BOA-FÉ DO COMPRADOR
TRF-4 anula multa de empresa que comprou suprimentos de informática com suspeitas de descaminho

Sede do TRF-4 em Porto Alegre
Foto: Diego Beck/ACS/TRF-4

Por Jomar Martins (jomar@painelderiscos.com.br)

A jurisprudência superior diz, no efeito prático, que a empresa que adquire mercadoria estrangeira, internalizada no mercado por importador idôneo, não está legalmente obrigada a comprovar a regularidade na importação. Logo, não pode ser punida se ocorreu alguma irregularidade ou fraude nesta operação.

Nessa linha de entendimento, a 1ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4) decidiu negar apelação da União (Fazenda Nacional), inconformada com a sentença que livrou uma empresa de informática de pagar multa no valor R$ 175,9 mil pela compra de suprimentos com indícios de fraude na importação, como alude o artigo 704 do Decreto 6.759/2009. A decisão se deu por maioria.

Aquisições de boa-fé

A empresa, com sede em Santa Maria (RS), ajuizou ação anulatória na 3ª Vara Federal de Santa Maria para desconstituir o auto de infração que lastreou a multa.

De relevante, a autora disse que adquiriu as mercadorias e insumos de boa-fé, por meio de três empresas estabelecidas no território nacional, com nota fiscal do mercado interno, desconhecendo a origem irregular das importações.

Sustentou a ilegalidade da autuação e da multa imputada sob argumento de culpa in vigilando – falta de atenção com o procedimento de outrem, cujo ato ilícito a empresa responsável deve arcar.

Empresas ‘‘noteiras’’ inativas

O juiz federal Rafael Tadeu Rocha da Silva julgou procedente a ação anulatória, por não vislumbrar qualquer ato concreto que revelasse conduta culposa ou dolosa, da parte autora a ação, na compra de produtos das três empresas fornecedoras, denominadas de ‘‘noteiras’’ pelo fisco federal.

Segundo o julgador, a inatividade das empresas ‘‘noteiras’’ é, de fato, anterior à data de emissão das notas fiscais de aquisição das mercadorias pela autora, embora ainda mantivessem o status de ‘‘aptas’’. Entretanto, não é razoável exigir que a empresa adquirente consulte a situação fiscal (atividade/inatividade) de cada fornecedor de produtos e serviços com quem negocia.

Apresentação de notas fiscais idôneas

‘‘É que, além de não se ter certeza acerca da facilidade/dificuldade ou celeridade da pesquisa, tal exigência da fiscalização poderá prejudicar e até mesmo inviabilizar a atividade econômica da empresa, que necessita também de rapidez em suas negociações’’, justificou na sentença.

No TRF-4, segundo grau da Justiça Federal da 4ª Região, o entendimento majoritário também não se afastou desta linha.

‘‘Tendo sido apresentadas notas fiscais idôneas à individualização das mercadorias apreendidas, e ausentes provas em sentido contrário por parte da Fiscalização, deve ser reconhecida a condição de adquirente de boa-fé da parte autora, não sendo suficiente para obstar tal reconhecimento eventual irregularidade por parte do importador’’, resumiu, no voto, a desembargadora-relatora Luciane Amaral Corrêa Münch, que negou provimento à apelação do fisco.

Voto divergente

O desembargador Marcelo De Nardi, que apresentou voto divergente e restou vencido neste julgamento, entendeu que a sentença deveria ser reformada, por vislumbrar indícios de ‘‘descaminho’’ – infração penal que consiste no não pagamento de tributos, taxas e contribuições legais exigidas para a entrada, saída ou consumo de mercadorias.

Para De Nardi, como a autora da ação é empresa especializada na venda de computadores e acessórios, incluindo telefones celulares, deveria diligenciar melhor a aquisição de suprimentos. Afinal, este mercado, notoriamente, segundo o magistrado, é caracterizado por descaminho, o que a obrigaria a maiores cautelas no agir comercial e compatibilidade com as exigências fiscais e aduaneiras.

‘‘Neste caso, a situação irregular das fornecedoras da apelante era pública e lhe era exigível a diligência quanto à origem dos produtos adquiridos, no contexto de atividade comercial caracterizada por grande número de fraudes de importação. Deve ser julgada procedente a apelação, invertidos os ônus da sucumbência’’, cravou no voto minoritário.

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5006796-40.2019.4.04.7102 (Santa Maria-RS)

 

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