VENDAS DISSIMULADAS
Empresário condenado por sonegar ICMS em Caxias do Sul tem a punibilidade extinta

Por Jomar Martins (jomar@painelderiscos.com.br)

Sede do Tribunal de Justiça em Porto Alegre
Foto: Banco de Imagens do TJRS

Inserir elementos inexatos em notas fiscais de venda ou omitir operação de qualquer natureza, fraudando a fiscalização do ICMS, atenta contra o artigo 1º, inciso II, da Lei 8.137/90, que define os crimes contra a ordem tributária.

Por constatar a violação deste dispositivo, a 4ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (TJRS) manteve parte da sentença que condenou um empresário de Caxias do Sul, mas, por outro lado, absolveu o seu sócio. Ambos foram denunciados por ‘‘transformar’’ operações de venda em operações de conserto de rodas, no intuito de possibilitar o recolhimento diferido de ICMS. A sonegação, em valores nominais, ultrapassou a casa dos R$ 500 mil.

A relatora da apelação, desembargadora Gisele Anne Vieira de Azambuja, disse que a materialização do delito restou demonstrada nos autos, mas a autoria ficou restrita ao denunciado Nelson Giovencio Martins, que cuidava da administração do negócio e autorizava contabilmente as ‘‘operações dissimuladas’’ – ele confessou ter conhecimentos dos atos ilícitos. Em outras palavras, ele gerenciava as transações comerciais.

Desa. Gisele Anne de Azambuja foi a relatora
Foto: Imprensa TRE-RS

Já o corréu Neri Carlos Martins da Silva, que cuidava da parte industrial do negócio, foi inocentado com base no princípio in dubio pro reo. É que, apesar de sócio, não ficou provado que tivesse ciência da ‘‘dissimulação’’. Ademais, ficou claro no processo que ele se dedicava apenas ao ‘‘chão de fábrica’’, sem nenhuma ingerência nos fatos que culminaram com a denúncia.

Apesar da condenação – reduzida para dois anos de reclusão em sede de apelação –, Nelson não irá cumprir pena, já que esta restou extinta pela prescrição da pretensão punitiva, nos termos do artigo 107, inciso IV, do Código Penal (CP). Noutras palavras, o estado perdeu o direito de puni-lo porque o passou o prazo que tinha para fazê-lo cumprir a pena a que foi condenado.

‘‘Isso porque o acusado Nelson contava com mais de 70 (setenta) anos na data da sentença. Assim, o prazo prescricional cai pela metade, consoante artigo 115 do Estatuto Repressivo [Código Penal]. E, sendo a pena concretizada em 02 (dois) anos, o prazo prescricional é de 04 (quatro) anos. Portanto, tendo sido reduzido pela metade, foi transcorrido por inteiro entre o recebimento da denúncia (29.08.2017) e a publicação presumida da sentença (19.10.2020). Diante disso, é de rigor o reconhecimento da extinção da punibilidade do acusado’’, cravou o acórdão a desembargadora-relatora.

A denúncia do MP

O Ministério Público do Rio Grande do Sul (MPRS) ofereceu denúncia contra os empresários do ramo de autopeças Nelson Giovencio Martins e Neri Carlos Martins da Silva, sócios da TMW Metalúrgica Ltda, de Caxias do Sul, por suprimir e reduzir o recolhimento do Imposto sobre Circulação de Mercadorias (ICMS), fraudando a fiscalização tributária estadual.

Ambos, segundo a inicial acusatória, inseriam elementos inexatos/falsos nas notas fiscais (NFs), mediante expediente criminoso denominado ‘‘dissimulação’’. Na prática, os denunciados ‘‘mascaravam’’ a venda de rodas novas como se fosse operação de conserto ou industrialização intermediaria para outras empresas.

A fraude era possível em razão da natureza da operação, já que possibilitava a postergação do recolhimento de ICMS, nos termos do Decreto-Lei  37.699/97. Isso porque, caso não efetuada a ‘‘dissimulação’’, haveria tributação de débito próprio de ICMS, cuja responsabilidade, à época, era da empresa dos acusados. Ou seja, em razão do diferimento do imposto para a etapa posterior, não ocorria o pagamento do ICMS correspondente.

Por esse artifício, as operações de remessa de mercadorias originavam, hipoteticamente, as ‘‘devoluções’’ das rodas. Estas, na verdade, eram fabricadas pela empresa TMW Metalúrgica Ltda (nome fantasia ‘Rodas Schock’’) e vendidas às empresas Rodas Sul Comércio e Distribuição de Rodas e Pneus Ltda e Pampeana Comércio e Distribuição de Rodas e Pneus Ltda, dissimulando a operação como sendo uma devolução. Havia claro intuito de suprimir qualquer imposto incidente na comercialização dos produtos.

Tais práticas ficaram demonstradas e registradas em e-mails dirigidos à clientela. Uma das funcionárias da TMW indicava preços diferenciados para rodas, caso a transação se desse ‘‘sem sucata’’ ou ‘‘com sucata’’, consignando expressamente em quase todos eles que as transações ‘‘com sucata’’ eram ‘‘sem IPI e sem substituição tributária’’, e que as ‘‘sem sucata’’ tinham ‘‘+5% de IPI + substituição tributária’’.

Os fatos delituosos – mais 300 operações de vendas dissimuladas – ocorreram no período compreendido entre 22 de março de 2007 a 13 de fevereiro de 2009. Os sócios foram incursos nas sanções do artigo 1º, inciso II, combinado com o artigo 11, ambos da Lei 8.137/90 (define os crimes contra a ordem tributária), na forma do artigo 71, caput, do Código Penal (CP). Noutras palavras, foram denunciados por usar a sua empresa, continuadamente, para inserir elementos inexatos em documentos fiscais, fraudando a fiscalização tributária.

Sentença condenatória

A 4ª Vara Criminal da Comarca de Caxias do Sul julgou parcialmente procedente a denúncia-crime. Condenou o réu Nelson Giovencio Martins a dois anos e oito meses de reclusão e ao pagamento de 50 dias-multa, no valor equivalente a um terço do salário mínimo. E o réu Neri Carlos Martins da Silva a três anos de reclusão e ao pagamento de 60 dias-multa.

Como os réus eram primários à época da prolação da sentença, a pena privativa de liberdade foi substituída por duas restritivas de direito, consistentes, para cada um deles, em: prestação de serviços à comunidade, em uma hora por dia de condenação; e pagamento de prestação pecuniária no valor de 15 vezes o salário mínimo, corrigido monetariamente, recolhida à conta das penas alternativas da Comarca.

‘‘Ora, ainda que se tratasse efetivamente de prestação de reparo/industrialização de rodas usadas por parte da TMW – o que aqui se admite apenas por amor ao debate –, seria faticamente impossível fazê-lo no mesmo dia ou no dia seguinte em que vultosas quantidades de rodas usadas chegavam, se é que sempre chegavam, não havendo qualquer dúvida de que se tratava de venda de rodas novas, com abatimento no preço pela sucata repassada pelo cliente’’, escreveu na sentença o juiz João Paulo Bernstein. O julgador também observou que o reparo de rodas usadas jamais foi objeto social da TMW.

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010/2.17.0011491-0 (Caxias do Sul-RS)

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