PRÊMIO DE INCENTIVO
É manifestamente ilegal vincular remuneração a idas ao banheiro, decide TST

Reprodução TST

Em julgamento realizado na quarta-feira (10/4), a Terceira Turma do Tribunal Superior do Trabalho (TST) reprovou a conduta ilegal de algumas empresas de vincularem a ida de trabalhadores ao banheiro a cálculo do Prêmio de Incentivo Variável (PIV).

A discussão ocorreu no julgamento do recurso de uma teleatendente da Telefônica Brasil S.A., de Araucária (PR), indenizada em R$ 10 mil por dano moral. Para o relator, ministro Alberto Balazeiro, a prática representa abuso de poder e ofende a dignidade da trabalhadora.

Pressão

Na ação trabalhista ajuizada em novembro de 2020 contra a operadora de telefonia, a teleatendente disse que seu supervisor controlava ‘‘firmemente’’ as pausas para idas ao banheiro e que elas afetavam o cálculo do prêmio. Segundo a reclamante, o PIV do supervisor depende diretamente da produção de seus subordinados e, dessa forma, havia muita pressão, humilhação e constrangimento para manter a produtividade.

‘‘Para manter a premiação, os supervisores impediam os empregados de irem ao banheiro conforme suas necessidades.” A trabalhadora afirmou que não era raro o supervisor ir até o banheiro buscar o empregado.

PIV

No regulamento da empresa, o prêmio é assim definido: ‘‘O PIV (Programa de Incentivo Variável) tem como objetivo incentivar e reconhecer o desempenho do colaborador em relação aos resultados, através de uma remuneração variável mensal paga em função do atingimento de metas, conforme os critérios e condições definidos na presente política’’.

Tempo real

Ainda de acordo com a teleatendente, o sistema da empresa indica, em tempo real, as pausas que os subordinados fazem, também sinalizando, imediatamente, o chamado ‘‘estouro de pausa’’. Quando isso acontecia, o supervisor encaminhava um e-mail com relatório de produtividade e de estouro de pausas para toda a equipe, o que ocasionava assédio e exclusão pelos demais empregados.  Com isso, a teleatendente disse que se considerava uma ‘‘trava’’ da produtividade da equipe, gerando atrito entre os empregados.

Alegações da Telefônica

A Telefônica rechaçou todas as alegações, alegando que o único objetivo da trabalhadora com a ação é ganhar dinheiro e manchar a imagem da empresa perante a Justiça. Disse que sempre tratou a atendente e toda a equipe com profissionalismo e polidez e que ‘‘não há controle de tempo na utilização do banheiro, mas, evidentemente, há uma organização mínima do trabalho a fim de garantir o atendimento ao cliente’’.

Banheiro

A defesa afirmou que o tempo gasto no banheiro pela empregada jamais foi considerado para fins de pagamento da parcela variável ou como forma de pressão para o atingimento de metas. ‘‘O fato de a variável do supervisor receber influência da atuação de sua equipe, por si só, não comprova a ocorrência de dano moral ou que os limites do poder diretivo foram extrapolados’’, alegou a empresa.

Sentença

Para a 16ª Vara do Trabalho de Curitiba, a conduta mais gravosa da Telefônica decorre da fórmula de cálculo de prêmios. ‘‘Adotando o PIV como complemento de remuneração, calculado sobre produtividade do empregado, a empresa acabou por criar uma corrente vertical de assédio. Isso porque o PIV do supervisor depende diretamente da produção de seus subordinados’’.

Repercussão negativa

Entendimento contrário teve o Tribunal Regional do Trabalho da 9ª Região (TRT-9, Paraná), que, apesar de acolher a tese de que as idas ao banheiro afetavam ‘‘indiretamente’’ o PIV, declarou que não havia repercussão negativa na avaliação funcional da atendente ou no pagamento de salários.

Ministro Alberto Balazeiro foi o relator
Foto: Secom/TST

Para o TRT-9, não houve prova de proibição para que a empregada fizesse suas necessidades fisiológicas além das pausas previstas. ‘‘A própria autora informou em seu depoimento que podia ir ao banheiro’’, ressalta a decisão.

Ilegal

Durante o julgamento nessa quarta-feira, o ministro Alberto Balazeiro, relator do recurso da atendente, disse que a conduta reiterada das empresas em relacionar as idas ao banheiro ao cálculo do PIV tem gerado grande quantidade de processos sobre a matéria. ‘‘A política é manifestamente ilegal.’’ Segundo ele, não há dúvidas de que havia essa vinculação, prática que representa abuso de poder diretivo.

O ministro prosseguiu, afirmando que o empregado ou a empregada não tem condições de programar as idas ao banheiro e, ao evitar a satisfação de necessidades fisiológicas por causa de repercussão em sua remuneração, pode desenvolver problemas sérios de saúde. ‘‘Ninguém tem controle por se tratar de natureza fisiológica’’, concluiu.

O voto do ministro foi seguido por unanimidade pela Turma. A Telefônica ainda pode recorrer contra a decisão.

O colegiado ainda não disponibiliza o acórdão. Com informações de Ricardo Reis, coordenador de Editoria e Imprensa da Secretaria de Comunicação Social (Secom) do TST.

TST-RR-992-38.2020.5.09.0016

FIEL DEPOSITÁRIO
Empresário que não entrega bem penhorado não comete o crime de apropriação indébita

Por Jomar Martins (jomar@painelderiscos.com.br)

Reprodução GuardiaoDepositario.Com.Br

O Supremo Tribunal Federal (STF), ao julgar o HC 203217/SC, decidiu que o sócio de empresa que deixa de repassar à Justiça parte do faturamento bruto, por ser fiel depositário numa execução, não comete o crime de apropriação indébita – ‘‘Apropriar-se de coisa alheia móvel, de que tem a posse ou a detenção’’, segundo o caput do artigo 168 do Código Penal (CP).

Valendo-se do ‘‘espírito’’ deste precedente, a 8ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4) absolveu o sócio de uma pequena empresa do Paraná, denunciado pelo Ministério Público Federal (MPF) após não explicar satisfatoriamente o sumiço de um bem que havia sido penhorado para pagar dívidas trabalhista – do qual era fiel depositário. A absolvição se deu com base no inciso III do artigo 386 do Código de Processo Penal (CPP) – o fato não constitui infração penal.

Para o relator da apelação criminal, desembargador federal Loraci Flores de Lima, não é razoável atribuir o status de ‘‘coisa alheia’’ aos bens pertencentes à empresa cuja propriedade pertence ao acusado. Assim, a conduta descrita nos autos não se amolda à tipificação do crime de apropriação indébita.

Desembargador Loraci Flores de Lima
Reprodução de vídeo

‘‘Entendo, também, ser inviável no caso dos autos a desclassificação para o delito previsto no art. 179 do CP (fraude à execução), porquanto não descritas as respectivas elementares na peça incoativa, sob pena de violação ao princípio da correlação/congruência’’, fulminou no acórdão que acolheu a apelação do empresário.

A denúncia do MPF

O Ministério Público Federal do Paraná (MPF-PR) ofereceu denúncia contra o empresário Etison Edevino Rodrigues, sócio-administrador da Etison Empresa de Construção Civil Pré-Fabricados e Metalurgia, sediada na cidade de Marechal Cândido Rondon (PR), pela prática do crime de apropriação indébita. A conduta criminosa está descrita no artigo 168, parágrafo 1º, inciso II, do Código Penal (CP).

Segundo o denunciante, o empresário, de ‘‘modo consciente e voluntário’’, apropriou-se indevidamente de uma ‘‘carretinha de duas rodas’’, bem de que tinha posse na condição de depositário judicial, em razão da penhora realizada no bojo dos autos de reclamatória trabalhista ajuizada por ex-empregada. O bem foi penhorado no dia 17 de agosto de 2018, para garantir a execução trabalhista.

Em 5 de novembro de 2020, o bem foi arrematado por uma cirurgiã-dentista pelo valor de R$ 750. Em 1º de junho de 2021, decorreu o prazo legal para que o fiel depositário comprovasse a entrega à arrematante. E, finalmente, em 9 de junho, decorreu o prazo de 10 dias para que o depositário comprovasse o depósito judicial do equivalente em dinheiro – o que não foi feito.

Citado pela 1ª Vara Federal de Guaíra, o réu alegou, em síntese, que a ‘‘carretinha’’ foi furtada da empresa, sem que tenha interferido para o seu desaparecimento. Como o equipamento estava do lado de fora da sede da empresa, provavelmente algum coletor de material reciclado o tenha levado. Disse que, pelo baixo valor, nem se deu ao trabalho de fazer um boletim de ocorrência (B.O.) na Polícia. Pediu a aplicação do princípio da insignificância, em razão do valor da arrematação (R$ 750), ou, alternativamente, a possibilidade de depositar o valor, como forma de extinção da punibilidade.

Sentença condenatória

Em análise de mérito, o juiz federal Gustavo Chies Cignachi acolheu a denúncia e julgou procedente a ação penal. O empresário acabou condenado à pena privativa de liberdade de três anos e quatro meses, para cumprimento em regime semiaberto, além do pagamento de multa: 282 dias-multa, cada qual no valor de um vigésimo do salário-mínimo vigente em maio de 2021. E sem direito a substituição por penas restritivas de direitos.

Na fundamentação, o julgador citou a jurisprudência do TRF-4, que, nos vários precedentes, toma como culpado pelo delito de apropriação indébita quem continua ‘‘na posse de coisa alheia móvel’’ – da qual era depositário fiel – após o bem ter sido arrematado em hasta pública.

Para o julgador, mesmo tendo assumido a condição de fiel depositário, o acusado não cuidou da conservação do equipamento, visto que assumiu que este foi colocado para fora da empresa e levado por terceiro desconhecido. Assim, não procede a alegação de furto, ante à ausência de formalização de B.O. Era o mínimo que se espera de alguém que tem o encargo de fiel depositário.

‘‘Em síntese, o acusado não cumpriu a obrigação assumida. Além disso, foi devidamente intimado para comprovar o depósito judicial do equivalente em dinheiro, na forma do art. 161 do CPC, mas deixou de cumprir a obrigação, revelando descaso com a situação’’, cravou na sentença condenatória.

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5001645-86.2021.4.04.7017 (Guaíra-PR)

 

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