INCLUSÃO SOCIAL
Cadeirante, devedor do INSS, derruba penhora sobre veículo adaptado no TRF-4

Por Jomar Martins (jomar@painelderiscos.com.br)

À luz dos aspectos da inclusão social, da garantida da dignidade da pessoa humana e da proteção da pessoa com deficiência, a Justiça pode flexibilizar/mitigar a norma legal e reconhecer a impenhorabilidade de um automóvel.

O fundamento foi expresso pelo desembargador João Pedro Gebran Neto, integrante da 12ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4), ao manter decisão que derrubou a penhora de um Ford KA, ano 2019, pertencente a um deficiente executado pelo Instituto Nacional do Seguro Social (INSS).

Veículo adaptado

O devedor, que mora em Cambé (PR), declarou à 7ª Vara Federal de Londrina (PR) que o seu carro é adaptado para uso pessoal, por ser deficiente físico. Além do ‘‘manche’’ na barra do volante, para aceleração e freio, o veículo ainda conta com adaptação no banco (almofada).

Sustentou que, mesmo trabalhando em regime de home office, utiliza o veículo para carregar a cadeira de rodas e para deslocar-se ao médico e ao fisioterapeuta. Além disso, quando necessita, entrega a direção do veículo à esposa.

O juiz federal João Carlos Barros Roberti Júnior reconheceu, de ofício, a impenhorabilidade do veículo, por pertencer à pessoa com deficiência. Dada à indispensabilidade do veículo para a realização de várias tarefas diárias, ele entendeu que o caso se situa na esfera da proteção da dignidade humana.

Agravo de instrumento

Inconformado, o INSS interpôs agravo de instrumento no TRF-4, pleiteando a reforma do despacho. Em razões recursais, lembrou que a execução é realizada no interesse do credor, conforme o artigo 797 do Código de Processo Civil (CPC). Todos os bens do devedor devem estar ao alcance do exequente, nos termos do artigo 831 do CPC, aplicável por força do artigo 1º da Lei 6.830/80 – que dispõe sobre a cobrança judicial da dívida ativa da Fazenda Pública.

A autarquia observou que, mesmo nos casos em que o veículo esteja sendo usado para fins profissionais, a penhorabilidade é reconhecida, por ser o bem mero facilitador para o exercício da profissão do devedor, conforme entendimento assentado no Superior Tribunal de Justiça (STJ).

Des. João Pedro Gebran Neto
Foto: ACS/TRF-4

Por fim, destacou que, embora o veículo seja um facilitador para deslocamentos, não se torna imprescindível para a locomoção da parte devedora. Afinal, eventuais deslocamentos para consultas ou exames médicos podem ser feitos por meio de transporte público ou particular (táxi ou serviços de transporte como Uber e similares adaptados).

‘‘Síndrome de morquio’’

O relator do agravo no TRF-4, desembargador João Pedro Gebran Neto, explicou que a impenhorabilidade prevista no artigo 833, inciso V, do CPC, é a de instrumento de trabalho – taxista, transportador escolar ou instrutor de autoescola. Visa assegurar a continuidade da atividade laboral que provê o sustento do devedor e de sua família. Nesse caso, o veículo é essencial à vida profissional do devedor.

No caso dos autos, observou, não há notícia sobre a profissão do executado, mas sabe-se que o veículo objeto da penhora serve como meio de locomoção. Em linha de princípio, somente pela questão da acessibilidade, seria o caso de se reconhecer a penhora.

Entretanto, advertiu que deve ser pesado o fato do devedor ser cadeirante, portador da ‘‘síndrome de morquio’’ (doença genética rara e hereditária que afeta o desenvolvimento do esqueleto), que necessita de tratamento médico contínuo para suas deformidades. Além disso, o devedor já obteve, na justiça, a declaração de inexigibilidade do débito fiscal – obstando a cobrança do débito executado.

‘‘Portanto, no caso dos autos restou claro que se trata de veículo adaptado de acordo com a patologia do Agravado, restando demonstrada a inconteste utilidade do automóvel’’, decretou Gebran no acórdão, negando apelação ao INSS. O entendimento foi unânime no colegiado.

Clique aqui para ler o acórdão

Clique aqui para ler o despacho

5016718-83.2020.4.04.7001 (Londrina-PR)

 

COLABORE COM ESTE PROJETO EDITORIAL.

DOE PELA CHAVE-PIX: jomar@painelderiscos.com.br