INCONSTITUCIONALIDADE
Fisco não pode condicionar a autorização para emissão de notas fiscais à oferta de garantias de pagamento de ICMS

Sede do TJRS em Porto Alegre
Foto: Banco de Imagens /TJRS

Por Jomar Martins (jomar@painelderiscos.com.br)

‘‘É inconstitucional o uso de meio indireto coercitivo para pagamento de tributo – ‘sanção política’ –, tal qual ocorre com a exigência, pela Administração Tributária, de fiança, garantia real ou fidejussória como condição para impressão de notas fiscais de contribuintes com débitos tributários.’’

A tese, firmada no julgamento do RE 565.048 (Tema 31/STF), em 2014, levou a Primeira Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (TJRS) a negar provimento à apelação do diretor do Departamento da Receita Estadual gaúcha, inconformado com a concessão de mandado de segurança em favor da Cooperativa Agrícola Mista Aceguá Ltda. (Camal), de Bagé (RS), que queria emitir talonário sem oferecer garantias de pagamento de ICMS atrasado.

‘‘(…) é necessário levar em conta que a exigência de garantia para pagamento de débitos com a Fazenda Pública a fim de ser autorizada a impressão dos documentos fiscais colide com a proteção constitucional à liberdade do exercício da atividade econômica (arts. 5º, XIII, e 170, parágrafo único, da CF) por impor condição excessivamente onerosa e desproporcional ao contribuinte, que necessita da autorização para prosseguir com o exercício empresarial regular’’, cravou no acórdão a relatora da apelação, desembargadora Isabel Dias de Almeida.

O acórdão de apelação, em juízo de retratação, foi lavrado na sessão de julgamento do dia 10 de dezembro de 2024, pondo fim a uma pendenga que começou em 2009, passou por tribunais superiores e que perdurou por uma década no âmbito do segundo grau da justiça estadual.

Negativa para impressão de documentos fiscais

O litígio tributário se deu quando o fisco gaúcho negou à Camal autorização para imprimir 10 mil documentos fiscais, condicionando à prestação de garantias equivalente ao ICMS vincendo pelo período de seis meses. Pelo levantamento de 2009, início do processo judicial, a dívida fiscal superava a casa de R$ 1 milhão. Noutras palavras: sem garantias ou pagamento de tributos atrasados, sem talonário fiscal.

À época, o Ministério Público estadual (MPRS) ofereceu parecer pela concessão da segurança, arguindo, em síntese, que o condicionamento da emissão de Autorização para Impressão de Documentos Fiscais (AIDF) à prestação de garantia é ato estatal abusivo.

Sentença favorável à cooperativa

A juíza Gisele Anne Vieira de Azambuja, do 2º Juizado da 6ª Vara da Fazenda Pública da Comarca de Porto Alegre, ponderou, inicialmente, que a Lei Estadual 8.820/89 ampara a negativa do fisco de expedir documentos fiscais quando a empresa está inadimplente, podendo, inclusive, exigir garantias.

A julgadora, entretanto, lembrou que o Estado tem muitos privilégios que o credor comum não possui para a cobrança de seus créditos. Assim, o fisco não pode coagir o devedor a pagar a dívida tributária, já que dispõe de meios legais para fazê-la.

‘‘Ademais, a negativa, ou a limitação, na autorização da impressão de documentos fiscais impede o prosseguimento das atividades, o que, se não acarreta a falência, favorece à clandestinidade’’, arrematou na sentença, concedendo a segurança.

Apelação provida em 2009

Em acórdão datado de 26 de agosto de 2009, a Primeira Câmara Cível do TJRS, por maioria, acolheu os argumentos do fisco, denegando a segurança concedida.

O relator da apelação à época, desembargador Luiz Felipe Silveira Difini, entendeu que o fisco não condicionou a autorização para impressão dos documentos fiscais à exigência de pagamento do ICMS – o que já era ‘‘absolutamente ilegal’’.

‘‘Na verdade, conforme se constata do documento da fl. 54, bem como das informações prestadas pela autoridade coatora (fls. 70-98), a referida autorização restou condicionada à prestação de garantia para o imposto vincendo, de modo que, em sendo atendida a solicitação, a conseqüência seria a autorização para a impressão dos documentos. Dessa forma, tem-se que o Fisco agiu rigorosamente de acordo com o que a Lei nº 8.820/89’’, justificou Difini.

A defesa da Camal contestou a decisão do TJRS nos tribunais superiores: no Supremo Tribunal Federal (STF), entrou com recurso extraordinário (RE); e no Superior Tribunal de Justiça (STJ), com recurso especial (REsp). O processo, então, foi sobrestado na Corte estadual.

Tese pró-contribuinte

No dia 29 de maio de 2014, o Plenário do STF julgou o RE 565.048, coincidentemente originário do RS, envolvendo caso similar ocorrido com a empresa Maxpol Industrial de Alimentos (Santo Antônio da Patrulha-RS). Resultado: reconheceu a inconstitucionalidade do parágrafo único do artigo 42 da Lei Estadual 8.820/89, estabelecendo a tese-paradigma para litígios desta natureza. Em síntese, pacificou a jurisprudência em sentido contrário ao do acórdão contestado.

Resolvida questão no STF, a ação voltou para reapreciação do TJRS, quando a Primeira Vice-Presidência remeteu os autos para apreciação, em juízo de retratação, da Primeira Câmara Cível.

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0622471-84.2009.8.21.0001 (Porto Alegre)

 

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