DIREITOS DIFUSOS
Alterar projeto de habitação popular para aumentar lucros causa danos morais coletivos

Edifício Residencial Way Casabranca

A Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) manteve em R$ 1 milhão o valor da indenização por danos morais coletivos a ser pago, solidariamente, por uma sociedade de propósito específico (SPE) e outras duas construtoras de Santo André, ABC paulista. Motivo: as empresas alteraram premeditadamente o projeto aprovado como Habitação de Mercado Popular (HMP) para maximizar os seus lucros, em prejuízo dos consumidores e do meio ambiente.

A decisão do colegiado foi unânime.

Para o colegiado, ao incluir um segundo banheiro nas unidades habitacionais do Edifício Residencial Way Casabranca –transformando um dos cômodos em suíte – sem autorização e em desacordo com o Plano Diretor do Município de Santo André, a construtoras elevaram indevidamente o padrão do empreendimento. Consequentemente, comprometeram o acesso da população de baixa renda à moradia, distorcendo a finalidade social do projeto.

O Ministério Público de São Paulo (MPSP) ajuizou ação civil pública (ACP) sustentando que a modificação violava o planejamento urbano do município e tinha como objetivo obter vantagem indevida, em prejuízo da coletividade. Segundo o MPSP, a alteração foi realizada depois da concessão do habite-se e da vistoria municipal, comprovando a premeditação com o objetivo de aumentar o valor dos imóveis.

Ação civil pública

No primeiro grau, a 2ª Vara da Fazenda Pública da Comarca de Santo André condenou os denunciados na ACP ao pagamento de indenização por dano moral coletivo no valor de R$ 3,8 milhões. No segundo grau, a 5ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) manteve, no mérito, a condenação, mas reduziu o valor da reparação para R$ 1 milhão.

Em recurso especial (REsp) aviado no STJ, a SPE, um dos réus, alegou que não caberia condenação por dano moral coletivo, tendo em vista que, após as modificações no projeto, a prefeitura enquadrou a obra em outra legislação e exigiu o pagamento de outorga onerosa. A sociedade alegou que a alteração do empreendimento não causou qualquer prejuízo à coletividade, tampouco gerou desequilíbrio ambiental ou econômico.

Conduta ultrapassou a mera ilegalidade

O ministro Antonio Carlos Ferreira, relator do REsp na Quarta Turma do STJ, ressaltou que, nos termos do artigo 14, inciso II, da Lei Municipal 8.696/2004, os projetos de HMP são destinados especificamente à população com renda entre seis e dez salários mínimos, ao passo que as habitações eram limitadas a um banheiro e a uma vaga de garagem por unidade, o que permite ao empreendedor um aproveitamento maior do terreno.

Segundo o ministro, a empresa responsável pelo empreendimento, após se beneficiar dos incentivos concedidos pelo enquadramento como HMP – incluindo a construção de 26 unidades adicionais em razão do coeficiente ampliado –, deliberadamente modificou o projeto, aumentado substancialmente o padrão dos imóveis, com o evidente intuito de burlar a fiscalização e maximizar o lucro, em detrimento da função social da propriedade e do direito à moradia.

Ferreira classificou a conduta como grave por três motivos: a fraude premeditada, com alteração do projeto após o encerramento das inspeções; o uso indevido de incentivos urbanísticos voltados à habitação social; e, sobretudo, a descaracterização do programa habitacional, uma vez que a inclusão de um segundo banheiro encareceu os imóveis e afastou a população originalmente beneficiada pela política pública.

‘‘Tais circunstâncias ultrapassam a mera ilegalidade para configurar verdadeira afronta aos valores fundamentais que norteiam a política habitacional e o planejamento urbano. A conduta atinge frontalmente princípios basilares como a boa-fé, a função social da propriedade e o direito à moradia digna, constitucionalmente assegurados’’, resumiu.

Grave violação aos valores fundamentais da sociedade já configura o dano moral coletivo

Para Antonio Carlos Ferreira, o dano moral coletivo prescinde da comprovação de dor ou sofrimento, bastando demonstração da gravidade da violação aos valores fundamentais da sociedade. Nesse sentido, apontou que a manutenção da condenação por danos morais coletivos se mostra não apenas adequada, mas também necessária para reafirmar a intangibilidade dos valores sociais violados e desestimular condutas semelhantes.

O relator ressaltou que, no caso dos autos, o dano moral coletivo se manifesta na própria frustração da política pública habitacional, convertida de instrumento de inclusão social em mecanismo de especulação imobiliária.

‘‘Tal conduta provoca justificada repulsa social, ainda mais quando considerado seu potencial multiplicador, podendo servir de incentivo negativo a outros empreendedores’’, concluiu ao negar provimento ao REsp da SPE. Com informações da Assessoria de Imprensa do STJ.

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REsp 2182775