PROPRIEDADE INTELECTUAL
Receitas culinárias não gozam de direito autoral nem marcário, decide Tribunal de Justiça de São Paulo

Por Jomar Martins (jomar@painelderiscos.com.br)

Foto: Site Dona Martha Velez

A identidade de ingredientes utilizados no preparo de um doce, sem qualquer inovação ou especificidade, não autoriza a sua proteção legal contra a concorrência. É que, à vista do artigo 8º da Lei dos Direitos Autorais (Lei 9.610/98), as receitas culinárias não podem ser registradas.

Neste passo, a 2ª Câmara Reservada de Direito Empresarial do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP) negou apelação a uma tradicional empresa fabricante de amendoim caramelizado, que acusou uma ex-terceirizada de copiar o seu produto e avançar sobre sua clientela. As Câmaras, aliás, têm decidido no sentido de que não se aplica a proteção marcária a receitas culinárias.

Após analisar as provas e as alegações recursais, o colegiado acabou confirmando a sentença de improcedência. Os desembargadores entenderam que, além da impossibilidade de registro intelectual da receita culinária, os produtos da empresa ré na ação indenizatória não apresentam qualquer semelhança com a embalagem do produto da parte autora – além de ostentarem outra marca.

Marca nominativa

O relator da apelação, desembargador Sérgio Shimura, constatou que a autora dispõe, apenas, de um ‘’registro facultativo’’ exclusivamente para fins de mera conservação, nos termos do artigo 127, inciso VII, da Lei dos Registros Públicos. A seu ver, tal registro não gera ‘‘publicidade nem efeito em relação a terceiro’’. Ou seja, a apelante detém apenas o registro da marca nominativa ‘‘Doces Dona Martha Velez’’, e não de patente de invenção da receita culinária de ‘‘amendoim caramelado com gergelim’’. Muito menos de registro da fórmula como direito autoral.

Desembargador Sérgio Shimura foi o relator
Foto: Imprensa PUC-Campinas

‘‘Logo, sob qualquer prisma que se analise, as provas dos autos não permitem concluir que a ré tenha incorrido na prática de concorrência desleal ou violado direitos de propriedade industrial da autora, de modo que de rigor a improcedência da ação’’, decretou o desembargador-relator.

Ação indenizatória

Doces Dona Martha Velez Ltda. ajuizou ação indenizatória contra Fernanda Karla Vieira Laranja ME (Doces D’Família), visando compeli-la a se abster de produzir ‘‘amendoim caramelado com gergelim’’, uma vez que estaria copiando a mesma receita, praticando concorrência desleal. Afinal, detém exclusividade sobre a receita do produto, uma vez que sua fórmula se encontra devidamente registrada e tem proteção no ordenamento jurídico.

A autora informou ter terceirizado à parte ré a fabricação dos ‘‘amendoins caramelados com gergelim’’. Disse que, após o fim do vínculo contratual, a ré passou a produzir os mesmos produtos, utilizando a mesma receita e fórmula de produção, com idêntico modelo de embalagens – inclusive, com informações nutricionais idênticas às dos produtos Dona Martha.

Além disso, apontou, a ré passou a oferecer o produto com preço e qualidade inferiores à clientela, prejudicando as suas vendas, causando confusão entre os consumidores.

Em contestação, a ré alegou que não utiliza imagens, signos, cores ou forma escrita que violem a marca da parte autora. Em relação à receita ou modo de preparo, garantiu que se trata de receita simples, sem qualquer inovação tecnológica que mereça a proteção de propriedade industrial. Por fim, lembrou que o registro apresentado não se presta a embasar a sua pretensão, visto que é facultativo, sem qualquer produção de efeitos jurídicos perante terceiros.

Sentença improcedente

A 7ª Vara Cível da Comarca de São José do Rio Preto (SP) julgou a ação improcedente. Para o juízo daquela comarca, não houve prática de concorrência desleal nem violação à Lei de Propriedade Industrial (LPI).

Ojuiz Sandro Nogueira de Barros Leite afirmou que a declaração no Oficial de Registro de Títulos e Documentos não garante qualquer direito à parte autora no tocante à exclusividade de sua receita. Primeiro, porque não registrada pelo órgão competente; segundo, porque a lei que trata da proteção à propriedade industrial [Lei 9.279/96] lista uma série de atos e de situações que não configuram invenção. Nesse rol não se encontra expressamente a receita culinária.

Clique aqui para ler o acórdão

Apelação 1028061-71.2020.8.26.0576

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