ACÚMULO DE DÍVIDAS
Philip Morris não indenizará distribuidor de cigarros por rompimento de contrato, decide TJ-SP

Por Jomar Martins (jomar@painelderiscos.com.br)

Foto: CNN

Não há necessidade de perícia contábil para aferir os prejuízos suportados por uma empresa que perdeu o contrato de distribuição, por investimentos feitos em fundo de comércio ou lucros cessantes, se a rescisão contratual que deu ensejo à ação indenizatória ocorreu sem abuso de direito, de forma motivada e com previsão na própria minuta contratual entabulada entre as partes.

Por isso, a 21ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP) negou apelação de uma distribuidora de cigarros que teve o contrato rompido pela Philip Morris após quase meio século de parceria comercial. A empresa parceira queria ser indenizada pelo ‘‘abrupto rompimento’’, mas a multinacional provou nos autos que a rescisão era justificável, o que a dispensaria de dar o aviso prévio para a denúncia do ajuste.

O relator da apelação, desembargador Paulo Alcides Amaral Salles, lembrou que no ajuste contratual realizado em 1999 consta a ‘‘expressa possibilidade’’ de desfazimento do negócio se o contratado atrasar o pagamento de quaisquer compras realizadas junto à contratante. Os sucessivos aditamentos não alteraram esta exigência.

Para Salles, o inadimplemento contratual da parte apelante é incontestável, dado os diversos atrasos no pagamento das mercadorias adquiridas. ‘‘Embora a recorrente [Distribuidora Reis] afirme que o último instrumento de confissão de dívida, assinado em 07/08/2015, ainda estava no prazo para pagamento, os outros débitos já estavam há muito vencidos e foram esses que ensejaram a ruptura do contrato’’, escreveu no acórdão.

Contrato atípico

Ao concluir o voto, o desembargador-relator esclareceu que a distribuição por intermediação é um contrato atípico. Por isso, os direitos e deveres das partes são os expressamente previstos no ajuste. No presente contrato, pontuou, não há estipulação específica sobre a indenização pela clientela em caso de extinção da relação por justa causa.

‘‘Ademais, os gastos com a constituição do fundo de comércio e captação de clientela são inerentes à relação de distribuição e devem ser compreendidos como parte do risco do negócio, não podendo ser imputado ao distribuído’’, encerrou, confirmando o teor da sentença.

Rescisão unilateral

Após ter aberto e consolidado mais de 6.500 pontos de venda nos Estados de Goiás, Tocantins e Distrito Federal, a Distribuidora de Cigarros Reis, sediada em Brasília, foi à Justiça pleitear indenização da Philip Morris, que pediu resilição abrupta do contrato de distribuição por intermediação em 2015, pondo fim a 46 anos de relacionamento comercial. Nesta modalidade, o empresário (distribuidor) assume, perante o outro (distribuído), a obrigação de criar, consolidar ou ampliar o mercado dos produtos deste último, comprando-os para revender. O ajuste foi firmado por prazo indeterminado e sem exclusividade.

Na petição, a Distribuidora Reis denunciou que a Philip Morris desrespeitou o prazo de 90 dias, livremente acordado, para implementar a resilição, obrigando-a a encerrar as suas atividades em seis dias. Esse prazo exíguo gerou graves prejuízos, impactando no manejo da frota de veículos distribuidores, questões trabalhistas, dentre outras.

Assim, por infringir a ordem econômica, entende que a ré deve indenizá-la por todo este fundo de comércio e pelos lucros cessantes, tendo em vista as disposições do artigo 36, parágrafo 3º, incisos III e IV, da Lei 12.529/2011.

A Philip Morris se defende

Citada pela 2ª Vara Empresarial e Conflitos de Arbitragem, do Foro Central Cível da Comarca de São Paulo, a ré alegou que a cláusula apontada como fundamento não estava em vigência. Além disso, a autora violou a boa-fé objetiva ao reclamar sobre o prazo de 90 dias para resilição depois de três anos da rescisão contratual.

A multinacional também sustentou a existência de justa causa para a resilição contratual, o que a exime de qualquer obrigação de indenizar, conforme autoriza o artigo 715 do Código Civil (CC): ‘‘O agente ou distribuidor tem direito à indenização se o proponente, sem justa causa, cessar o atendimento das propostas ou reduzi-lo tanto que se torna antieconômica a continuação do contrato’’.

Sentença improcedente

O juízo da 2ª Vara julgou a ação indenizatória improcedente, por entender que no contrato entabulado em 1989 – usado como paradigma pela parte autora – havia cláusula dispondo sobre a possibilidade de rescisão motivada a qualquer tempo, em interpretação contrario sensu. No efeito prático, o contrato poderia ser rescindido sem justa causa por qualquer das partes, a qualquer tempo, mediante aviso prévio por escrito de 90 dias.

‘‘É evidente, portanto, que, havendo justa causa, não haveria a necessidade de aviso prévio de 90 dias, seja no contrato de 1989, seja nos posteriores; neste caso, havendo apenas a disposição expressa dos casos de justa causa para esclarecer a sistemática da resolução contratual sem a necessidade de denúncia ou de aviso prévio’’, esclareceu o juiz Luís Felipe Ferrari Debendi.

Conforme o julgador, a questão do descumprimento do aviso prévio pela parte ré ou de eventual conduta abusiva depende da verificação da existência ou não de justa causa para a rescisão contratual.

Sucessão de inadimplementos

Nesse sentido, em que pese a argumentação da Distribuidora Reis, alertou, os autos trazem ‘‘robusta comprovação’’ de que a extinção do contrato ocorreu por uma sucessão de inadimplementos, que se arrastou por mais de um ano, com instrumentos de confissão de dívida e diversos aditivos com prorrogações.

‘‘Inclusive tal fato já era de pleno conhecimento da autora, conforme se verifica nos e-mails de tratativas das confissões de dívida, nos quais restou bem claro que o motivo da rescisão contratual foi o inadimplemento da autora, que, por sua vez, poderia ser efetuado a qualquer tempo’’, complementou.

O juiz concluiu que a rescisão não foi abusiva nem abrupta, como vinha repisando a parte ré, pois ocorreu após um ano, com 11 confissões de dívida e repactuação de prazos e formas de pagamento, ao fim do qual restou a autora como devedora de montante milionário. ‘‘Inexistindo ato ilícito ou abuso de direito, não há como responsabilizar a ré por quaisquer prejuízos experimentados pela autora’’, decretou na sentença de improcedência.

Clique aqui para ler o acórdão

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CONFLITO DE COMPETÊNCIA
Ação arbitral autorizada por assembleia prevalece sobre ação antiga de acionista minoritário

Imprensa STJ

A Segunda Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ) reconheceu a prevalência de ação arbitral patrocinada por uma companhia, aprovada em assembleia geral extraordinária e proposta sob a titularidade da própria sociedade empresária, sobre procedimentos arbitrais anteriores, de iniciativa de acionistas minoritários.

Ao analisar o conflito de competência, o colegiado entendeu que a companhia seguiu as regras legais de realização da assembleia e de ajuizamento do procedimento arbitral, de forma que os acionistas minoritários não tinham legitimidade extraordinária para promover as ações.

Os três procedimentos, ajuizados em tribunais arbitrais vinculados à mesma câmara de arbitragem, discutiam a responsabilização dos acionistas controladores por supostas condutas ilícitas na gestão da sociedade. Os dois mais antigos foram movidos por acionistas com menos de 0,01% das ações, em legitimação extraordinária, e, inicialmente, incluíram no polo passivo a própria sociedade empresária. Depois, a sociedade prosseguiu como mera interveniente nesses procedimentos.

No conflito de competência, a companhia alegou que não pôde promover imediatamente o procedimento arbitral com o mesmo objeto porque a assembleia geral extraordinária designada para deliberar sobre a medida foi suspensa judicialmente. Dessa forma, só após o levantamento da suspensão é que a sociedade conseguiu realizar a assembleia e, na sequência, em legitimação ordinária, entrar com a ação arbitral – quando as duas ações dos sócios minoritários já estavam em andamento.

STJ tem competência para decidir conflito entre dois juízos arbitrais

Ministro Marco Aurélio Bellizze
Foto: Sergio Amaral/STJ.

O relator na Segunda Seção do STJ, ministro Marco Aurélio Bellizze, explicou que, no caso dos autos, a câmara de arbitragem não disciplinou solução para o impasse criado quando dois tribunais arbitrais proferem decisões inconciliáveis em procedimentos parcialmente idênticos. Nas ações movidas pelos acionistas individuais, o tribunal arbitral proferiu decisão negando a sua extinção; já na ação mais recente, a corte arbitral reconheceu a sua prevalência sobre os feitos mais antigos.

Nesse contexto, o ministro lembrou que, de acordo com o artigo 105, inciso I, alínea ‘‘d’’, da Constituição, compete ao STJ processar e julgar, originariamente, os conflitos de competência entre quaisquer tribunais.

‘‘A jurisprudência da Segunda Seção, tomando como premissa a compreensão de que a atividade desenvolvida no âmbito da arbitragem possui natureza jurisdicional, reconhece a competência desta corte de Justiça para dirimir conflito de competência em que figura, seja como suscitante, seja como suscitado, o tribunal arbitral’’, esclareceu o magistrado.

Segundo ele, apesar de não compor organicamente o Poder Judiciário, o tribunal arbitral deve ser compreendido na expressão ‘‘quaisquer tribunais’’ prevista no artigo 105 da Constituição, o que significa que cabe ao STJ decidir o conflito de competência entre dois tribunais arbitrais. O relator também destacou que a câmara à qual os tribunais arbitrais estão vinculados não tem poder jurisdicional para dirimir o conflito, por possuir apenas atribuições administrativas.

Minoritários só teriam legitimidade extraordinária em caso de inércia da companhia

Com base na Lei 6.404/1976, Bellizze apontou que, em regra, a ação de reparação de danos causados ao patrimônio social por atos dos administradores ou controladores deve ser proposta pela companhia diretamente lesada – titular natural do direito. Apenas em caso de inércia da sociedade é que a lei confere, de forma subsidiária, a legitimidade extraordinária para o acionista promover a ação.

O relator destacou que o ajuizamento da ação de responsabilização pela companhia exige a realização de assembleia geral para deliberar sobre o assunto. E que a inércia capaz de justificar a legitimação extraordinária dos acionistas apenas ficaria caracterizada se, passados três meses da aprovação pela assembleia, o titular do direito lesado não tivesse tomado a medida judicial ou arbitral cabível.

Para o ministro, contudo, a companhia não se mostrou inerte na tomada das providências legais para a propositura da ação, o que torna os acionistas minoritários ilegítimos para ajuizar seus procedimentos.

‘‘Não se pode conceber que a companhia, titular do direito lesado, fique tolhida de prosseguir com ação social de responsabilidade dos administradores e dos controladores, promovida tempestivamente e em conformidade com autorização assemblear, simplesmente porque determinados acionistas minoritários, em antecipação a tal deliberação e, por isso, sem legitimidade para tanto, precipitaram-se em promover a ação social de responsabilidade de controladores’’, concluiu Bellizze.

O número deste processo não é divulgado em razão de segredo judicial.