DELITO DE TERCEIRO
Locadora não perde veículo apreendido em contrabando ou descaminho, decide TRF-4

Por Jomar Martins (jomar@painelderiscos.com.br)

Os delitos de contrabando (importar/exportar mercadoria proibida por lei) e descaminho (introdução/saída de mercadoria sem o pagamento de impostos) somente justificam a aplicação da pena de perdimento ao veículo transportador quando restar demonstrada a responsabilidade do seu proprietário na prática da conduta ilícita.

O fundamento é da 1ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4) e serviu para afastar a pena de perdimento de um veículo da Localiza Rent a Car imposta pela União após sua apreensão em Foz do Iguaçu (PR), na tríplice fronteira.

O veículo, um Voyage ano 2018, foi apreendido durante o transporte de telefones celulares, relógios, brinquedos e outros produtos de procedência estrangeira, desacompanhados de documentação comprobatória de sua regular importação. As mercadorias foram avaliadas em R$ 78,8 mil.

Localiza assumiu os riscos, entendeu o juízo de primeiro grau

Na ação ajuizada para desconstituir o auto-de-infração que determinou o perdimento do veículo, a parte autora alegou que é apenas uma prestadora de serviços de locação, que não se beneficiou e nem auxiliou a prática do ilícito pelo motorista autuado pela polícia. Sustentou que inexiste nexo causal entre a conduta e o resultado lesivo ao erário federal.

O juízo da 1ª Vara Federal de Foz do Iguaçu, no entanto, guiando-se pelo depoimento do delegado da Receita Federal na aduana, entendeu que a Localiza concorreu para a prática do delito de descaminho. É que a empresa forneceu o veículo empregado no transporte clandestino de mercadorias estrangeiras sem adotar cuidados mínimos antes de cedê-lo. Afinal, segundo o depoimento do servidor, o cadastro da locadora mostrou insuficiência de dados sobre o locador, sem o registro sobre o seu logradouro laboral, endereço ou telefone comercial. Em síntese, ao não atuar com a diligência esperada para o trabalho que desenvolve, a autora assumiu riscos desnecessários.

‘‘Assim, restando demonstrado que tanto o locatário/passageiro, quanto o motorista e o outro passageiro do veículo já possuíam outras autuações ligadas ao contrabando e descaminho de mercadorias, na pior das hipóteses, a empresa autora incorreu em culpa in vigilando (sem vigiar corretamente a contratação do serviço de locação) e in eligendo (má escolha do locatário); ou seja, não cuidou devidamente do bem de sua propriedade e escolheu errado a pessoa para dirigir o seu veículo’’, concluiu, na sentença de improcedência, o juiz federal Gabriel Urbanavicius Marques.

Localiza não se envolveu no ilícito, rebateu o TRF-4

O relator da apelação na 1ª Turma, desembargador Leandro Paulsen, reformou a sentença, determinando, por consequência, a liberação do veículo. A seu ver, o caso concreto evidencia que não houve envolvimento direto da locadora na concretização do ilícito. É que o delito foi cometido por terceiro, locatário do automóvel junto à recorrente.

Para Paulsen, não se pode falar em culpa da demandante – seja in eligendo ou in vigilando –, já que a empresa locadora de veículos de passeio não possui responsabilidade sobre a conduta do locatário, especialmente quando adotou as medidas de cautela possíveis no ato de locação. Nem a reincidência do locatário permite que se obrigue a locadora consultar o  sistema COMPROT antes de concretizar uma locação, tendo em vista que tal providência não se insere dentre os procedimentos recomendados pelas entidades que congregam locadoras de veículos.

Conforme o relator, o contrato de aluguel do veículo não reúne indícios de irregularidade, pois traz documentação e endereço atualizados do locatário, bem como suas referências pessoal e comercial. A ausência de informação quanto à profissão ou endereço profissional do consumidor, destacou o magistrado, não basta à demonstração de eventual inidoneidade no agir da locadora.

‘‘Presente, portanto, a boa-fé da proprietária do veículo, razão pela qual resta desautorizada sua penalização pelo cometimento do ilícito fiscal, devendo ser afastada a sanção de perdimento imposta ao bem apreendido’’, definiu no acórdão.

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Processo 5013786-22.2020.4.04.7002/PR

 

Jomar Martins é editor da revista eletrônica PAINEL DE RISCOS