TERRAS DA UNIÃO
TRF-2 rescinde sentença de 1985 que concedeu usucapião em ilha de Paraty, no Rio de Janeiro

Ilha de Paraty, RJ
Foto: Agência Brasil

Acompanhando o voto do desembargador-relator Ricardo Perlingeiro, a 3ª Seção do Tribunal Regional Federal da 2ª Região (TRF-2, que cobre Rio de Janeiro e Espírito Santo) rescindiu sentença da Justiça Federal de Angra dos Reis que, em 1985, concedeu usucapião a duas famílias sobre uma área de 68,2 mil metros quadrados na Ilha do Araújo, em Paraty, no litoral sul fluminense.

A decisão do colegiado, que uniformiza a jurisprudência em quatro turmas que julgam matéria administrativa, foi unânime.

Bens da união

A ação rescisória foi proposta pela União em 2014 e, inicialmente, negada pelo TRF-2, por maioria. O Governo Federal, então, recorreu com base em voto divergente proferido no julgamento, obtendo a vitória na 3ª Seção Especializada.

Nos argumentos recursais, a União afirmou ter havido violação ao artigo da Constituição Federal de 1967, que incluiu as ilhas oceânicas como bens da União, por meio da Emenda Constitucional nº 1, de 1969.

Posse mansa e pacífica desde 1876

O pedido de usucapião foi ajuizado em 1974, sob a alegação de que os autores da ação de usucapião  estariam na linha sucessória da posse mansa e pacífica das terras desde 1876; ou seja, desde a época do Império. Com isso, a defesa sustentou que o direito ao título teria se constituído antes da vigência da Constituição de 1967 e da Emenda nº 1/1969.

Além disso, os advogados sustentaram que o Decreto-Lei nº 9.760, de 1946, já excluiria da propriedade da União ‘‘as ilhas situadas nos mares territoriais que, por qualquer título legítimo, pertencessem aos estados, municípios ou particulares’’.

Foto: Suzana Camargo, site Conexão Planeta

Constituição de 1891 não reconhecia terras particulares na ilha

O desembargador-relator que proferiu o voto condutor na 3ª Seção Especializada rebateu, no entanto, os argumentos da defesa dos autores. Ricardo Perlingeiro lembrou que a primeira Constituição da República, de 1891, já tratava das terras públicas, não reconhecendo a possibilidade de propriedade particular de ilhas no mar territorial ou não.

‘‘Logo, em período anterior ao advento do Decreto-Lei nº 9.760 de 5/9/1946, os diplomas constitucionais e legais já conferiam especial proteção aos bens de domínio público, inclusive no que tange à propriedade das ilhas marítimas, disciplinando que, além da União, somente estados e municípios poderiam ser proprietários de ilhas marítimas’’, explicou Ricardo Perlingeiro.

Sem comprovação da cadeia de títulos de terras

O magistrado também destacou que não ficou comprovada nos autos a cadeia de títulos legítimos de registro das terras em disputa, desde a transferência do bem público à posse do particular, como exigiria o Decreto-Lei de 1946.

Desembargador Ricardo Perlingeiro foi o relator
Foto: Imprensa TRF-2

No voto, o desembargador federal Ricardo Perlingeiro desenvolveu seu entendimento sobre o caso traçando um histórico das normas legais que disciplinam o direito sobre as chamadas terras devolutas, ou seja, as terras públicas sem destinação, desde a edição da Lei nº 601, de 1850, a primeira a regulamentar a matéria.

De acordo com a lei da época do Império, as aquisições de terras poderiam ser efetuadas apenas por compra, revalidação de sesmarias [lotes distribuídos no período colonial pelo rei de Portugal] ou por concessão da Coroa. Com a Proclamação da República, essas terras passaram ao domínio público, excluídas aquelas que já pertenciam a particulares.

Como preceito constitucional, a impossibilidade de os terrenos insulares se tornarem propriedade particular foi estabelecida na primeira carta da República, de 1891. Em 1932, o Decreto nº 22.250 reconheceu também o domínio público das ilhas marítimas, situação ratificada em 1938, pelo Decreto-Lei nº 710.

Diversas leis garantiram o domínio da União

Na sequência, o Decreto-Lei nº 9.760/1946 preservou o domínio da União sobre as ilhas, embora excluindo as áreas que, por título legítimo, pertençam a estados, municípios e particulares. Esse reconhecimento foi confirmado na Constituição de 1967, por meio da Emenda nº 1, de 1969.

A mesma disposição foi mantida na Constituição de 1988, que, no artigo 20, inciso IV (quatro), estabelece como bens da União ‘‘as ilhas fluviais e lacustres nas zonas limítrofes com outros países; as praias marítimas; as ilhas oceânicas e as costeiras, excluídas, destas, as que contenham a sede de municípios, exceto aquelas áreas afetadas ao serviço público e a unidade ambiental federal’’.

Outra ressalva está estabelecida no artigo 26, inciso II, que atribui aos estados a propriedade das ‘‘áreas, nas ilhas oceânicas e costeiras, que estiverem no seu domínio, excluídas aquelas sob domínio da União, municípios ou terceiros’’. (Com informações da assessoria de imprensa do TRF-2)

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0004338-34.2014.4.02.0000 (Rio de Janeiro)