LERÊ, LERÊ!
Vendedora de drogaria vai ganhar dano moral por ouvir música que remete à escravidão

Reprodução do quadro de J. B. Debret

‘‘Lerê, lerê, lerê, lerê, lerê, lerê, lerê.’’ O famoso refrão da música ‘‘Retirantes’’, feita em 1976 por Dorival Caymmi e Jorge Amado para a trilha sonora da novela ‘‘Escrava Isaura’’, da Globo, remete aos tempos da escravidão e era sempre cantado para uma vendedora quando ela limpava a loja.

Pela conduta desrespeitosa e constrangedora, que fere direitos de personalidade, a rede Drogaria Araujo S. A., de Belo Horizonte, foi condenada a pagar indenização por danos morais no valor de R$ 3 mil.

A decisão é dos julgadores da Quarta Turma do Tribunal Regional do Trabalho da 3ª Região (TRT-3, Minas Gerais), por maioria de votos, acompanhando a desembargadora-relatora Maria Lúcia Cardoso Magalhães, e modificou a sentença oriunda da 37ª Vara do Trabalho de Belo Horizonte, que havia rejeitado a pretensão indenizatória.

Uma testemunha disse que a cantoria “lerê, lerê” se dirigia à trabalhadora quando fazia atividades fora da área de vendas. De acordo com a testemunha, a autora recebia tratamento diferenciado quando não concordava com algum procedimento. Se não conseguia fazer todas as tarefas durante o expediente, por exemplo, tinha que executar as atividades que faltavam, como limpar o departamento após o expediente. Segundo a testemunha, isso ocorria também com outros empregados, mas, na maioria das vezes, era com a autora.

Outra testemunha confirmou que os empregados cantavam músicas, como ‘‘lerê, lerê’’, quando a trabalhadora tinha que fazer algum trabalho, a exemplo de limpeza de seção. Disse já ter presenciado o chefe dando risada desse tipo de brincadeira e que isso acontecia com uma ‘‘panelinha’’. Afirmou ainda que a gerente também participava dessas brincadeiras. A testemunha percebia que a autora ficava constrangida.

Para a relatora do recurso ordinário no TRT-MG, os requisitos ensejadores da reparação ficaram provados: a conduta ilícita, o dano (in re ipsa, ou seja, presumido) e o nexo de causalidade, nos termos do que dispõem os artigos 186 e 187, do Código Civil (CC).

‘‘Não é razoável admitir ofensas e brincadeiras humilhantes entre empregados, que causem isolamento da trabalhadora. As brincadeiras descritas pelas testemunhas superam o aceitável para um ambiente de trabalho saudável e respeitoso, excedendo manifestamente os limites impostos pelos bons costumes, impondo constrangimento não razoável à obreira’’, ponderou no acórdão.

Por tudo isso, a relatora deu provimento ao recurso da vendedora para condenar a rede de drogarias ao pagamento de indenização por danos morais no valor de R$ 3 mil.

A quantia foi arbitrada levando em conta os princípios da razoabilidade, da proporcionalidade e da igualdade, bem como os critérios previstos no artigo 223-G, parágrafo 1º, da CLT. Redação Painel de Riscos com informações da Assessoria de Imprensa do TRT-3.

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ATOrd 0010413-40.2023.5.03.0137 (Belo Horizonte)