Por Jomar Martins (jomar@painelderiscos.com.br)
Pelo princípio da primazia da realidade, é possível descaracterizar um pacto de relação civil de prestação de serviços. Basta que, no cumprimento do contrato, estejam presentes, concretamente, todos os elementos fático-jurídicos da relação de emprego – trabalho por pessoa física, com pessoalidade, não eventualidade, onerosidade e sob subordinação.
Com base neste entendimento, a 8ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região (TRT-4, Rio Grande do Sul), reformou sentença que negou reconhecimento de vínculo empregatício (artigos 2º e 3º da CLT) a um entregador motorizado da FedEx. Com a reviravolta no caso no segundo grau, o processo trabalhista retornará à 26 Vara do Trabalho de Porto Alegre, para análise e julgamento dos demais pedidos da petição inicial – todos relacionados ao reconhecimento de vínculo.
Trabalho sem autonomia
Para o relator do recurso ordinário no TRT-4, desembargador Marcelo José Ferlin D’Ambroso, a prova oral comprova subordinação na relação havida entre as partes, como também que o autor prestava serviços de forma não eventual. Ou seja, não se sustenta o argumento de que o autor da ação reclamatória prestava serviços apenas de forma autônoma.
Conforme o relator, a existência de contratos de prestação de serviços firmados entre a empresa constituída pelo autor e a empresa ré não é suficiente para demonstrar que a prestação de serviços ocorreu de modo não subordinado, eventual e sem pessoalidade. Pouco importa, no particular, que a prestação de serviços tenha ocorrido por intermédio de pessoa jurídica.
‘‘Outrossim, o fato de o autor ter disponibilizado veículo próprio para a prestação de serviços, igualmente, não afasta a caracterização do vínculo de emprego, uma vez que é comum, em casos de terceirização ilícita de atividade-fim, que o ônus do empreendimento seja parcial e indevidamente transferido ao prestador de serviços, em realidade, mero empregado’’, definiu o desembargador-relator.
Ação reclamatória
O autor ajuizou ação reclamatória contra a FedEx Brasil Logística e Transporte em março de 2017, pleiteando verbas indenizatórias estimadas em R$ 150 mil, se reconhecidas pela Justiça do Trabalho. Na petição inicial, afirmou que começou a trabalhar para a empresa reclamada em março de 2014, na função de motorista/entregador, como pessoa física.
Em julho de 2014, como trabalhava sem carteira assinada, narrou, a FedEx pediu que abrisse uma empresa para prestar os serviços, com a apresentação de notas. Esta relação durou até março de 2017, quando foi dispensado sem justa causa – sem receber um tostão pela rescisão trabalhista. Nesses dois anos e 11 meses de trabalho, denunciou, teve de trabalhar como pessoa jurídica (PJ) por exigência do empregador, o que caracteriza a figura da ‘‘pejotização’’.
Para a prestação do serviço contratado, afirmou que utilizava veículo próprio. O veículo, após o serviço, por determinação da contratante, ficava guardado na garagem da empresa. Por outro lado, a empresa fornecia um smartphone, que era utilizado como contato de trabalho, bem como para dar baixa nos romaneios de coleta e/ou entrega de mercadorias, conforme comprovado no Termo de Responsabilidade de Recebimento de Equipamento apresentado.
Em síntese, apesar do contrato como PJ, disse que trabalhava de forma habitual, remunerada e mediante subordinação, requerendo, como pedido principal, reconhecimento de vínculo empregatício aos moldes do previsto na legislação celetista. Afinal, como indica os artigos 2º e 3º da CLT, para a configuração da relação de emprego é necessária a presença concomitante dos seguintes elementos fático-jurídicos: trabalho não eventual, prestado com pessoalidade, em regime de subordinação e com onerosidade – ou seja, mediante pagamento.
Os demais pedidos vertidos na inicial: anotação da Carteira do Trabalho e Previdência Social (CTPS), recolhimento de contribuições previdenciárias, férias (com 1/3), 13º salário, aviso prévio, horas extras, Fundo de Garantia, dentre outras verbas indenizatórias.
Sentença improcedente
O juízo da 26ª Vara do Trabalho de Porto Alegre não reconheceu o vínculo empregatício, julgando improcedente a ação. Com isso, fulminou, por consequência, todos os pedidos vertidos na petição inicial. Nos fundamentos de sua decisão, o juiz Elson Rodrigues da Silva Junior disse que o reclamante constituiu empresa antes do início da prestação de serviços e se cadastrou como transportador na Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT). Tanto é verdade que os documentos e depoimentos inseridos nos autos provam que ele recebia pagamento contra apresentação de notas fiscais emitidas por sua empresa.
Assim, a relação mantida com a FedEx não seria de emprego, mas de prestação de serviços de transporte de cargas, a teor do que prevê o artigo 5º da Lei 1.442/07. Reza o dispositivo: ‘‘As relações decorrentes do contrato de transporte de cargas de que trata o art. 4o desta Lei são sempre de natureza comercial, não ensejando, em nenhuma hipótese, a caracterização de vínculo de emprego’’.
‘‘Nesse sentir, a presunção é no sentido de inexistência de relação de emprego entre as partes, por força do art. 5º da Lei nº 11.442/07. A fraude não se presume, de modo que cabia ao reclamante comprovar de forma robusta a existência de fraude e a presença dos elementos caracterizadores da relação de emprego. Todavia, o reclamante não se desincumbiu a contento desse ônus’’, cravou na sentença o juiz trabalhista.
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Reclamatória trabalhista 020385-59.2017.5.04.0026/RS
Jomar Martins é editor da revista eletrônica PAINEL DE RISCOS