DESVIO FRAUDULENTO DE CLIENTELA
TJ-RS condena empresa catarinense que usurpou marca de erva-mate gaúcha 

Por Jomar Martins (jomar@painelderiscos.com.br)

O uso não autorizado de marca registrada por concorrente gera prejuízos de ordem material e moral, assim como afeta a imagem e o nome comercial da empresa que detém o direito marcário perante os clientes. Com esse fundamento, a 6ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (TJ-RS) condenou  uma fabricante de erva-mate de Santa Catarina a indenizar uma ervateira gaúcha, que registrou primeiro a marca ‘‘Carijo’’ no Instituto Nacional de Propriedade Industrial (Inpi).

‘‘Em que pese a diferença na acentuação do nome da marca do autor e do réu (Carijo e Carijó), resta clara a confusão que os produtos idênticos (Erva-Mate), com nomes praticamente iguais, causam no consumidor, o que caracteriza a violação do direito assegurado ao detentor do registro validamente expedido, de uso exclusivo da marca em território nacional’’, registrou o acórdão.

Para a relatora das apelações na Corte, desembargadora Eliziana Silveira Perez, a ervateira gaúcha tem direito ao pagamento de danos materiais e lucros cessantes – ambos serão apurados em sede de liquidação de sentença por arbitramento. A julgadora, no entanto, achou exacerbado o valor de R$ 100 mil arbitrado no primeiro grau para compensar os danos morais da empresa gaúcha, reduzindo-o para R$ 15 mil.

Derrotada, a ré ainda tentou levar o caso para rediscussão no Superior Tribunal de Justiça (STJ), mas a 3ª Vice-Presidência do TJ-RS inadmitiu o recurso especial (REsp), pondo fim à controvérsia.

Aliás, segundo a jurisprudência do STJ, a finalidade da proteção ao uso da marca – garantida pelo disposto no artigo 5º, inciso XXIX, da Constituição e regulamentada pelo artigo 129 da Lei de Propriedade Industrial – é dupla: por um lado, protegê-la contra usurpação, proveito econômico parasitário e o desvio desleal de clientela alheia; e, por outro, evitar que o consumidor seja confundido quanto à procedência do produto (artigo 4º, inciso VI, do Código de Defesa do Consumidor).

Ação indenizatória

A microempresa Ailton Silva de Vargas, sediada em Sarandi (RS), ajuizou ação de abstenção de uso de marca cumulada com pedido de indenização por perdas e danos, incluindo danos emergentes, lucros cessantes e danos morais, contra Sementes Crestani Ltda, de Palma Sola (SC). Em síntese, reclamou da usurpação da marca ‘‘Carijo’’, que identifica a sua produção de erva-mate. Disse que adquiriu a marca da empresa De Carli & Cia Ltda, em 2007, passando, desde então, a comercializar o produto ‘‘Erva Mate Carijo’’. O registro marcário no Inpi, de número 817565272, data de dezembro de 1995.

Citada pela 3ª Vara Judicial da Comarca de Palmeira das Missões, a fabricante da ‘‘Erva-Mate Carijó’’ apresentou contestação. De relevante, sustentou que, em 2007, a autora não produzia mais erva-mate, embora mantivesse a sua marca. Além disso, a autora teria entrado pedido perante o INPI para renovar o período de concessão para o uso da marca ‘‘Carijo’’ por mais de 10 anos – o que não havia ocorrido até o ajuizamento da ação. Nesta linha, argumentou que a dificuldade enfrentada para conseguir a renovação do uso da marca está na comprovação de efetivo uso desta durante os últimos 12 meses.

A ré afirmou, por fim, que as marcas ‘‘Carijo’’ e ‘‘Carijó’’ conviveram no mercado brasileiro por mais de 20 anos, sem nenhum atrito ou problema comercial.  Tanto que a marca ‘‘Carijó’’ é bastante conhecida nos estados de Santa Catarina, Paraná, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Rondônia e Pará.

Sentença procedente

A juíza Andréia dos Santos Rossatto, em sentença proferida em 17 de junho de 2019, julgou parcialmente procedente a ação indenizatória. Condenou a Sementes Crestani a se abster de utilizar a expressão “Carijó” em todas e quaisquer manifestações, inclusive na internet, quer como nome fantasia, título de estabelecimento, marca, atendimento de chamadas telefônicas, sites de anúncio e listas de serviços online; e a pagar à autora, a título de danos morais, R$ 100 mil. Os pedidos indenizatórios por perdas e danos e lucros cessantes, no entanto, foram negados.

Ao fundamentar a sua decisão na sentença, a juíza observou que a marca ‘‘Carijo’’ foi registrada no Inpi em 1995, com prazo de validade até 26 de dezembro de 2025. Além disso, a própria ré confessou o uso da marca ‘‘Carijó’’ por mais de 20 anos. Ou seja, do que veio aos autos, foi possível concluir que a ré, efetivamente, fez uso de marca de uso exclusivo da autora, usurpando direito alheio.

‘‘Não há como se olvidar a confusão causada no consumidor com a comercialização de produto da mesma espécie com nome inegavelmente semelhante. Aliás, além da grafia, foneticamente, a título exemplificativo, caso algum consumidor fosse a um estabelecimento comercial e pedisse 1kg de Erva Mate ‘‘Carijo’’, a pronúncia seria praticamente a mesma’’, deduziu na sentença.

Para a julgadora, a ocorrência de imitação passível de levar à confusão entre marcas viola o artigo 124, inciso XIX, da Lei de Propriedade Industrial (LPI, Lei 9.279/96). Com isso, dá ensejo à proibição imediata de comercialização do produto que acarrete tal situação, nos termos do artigo 209, parágrafo 1º e 2º do mesmo diploma legal. Ademais, o simples uso indevido da marca configura o ato ilícito, gerando, por si só, o dever de indenizar .

Em agregação aos fundamentos, a magistrada ainda citou o desfecho do julgamento da apelação cível 70076224591, pela 6ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça, em 22 de fevereiro de 2018. Naquela sessão, o desembargador-relator Niwton Carpes da Silva decidiu que ‘‘a colidência de marcas deve ser aferida não só em virtude da similaridade gráfica e fonética, como também da natureza idêntica ou afim dos produtos e serviços que elas visam distinguir’’.

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Processo 020/1.15.0001994-7 (Palmeira das Missões/RS)

Jomar Martins é editor da revista eletrônica PAINEL DE RISCOS