CONSUMO MÍNIMO
Cláusula take or pay não dá direito a fornecimento de gás após período contratual

Nos contratos com cláusula take or pay, o pagamento do consumo mínimo não confere ao comprador o direito de, no mês seguinte, obter o produto que deixou de consumir no período anterior, e pelo qual teve de pagar. Foi o que decidiu a 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) ao se pronunciar sobre o desfecho de uma ação de cobrança ajuizada em 2010 pela White Martins Gases Industriais, fornecedora de gás comprimido, contra uma microempresa de beneficiamento de minério de ferro em Minas Gerais.

A ação nasceu pelo descumprimento da obrigação de pagar convencionada em contrato de compra e venda do tipo take or pay.

Conforme o processo, a empresa consumidora havia assumido a obrigação de pagar um valor mínimo relativo a certa quantidade de gás. Entretanto, ela deixou de consumir o produto e de pagar o montante devido, mesmo após tratativas para a quitação da dívida.

O juízo de origem condenou a ré a pagar o valor devido, mais juros de mora e correção monetária, com a possibilidade de compensar os valores já pagos. Além disso, o magistrado assegurou à ré o recebimento do produto correspondente ao valor pago, mesmo após o período em que ele deveria ter sido utilizado, sob pena de enriquecimento sem causa da autora da ação. O Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG) manteve a sentença.

Cláusula apresenta vantagens para todas as partes

Ministra Nancy Andrighi foi a relatora
Foto: Imprensa/TSE

A relatora do caso no STJ, ministra Nancy Andrighi, explicou que a cláusula take or pay obriga o comprador a pagar por uma quantidade mínima especificada no contrato, ainda que o insumo não seja utilizado. Segundo apontou, ‘‘uma das partes assume a obrigação de pagar pela quantidade mínima de bens ou serviços disponibilizados, independentemente da flutuação da sua demanda’’.

A relatora destacou que, apesar de não inserida no ordenamento jurídico brasileiro, essa prática está comumente presente em contratos de prestação continuada de fornecimento de produtos. De acordo com a ministra, a inserção dessa cláusula no contrato proporciona ao fornecedor segurança para investir e atender à demanda do adquirente, enquanto este se beneficia ao pagar um preço menor pelo produto.

‘‘Se houver aquisição da quantidade mínima estipulada ou de quantidade superior a ela, o preço a ser pago corresponderá à demanda efetivamente consumida, não se aplicando a cláusula take or pay’’, completou.

Fornecimento do que não foi consumido inutilizaria a cláusula

Nancy Andrighi afirmou que, mesmo não consumindo a quantidade mínima de produto disponibilizada pelo vendedor no período ajustado, o comprador terá de pagar o valor estipulado na cláusula. Ela ressaltou que, nesse modelo contratual, o comprador assume o risco da oscilação da demanda e, em contrapartida, será beneficiado com um preço menor.

‘‘Por se tratar de um contrato de trato sucessivo, no período subsequente, ela não terá direito ao recebimento da diferença entre o volume mínimo, pela qual pagou, e a quantia efetivamente consumida’’, completou a ministra ao apontar que a desconsideração do risco assumido pela adquirente acarretaria a ineficácia da cláusula take or pay.

Com esse entendimento, foi dado provimento parcial ao recurso para afastar a obrigação imposta à fornecedora de entregar o volume de gás correspondente ao valor mínimo efetivamente pago. Com informações da assessoria de imprensa do STJ.

Leia o acórdão no REsp 2.048.957

CONTRATO COLETIVO
TJSP manda Sul América ressarcir empresa por reajuste abusivo de plano de saúde

Por Jomar Martins (jomar@painelderiscos.com.br)

Comete abuso a operadora de plano de saúde que reajusta o prêmio anual dos contratos coletivos por adesão em índices muito acima dos autorizados pela Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS). Pior, ainda, quando mantém os cálculos obscuros, nem disponibiliza toda a documentação atuarial ao Judiciário, para análise da regularidade do reajuste.

Por isso, a 10ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) manteve íntegra a sentença que declarou abusivo o reajuste anual de 2017 aplicado pela Sul América Companhia de Seguro Saúde S/A aos contratos coletivos da sua cliente Ferro e Aço Fortunato Ltda, sediada em Santo André (ABC paulista). Assim, a partir daquele ano, os contratos passam a ser reajustados apenas pelos índices da ANS.

Em suma, nos dois graus de jurisdição, não houve demonstração idônea por parte da operadora do plano de saúde acerca dos fatos que ensejaram os reajustes nos percentuais aplicados, o que feriu o Código de Defesa do Consumidor (CDC).

Declaração de abusividade

Fachada Fortunato Ferro & Aço

A empresa afirmou à Justiça que, em 2017, pagava R$ 11,7 mil pela prestação dos serviços, valor aumentado para R$ 27,6 mil em março de 2013. Assim, pediu a declaração de abusividade do aumento e a consequente devolução dos valores pagos a maior.

O juízo da 1ª Vara Cível de São Paulo (Foro Regional de Pinheiros) julgou procedente os pedidos da parte autora, por entender que a prática se revelou abusiva. Afinal, a ré manteve obscuro o cálculo de reajuste, além de não disponibilizar a documentação contábil solicitada pelos peritos.

‘‘Em agindo assim, outra alternativa não resta senão concluir que os reajustes aplicados pela ré para o prêmio da autora não restaram justificados e, sendo superiores aos índices inflacionários reconhecidos para os planos individuais pela ANS, devem ser substituídos por aqueles autorizados. Ademais, constatada a abusividade do aumento, de rigor a devolução dos valores pagos a maior, com correção monetária pela Tabela Prático do TJSP, a partir de cada desembolso, e juros moratórios de 1%, a partir da citação’’, determinou na sentença o juiz Paulo Henrique Ribeiro Garcia. O valor a ser devolvido foi estimado em R$ 291,8 mil – observada a prescrição trienal.

Falta de justificativa concreta para o reajuste

O relator da apelação na 10ª Câmara de Direito Privado do TJSP, desembargador Jair de Souza, manteve a sentença e deu mais robustez à decisão. Em complemento à fundamentação, observou que os planos de saúde coletivos não se submetem aos índices vinculantes da ANS para os contratos individuais/familiares. Entretanto, o percentual reajuste deve encontrar justificativa concreta, sob pena de se converter em prática abusiva.

Tal raciocínio, segundo o julgador, encontra eco no CDC. O artigo 6º, inciso V, diz que são direitos básicos do consumidor a modificação ou a revisão de cláusula contratual que estabeleça prestação desproporcional ou excessivamente onerosa imposta em razão de fato superveniente.

Consumidor colocado em posição de desvantagem

Destacou, por fim, que o CDC prevê a nulidade, de pleno direito, da cláusula que favoreça o fornecedor, direta ou indiretamente, pela variação de valores de forma unilateral (artigo 51, inciso X), bem como estabeleça obrigação considerada abusiva ou que coloque o consumidor em desvantagem exagerada (artigo 51, inciso IV).

‘‘Em razão disso, constitui ônus das operadoras de plano de saúde comprovar o aumento da sinistralidade, dos custos médicos-hospitalares, de administração, de comercialização ou outras despesas incidentes e que, eventualmente, tenham sido utilizadas para quantificar o aumento anual’’, apontou Souza no acórdão.

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1010046-32.2022.8.26.0011 (São Paulo)

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