DIREITO DO CONSUMIDOR
Procon municipal multa fabricante em quase R$ 50 mil por atrasar conserto de TV
Por Jomar Martins (jomar@painelderiscos.com.br)
Os Procons municipais têm legitimidade para impor penalidade administrativa a qualquer fornecedor de produtos ou serviços que descumpra a legislação consumerista no seu âmbito de atuação, independentemente de se tratar de reclamações individuais ou coletivas.
Com este entendimento, sacramentado na jurisprudência, a 3ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (TJ-RS) negou provimento à apelação de um fabricante de TVs, que não conseguiu anular a multa de R$ 47,2 mil aplicada pelo Procon de Canoas (região metropolitana de Porto Alegre). O aparelho que gerou todo o litígio custou R$ 899 e ficou mais de três meses parado no conserto.
Para o colegiado, a multa foi fixada neste patamar em função da gravidade da infração; ou seja, em razão do desinteresse do fornecedor em solucionar o problema do cliente. Afinal, o produto foi encaminhado à assistência técnica e não foi consertado. Tampouco foi entregue ao consumidor. Com isso, decorreu o prazo legal de 30 dias previsto no artigo 18, parágrafo 1º, do Código de Defesa do Consumidor (CDC).
‘‘Não se pode olvidar que o poder de polícia em matéria do consumidor limita a liberdade ou a atividade de particulares relativamente à atividade econômica enquadrada como relação de consumo, pois a utilização de tal prerrogativa situa-se no âmbito do Sistema de Proteção ao Consumidor (artigo 105 do Código de Defesa do Consumidor). O caso em julgamento, portanto, versa sobre o próprio artigo 1º do CDC, segundo o qual as normas de proteção e defesa do consumidor são de ordem pública e interesse social, nos termos do artigo 5º, inciso XXXII, da Constituição Federal’’, resumiu, no acórdão, o desembargador-relator Leonel Pires Ohlweiler.
Ação anulatória
Digibras Indústria do Brasil (nome fantasia CCE) ajuizou ação para anular uma multa administrativa aplicada pelo Procon do Município de Canoas no valor de R$ 47,2 mil. Motivo: o fabricante não resolveu, no prazo legal, o defeito num televisor CCE, adquirido junto ao Carrefour, em janeiro de 2013. Nem restituiu prontamente o dinheiro ao cliente. O aparelho ficou mais de 90 dias na assistência técnica.
A multa foi aplicada com base no artigo 57 do CDC: ‘‘A pena de multa, graduada de acordo com a gravidade da infração, a vantagem auferida e a condição econômica do fornecedor, será aplicada mediante procedimento administrativo, revertendo para o Fundo de que trata a Lei nº 7.347, de 24 de julho de 1985, os valores cabíveis à União, ou para os Fundos estaduais ou municipais de proteção ao consumidor nos demais casos’’.
Sentença de improcedência
Em razões, o fabricante alegou que o processo administrativo que descambou na multa é nulo, pois deixou de ser notificado pelo Procon. O órgão de proteção também teria se mostrado inerte, deixando de mediar uma solução para o conflito. Além disso, o valor da multa, considerando o preço do produto à época, mostra-se desproporcional.
Em 5 de setembro de 2019, o juízo da 2ª Vara Cível da Comarca de Canoas julgou improcedente a ação anulatória. Na percepção da juíza Káren Rick Danilevicz Bertoncello, o procedimento adotado para a aplicação da sanção administrativa pecuniária observou os princípios da ampla defesa e do contraditório, na forma do artigo 5º da Constituição Federal.
‘‘Além disso, a natureza do ato proferido pelo Procon está revestida da presunção de legitimidade, porquanto ato administrativo não sujeito ao controle do Poder Judiciário, salvo hipótese de demonstração de flagrante irregularidade ou invalidade, diante da independência das esferas administrativa e judicial no ordenamento jurídico brasileiro’’, complementou.
Apelação ao Tribunal de Justiça
Inconformado com a manutenção da multa no primeiro grau, a Digibras interpôs recurso de apelação no Tribunal de Justiça. Alegou ‘‘desvio de finalidade’’, já que o Procon não teria legitimidade para impor penalidade administrativa pelo não cumprimento de obrigação de natureza individual. Esta prerrogativa seria exclusiva da Justiça. Assim, as decisões proferidas no processo administrativo teriam extrapolado os limites do poder de polícia.
Entrando no mérito da questão, sustentou que, sem a comprovação do vício de fabricação e eventual falha na prestação do serviço, não subsiste o fundamento fático e jurídico que justifique a aplicação de multa. Por se tratar de processo com natureza sancionatória, o ônus da prova incumbe ao ente público, que deve demonstrar a existência da infração. A não apresentação da prova pericial torna nulo o processo administrativo por vício processual.
Clique aqui para ler a sentença
Clique aqui para ler o acórdão
Processo 008/1.17.0017179-3 (Canoas-RS)
Jomar Martins é editor da revista eletrônica PAINEL DE RISCOS