DANO REFLEXO
Criança tem direito à indenização por acidente de trabalho que deixou o pai incapacitado antes de seu nascimento
A condição de nascituro (bebê em gestação) é suficiente para instruir pedido de indenização na Justiça do Trabalho, sem que haja necessidade de prova de sofrimento ou de vínculo afetivo com o pai.
Assim, a Terceira Turma do Tribunal Superior do Trabalho (TST) reconheceu o direito à indenização a uma criança que estava em gestação quando o seu pai sofreu um acidente de trabalho que deixou graves sequelas físicas e neurológicas.
Em seu voto, o relator, ministro Alberto Balazeiro, destacou que, embora a personalidade civil da pessoa comece no nascimento com vida, o princípio da dignidade da pessoa humana permite a reparação civil quando uma violação ocorrida em momento anterior produz efeitos após o nascimento, como no caso dos autos.
Acidente deixou sequelas físicas, neurológicas e psicológicas graves
A reclamatória trabalhista foi ajuizada pela mãe da criança contra a Metalúrgica W de Oliveira, microempresa de Porto Alegre, e a Igreja Evangélica Encontros de Fé, onde o trabalhador prestava serviço como montador de estruturas metálicas. Ao trocar telhas, o telhado quebrou e ele caiu de uma altura de aproximadamente dez metros e sofreu graves lesões, principalmente na cabeça, nos braços e nas pernas.
Após mais de dois meses hospitalizado, o empregado ficou com sequelas físicas e neurológicas e sintomas psiquiátricos decorrentes do traumatismo sofrido. Ele tinha 20 anos e, na época, a mãe da criança estava no primeiro mês de gravidez. Segundo o perito, que o examinou no curso da ação, ele não tinha condições de realizar as atividades simples com seu filho.
Para o TRT, criança não tinha nascido e não sofreu com o acidente
O juízo de primeiro grau acolheu o pedido de indenização e fixou o valor em R$ 100 mil, mas o Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região (TRT-4, Rio Grande do Sul) afastou a condenação. Para o TRT, o autor da ação, filho da vítima, sequer tinha nascido na época do acidente e, portanto, não tinha sofrido nenhuma alteração significativa em sua rotina e em sua vida em decorrência do ocorrido.
Ainda de acordo com a decisão, ainda que o pai tenha ficado com graves sequelas físicas, além de sintomas depressivos e comportamentais após o acidente, que levaram à sua interdição, as circunstâncias não afastam a possibilidade de convívio com o filho.
Código Civil e Constituição balizam decisão
Os ministros da Terceira Turma, contudo, restabeleceram a sentença que reconheceu o direito do menino à indenização. O ministro Alberto Balazeiro apontou que, de acordo com o artigo 2º do Código Civil, ‘‘a personalidade civil da pessoa começa do nascimento com vida, mas a lei põe a salvo, desde a concepção, os direitos do nascituro’’. É o caso, por exemplo, da possibilidade de doação e o direito à herança.
Para o relator, a interpretação desse dispositivo, combinada com o princípio da dignidade da pessoa humana previsto na Constituição Federal, permite reconhecer o direito do nascituro à reparação.
Segundo Balazeiro, o direito da criança ainda não nascida à reparação civil resulta da violação a direitos de personalidade que produza efeitos em sua vida após o nascimento, como no caso do acidente, que privou o filho da convivência ampla com seu pai.
‘‘O vínculo afetivo ou a prova do sofrimento pelo nascituro não são requisitos para que ele tenha direito à indenização, até porque prova dessa natureza seria absolutamente diabólica’’, concluiu. Com informações de Sílvia Mendonça e Carmem Feijó, da Secretaria de Comunicação Social (Secom) do TST.