POSSE IMPOSSÍVEL
Produtor que não usufrui da sua terra não paga Imposto Territorial Rural, diz TRF-4

Por Jomar Martins (jomar@painelderiscos.com.br)

Se o proprietário não detém o direito de usar, gozar e dispor das suas terras, em decorrência de litígios judiciais , a propriedade se mantém na mera formalidade e não configura fato gerador de tributo. Logo, não há relação jurídico-tributária que embase a cobrança de Imposto Territorial Rural (ITR).

Nesse fundamento, a 1ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4) acolheu apelação para livrar um comerciante de recolher o tributo sobre uma área de terras de 2,4 mil hectares, adquirida em Guarantã do Norte (MT) e escriturada no 2º Serviço Notarial e Registral do Estado de Mato Grosso, comarca de Várzea Grande.

Posse só no papel

Desde que adquiriu a área, em 2003, o autor não consegue a posse nem a transferência para o seu nome, em razão da existência de ação discriminatória, com mandado de sequestro, ajuizada pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra). Ou seja, a área em que se insere o imóvel, a Gleba Cristalino/Divisa, foi alvo de sequestro integral. A averbação do mandado de sequestro, inclusive, constava na matrícula do imóvel – e mesmo assim o fisco federal emitiu a cobrança de ITR.

‘‘Portanto, a parte autora, rigorosamente, não detinha sobre a área de terras posse total ou possibilidade integral de uso e fruição, bem como o direito de reivindicar a área foi obstado pela ação discriminatória movida pelo Incra, de modo que a propriedade mantém-se apenas no papel, como mera formalidade’’, registrou o acórdão que, reformando a sentença, desconstituiu as execuções fiscais movidas contra o autor.

Sentença de improcedência

No primeiro grau, o autor não conseguiu desconstituir os créditos tributários, calcado em duas execuções fiscais (exercícios de 2009 e 2010), lançados pela Fazenda Nacional.  O juízo da 5ª Vara Federal de Maringá (PR) entende que o autor é o proprietário do imóvel e, à época de sua aquisição, tinha conhecimento do ônus que recaia sobre ele. Em suma, a propriedade do imóvel rural descrito na matrícula do Registro de Imóveis, pela parte autora, constitui-se, por si só, nos termos dos artigos 29 e 31 do Código Tributário Nacional (CTN), em fato gerador de ITR.

‘‘Ainda que assim não fosse, além da Declaração  firmada pela Associação de Desenvolvimento Sustentável da Gleba Divisa, no sentido de que a parte autora não chegou a tomar posse do imóvel, não foram apresentados outros elementos aptos a comprovar a ausência/impedimento de posse desta em relação ao bem. Contrariamente, no Laudo de Avaliação de Imóvel Rural, datado de 13/11/2013, apresentado pela parte autora à Receita Federal, consta que a propriedade se encontra com 50% de áreas abertas e formadas com pastagem, o que indica a ocorrência de posse e exploração econômica da propriedade. Não há, portanto, como se afastar a sujeição passiva da parte autora em relação aos créditos tributários objeto das Execuções Fiscais’’, cravou na sentença o juiz federal Anderson Furlan Freire da Silva.

Apelação provida no TRF-4

A relatora da apelação na 1ª Turma, desembargadora Luciane Amaral Corrêa München, citou o caput do artigo 29 do CTN: ‘‘O imposto, de competência da União, sobre a propriedade territorial rural tem como fato gerador a propriedade, o domínio útil ou a posse de imóvel por natureza, como definido na lei civil, localização fora da zona urbana do Município’’. O artigo 31 diz que ‘‘Contribuinte do imposto é o proprietário do imóvel, o titular de seu domínio útil, ou o seu possuidor a qualquer título’’.

Essas disposições são complementadas pela Lei 9.393/96, que, no seu artigo 1º, repete: ‘‘O Imposto sobre a Propriedade Territorial Rural – ITR, de apuração anual, tem como fato gerador a propriedade, o domínio útil ou a posse de imóvel por natureza, localizado fora da zona urbana do município, em 1º de janeiro de cada ano’’.

Impossibilidade de fruição

Para a relatora, sem a presença dos elementos objetivos e subjetivos que a lei, expressa ou implicitamente, exige ao qualificar a hipótese de incidência, não se constitui a relação jurídico-tributária. Pela definição que se extrai do Direito Civil – reforça –, trata-se do direito que a pessoa física ou jurídica tem, dentro dos limites normativos, de usar (jus utendi), gozar (jus fruendi) e dispor (jus abutendi) de um bem, corpóreo ou incorpóreo, bem como de reivindicar de quem injustamente o detenha (rei vindicatio).

‘‘No entanto, quando há impossibilidade de fruição do bem imóvel, não há como imputar ao proprietário ou possuidor das terras a condição de sujeito passivo do imposto. Há jurisprudência nesta Corte que reconhece a inexigibilidade do tributo quando o direito de usar, gozar e dispor do imóvel é cerceado por circunstâncias alheias à vontade do proprietário ou possuidor do bem imóvel rural’’, definiu a desembargadora-relatora, dando provimento à apelação.

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Procedimento comum 5006271-98.2018.4.04.7003/PR

 Jomar Martins é editor da revista eletrônica PAINEL DE RISCOS

  

 

DISCRIMINAÇÃO NO TRABALHO
Dono de navio não pode pedir exame de HIV nem de antecedentes criminais a garçom 

Por Jomar Martins (jomar@painelderiscos.com.br)

Não existe justificativa, na legislação brasileira, para a exigência de exame toxicológico, de HIV ou de antecedentes criminais. É que estes pedidos, além de ferir direitos de personalidade, se revestem de caráter discriminatório, sendo vedados pelo artigo 1º da Convenção 111 da Organização Internacional do Trabalho (OIT) e pelo artigo 1º da Lei 9.029/95.

Assim, o Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região (TRT-4) confirmou sentença que, no aspecto, condenou os responsáveis por uma empresa de cruzeiro internacional a indenizar um assistente de garçom de navio em danos morais. Dada à gravidade da conduta, os desembargadores da 2ª Turma resolveram dobrar o valor do quantum indenizatório arbitrado na origem, que passou de R$ 5 mil para R$ 10 mil.

Legislação internacional

No recurso ordinário em que contestaram a condenação por dano moral, os empregadores argumentam que tais exames se justificam em razão das características peculiares do trabalho em alto mar. Acrescentam que o exame toxicológico nada mais é do que medida de prevenção e segurança de todos a bordo da embarcação, uma vez que o uso de drogas lícitas e ilícitas, dentre as quais há substâncias que levem à diminuição da cognição e vigilância, torna arriscado, para o indivíduo que a utilizou e para a coletividade.

No caso do exame de HIV – pontuaram –, a legislação internacional e a legislação de Bahamas exigem que o tripulante apresente um certificado médico válido para poder embarcar. Os procedimentos para a elaboração desse certificado, incluindo os exames obrigatórios, seguem padrões determinados pela Maritime Labour Convention (MLC), pela Convenção Internacional sobre Normas de Formação, Certificação e de Serviço de Quartos para Marítimos (STCW) e pela Organização Mundial da Saúde (OMS).

Direitos de personalidade

A relatora do recurso ordinário (RO) na 2ª Turma do TRT-4, desembargadora Tânia Regina Silva Reckziegel, alinhou-se integralmente à fundamentação vertida na sentença condenatória proferida pela 4ª Vara do Trabalho de Caxias do Sul. Para ambos os julgadores, a exigência de teste de HIV e de antecedentes criminais violou o direito de personalidade do empregado, no caso a intimidade, como assegura o inciso X do artigo 5º da Constituição – o que gera o dever de indenizar.

‘‘Quanto à exigência de exame toxicológico, sequer contestado, acho que se pode discutir sua pertinência em se tratando do comandante do navio, mas não dos trabalhadores em geral. Isso faz com que, uma vez em tendo sido exigido, o que presumo pela falta de defesa específica, houve violação ao mesmo direito de personalidade do item anterior, intimidade’’, escreveu na sentença o juiz do trabalho Rafael da Silva Marques.

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Reclamatória 0021172-50.2019.5.04.0404/RS

 Jomar Martins é editor da revista eletrônica PAINEL DE RISCOS

 

 

AVALISTA DO PATRÃO
Justiça do Trabalho deve decidir caso de gerente coagido a ser fiador da empresa 

Secom/TST

Ministro-relator Renato de Lacerda Paiva
Foto: Secom/TST

A Sexta Turma do Tribunal Superior do Trabalho (TST) declarou a competência da Justiça do Trabalho para processar e julgar o pedido de indenização por danos morais e materiais de um gerente que foi coagido a assinar uma cédula de crédito bancário como fiador da empregadora. Ao acolher recurso do empregado, o colegiado reconheceu que o Banco Santander (Brasil) S.A., onde foi feita a fiança, também deve fazer parte da ação.

Coação

A reclamação foi ajuizada contra a Expresso Itaúna Ltda. e a Andrade e Resende Transportes Ltda., de Itaúna (MG), e o Santander. Nela, o gerente administrativo disse que fora constrangido a ser fiador de um contrato de crédito da segunda empresa, integrante do mesmo grupo econômico de sua empregadora, mediante “assédio gravíssimo”, com ameaça de perder o emprego e suspensão dos depósitos do FGTS.

De acordo com seu relato, em abril de 2012, a Andrade e Resende teve de renegociar um débito com o Santander. Como o banco exigia garantias e fiadores além dos proprietários, estes determinaram que ele constasse como avalista, com o argumento de que o contrato era necessário apenas para “dar um fôlego” à empresa, que pagaria o empréstimo sem problemas.

Ocorre que, em agosto de 2013, a empresa encerrou suas atividades, e o banco passou a cobrar do gerente, como fiador e garantidor, a dívida, de quase R$ 400 mil. Com isso, o juízo cível decretou o bloqueio de suas contas bancárias. Além do pedido de indenização, ele pretendia a anulação da fiança.

Relação de consumo

O juízo da Vara do Trabalho de Itaúna reconheceu a competência da Justiça do Trabalho apenas em relação às duas empresas, mas negou o pedido de indenização, por entender que não houve prova da coação. No tocante ao banco, a sentença concluiu que a relação era de consumo e, portanto, de natureza civil.

Ao julgar recurso ordinário, o Tribunal Regional do Trabalho da 3ª Região (TRT-3,MG)  condenou as duas empresas ao pagamento de indenização de R$ 30 mil, em razão de sua conduta antijurídica. Manteve, contudo, a extinção do processo em relação ao banco, concluindo que ele havia exercido seu direito de acionar os credores e seus avalistas, conforme previsto em lei.

Nome “sujo”

No recurso de revista (RR) interposto no TST, o gerente argumentou que, apesar da indenização, ele permanecia como devedor solidário da empresa no processo de execução. Ou seja, que seu nome continuaria “sujo” nos cadastros de consumidores. Sustentou, ainda, que, caso mantida apenas a indenização, ele não receberia “nenhum centavo”, porque as empresas estão falidas, seus sócios “sumiram” e centenas de empregados que moveram ações não receberam os valores devidos.

Competência constitucional

Para a Sexta Turma do TST, o pedido de declaração de nulidade da fiança bancária assinada em decorrência de coação da ex-empregadora se insere na competência constitucional da Justiça do Trabalho. É que o fato causou diversos prejuízos materiais ao trabalhador, como a execução forçada da dívida, a inscrição do seu nome nos serviços de proteção ao crédito e o impedimento de realizar quaisquer outras atividades perante as instituições financeiras.

Segundo o relator, ministro Renato de Lacerda Paiva, ao atribuir a competência da  Justiça do Trabalho para analisar e decidir outras controvérsias decorrentes da relação de trabalho, a Constituição engloba a hipótese em que a obrigação assumida pelo empregado decorra essencialmente da coação exercida pelo então empregador sobre o indivíduo que estava sob sua subordinação.

Risco do empreendimento

Paiva também observou que a coação colocou o trabalhador na posição de assumir os riscos do empreendimento, passando a ser corresponsável pela dívida da empresa como meio de pagar as próprias verbas trabalhistas devidas aos empregados. “Portanto, não há como desvincular a assunção da responsabilidade decorrente da assinatura da fiança com o contrato de trabalho”, concluiu.

Por unanimidade, a Turma reconheceu a legitimidade do Santander para figurar na reclamação trabalhista, e o processo retornará à Vara do Trabalho para julgamento da controvérsia relativa aos danos materiais e à nulidade da fiança.

O ministro ressaltou, no entanto, que o contrato de empréstimo propriamente dito, firmado entre a empresa e o banco, não está inserido na competência da Justiça do Trabalho.

Leia aqui o acórdão

Processo RR-11232-57.2013.5.03.0062