DESEMBARAÇO ADUANEIRO
Fisco pode reter mercadoria sem a quitação de direitos antidumping no registro da declaração de importação

Por Jomar Martins (jomar@painelderiscos.com.br)

A retenção de mercadorias e a exigência do recolhimento de tributos e multa ou prestação de garantia integram a operação aduaneira, como dispõe o artigo 570 do Regulamento Aduaneiro (Decreto 6.759/09). Assim, a autoridade fiscal pode vincular o despacho aduaneiro ao seu recolhimento.

Com a prevalência deste entendimento, a maioria dos integrantes da 2ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4) manteve sentença que reconheceu a legalidade da retenção de uma carga importada, por uma indústria de Santa Catarina, pela falta de recolhimento de direitos antidumping na data do registro da Declaração de Importação (DI).

O desembargador Eduardo Vandré Lema Garcia observou que o Supremo Tribunal Federal (STF), ao julgar o RE 1090591, no dia 5 de outubro de 2020, em sede de repercussão geral, assentou ser ‘‘compatível, com a Lei Maior, o condicionamento do desembaraço aduaneiro de mercadoria importada ao pagamento de diferença de tributo e multa decorrente de arbitramento implementado pela autoridade fiscal’’.

A desembargadora Maria de Fátima Freitas Labarrère – voto divergente e vencedor neste julgamento – deu parcial provimento à apelação da empresa apenas para reconhecer a inexigibilidade da multa prevista no artigo 7º, parágrafo 4º, da Lei 9.019/95 (dispõe sobre a aplicação dos direitos previstos no Acordo Antidumping e no Acordo de Subsídios e Direitos Compensatórios). É que esta aplica-se ‘‘no caso de exigência de ofício de direitos antidumping’’ – o que não ocorreu, pois o importador recolheu a multa de forma espontânea após um dia de atraso, sem qualquer prévia exigência da Receita Federal.

Mandado de segurança

Por meio de mandado de segurança (MS), a Usina Metais Ltda. pediu que o delegado da Alfândega da Receita Federal do Brasil (RFB) no Porto de São Francisco do Sul (SC) prossiga com o despacho aduaneiro de bobinas de aço, independentemente do recolhimento das multas aplicadas. A Declaração de Importação (DI), de número 22/0615539-6, foi registrada em 31 de março de 2022.

A importadora explicou que, ao tentar recolher o valor referente aos direitos antidumping, se deparou com uma falha no sistema, impossibilitando a conclusão da operação. Afirmou que a operação só foi regularizada, com o consequente recolhimento do valor, em 1º de abril de 2022 – ou seja, um dia após o registro da DI.

Entretanto, disse que foi surpreendida pela aplicação da multa, de ofício, prevista no artigo 7º, parágrafo 4º, da Lei 9.019/95; e da multa prevista no artigo 711 do Regulamento Aduaneiro (que dispõe sobre o controle e a tributação das operações de comércio exterior). Ou seja, o recolhimento destas multas estaria sendo imposto como condição para liberação das mercadorias. A conduta da Fazenda Nacional afronta os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade.

O fisco, por sua vez, sustentou que a Lei 9.019/95 prevê o recolhimento dos direitos antidumping como condição para a introdução no país de produtos objeto de dumping ou subsídio, devendo o recolhimento ocorrer antes do registro da DI. A Lei é explícita ao determinar o pagamento da multa de ofício sempre que que estes direitos forem recolhidos após o registro da DI.

Em paralelo, argumentou, o Regulamento Aduaneiro prevê a aplicação de multa de um por cento sobre o valor aduaneiro das mercadorias nos casos de prestação de informações inexatas ou incompletas sobre a carga importada. E a impetrante deixou de recolher os direitos antidumping no ato do registro da DI e não preencheu os dados da ficha antidumping nesse primeiro momento.

Por fim, o fisco pontuou que o importador não pode alegar ‘‘denúncia espontânea’’, pois a retificou a DI e recolheu os direitos antidumping no curso do desembaraço aduaneiro. Assim, esclareceu que não reteve as mercadorias. Antes, se deparou com uma ocorrência que impediu o prosseguimento do despacho aduaneiro. Bastaria o cumprimento das exigências fiscais para que ocorresse a sua liberação.

Sentença de improcedência

O juízo da 2ª Vara Federal de Joinville (SC) deferiu parcialmente a liminar, condicionando o prosseguimento do despacho aduaneiro ao depósito integral das multas exigidas – o que foi realizado. Ou seja, a liminar foi cumprida pela autoridade fiscal alfandegária, e as mercadorias entregues e desembaraçadas em 18 de abril de 2022.

Ao proferir a sentença de mérito, entretanto, o juiz federal Paulo Cristóvão de Araújo Silva Filho, denegou a segurança pleiteada. No entender do julgador, as multas foram corretamente aplicadas, sem qualquer mácula de ilegalidade. Afinal, o aspecto temporal da obrigação de pagar os direitos antidumping ocorre na data da DI, e o cumprimento da obrigação é condição para a nacionalização do produto objeto de dumping.

‘‘Como causa para o não recolhimento a tempo dos direitos antidumping, a impetrante sustenta que houve uma ‘falha involuntária’ e o ‘sistema não captou o código e o valor para débito’. Ocorre que não existe prova cabal de tal afirmação, tampouco que ela teria ocorrido por responsabilidade dos sistemas operados ou mantidos pela Receita Federal’’, ponderou.

‘‘Não cumprida a obrigação, que integra o despacho aduaneiro, a retenção da mercadoria é lícita e consequência natural da interrupção do despacho aduaneiro. Ela não é um meio indireto de exigir o pagamento de tributos ou outras obrigações aduaneiras, mas consequência necessária pelo não cumprimento de todos os deveres que cercam o despacho aduaneiro’’, concluiu o julgador.

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5006035-95.2022.4.04.7201 (Joinville-SC)

 

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