atualização da legislação dos contratos agrários para o fim de permitir a possibilidade de flexibilização dos atos de comunicação entre os contratantes quando for possível a utilização de ferramentas tecnológicas ou meios que garantam ciência inequívoca da manifestação da vontade durante a realização dos atos jurídico-contratuais.
Com efeito, a decisão do Tribunal de Justiça de Goiás reafirma a necessidade de obediência às normas de ordem pública que disciplinam os direitos e garantias irrenunciáveis na relação jurídica contratual de natureza agrária, a fim de se garantir segurança jurídica aos contratantes.
Henrique Rodrigues Medeiros é vice-presidente da Comissão de Direito do Agronegócio da OAB Rio Verde-GO, especialista em Direito do Agronegócio pela Universidade de Rio Verde e em Tributação no Agronegócio pelo IBET
Albenir Querubini é professor de Direito Agrário, advogado especializado em agronegócio, mestre em Direito pela UFRGS, presidente da União Brasileira de Agraristas, coordenador do Portal DireitoAgrário.com (www.direitoagrario.com). E-mail: albenir@gmail.com; Instagram: @albenirquerubini
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