ALIMENTAÇÃO SAUDÁVEL?
Reforma tributária afasta consumo de carne e incentiva o de açúcar

Por João Eduardo Diamantino e Beatriz Palhas Naranjo

Foto: Antônio Cruz/Agência Brasil

Instituída pelo artigo 8º da Reforma Tributária, a Cesta Básica Nacional de Alimentos foi criada sob a premissa de respeitar a ‘‘diversidade regional e cultural da alimentação do País e garantir a alimentação saudável e nutricionalmente adequada’’. Porém, o Projeto de Lei Complementar 68/2024, que regulamenta o Imposto sobre Bens e Serviços (IBS) e a Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS), indica que o governo parece ter uma interpretação muito particular sobre o que significa alimentação saudável.

Em um país onde obesidade, diabetes e hipertensão lideram a lista de doenças mais comuns, o Executivo incluiu o açúcar como um dos alimentos que serão beneficiados com a alíquota zero do IBS e CBS, substitutos do PIS/Cofins, IPI, ICMS e ISS.

Não se trata de algo novo: o refrigerante, que será sobretaxado, já teve vantagem tributária de 240% em relação ao suco integral na tributação do PIS/Cofins. O problema é que, em contraste ao benefício total dado ao açúcar, a proteína animal terá incidência de IBS e CBS, mesmo que reduzida em 60%.

Tentar entender a lógica da escolha do governo fica mais complexo quando se toma o exemplo dos ovos: embora não integre a cesta básica nacional de alimentos prevista no projeto, a alíquota incidente será zero. Hoje, as carnes compõem a cesta básica, o que garante isenção de PIS/Cofins e tratamento diferenciado na cobrança do ICMS.

Com a recente proposta de regulamentação, a proteína animal sai da cesta básica, mas o açúcar fica. Parece confuso e não faz sentido e é tudo isso ao mesmo tempo. Vale lembrar que o tributo vai muito além da sua função fiscal (arrecadação). Assim, há também um problema de técnica – e aqui é preciso falar sobre a parafiscalidade e extrafiscalidade. A parafiscalidade permite que os recursos oriundos da arrecadação tributária sejam alocados em entidades ou atividades de interesse público, mas não administradas pelo governo – como os pedágios ou as taxas de entidades de classe.

Já a extrafiscalidade serve para estimular ou desestimular um comportamento através da tributação, passando a ser um mecanismo para dirigir o meio social ou econômico – um exemplo são os altos impostos que incidem sobre o cigarro. Esse aspecto foi deixado de lado.

Ao zerar a alíquota, a previsão do consumo tende a crescer. Afinal, se trata de um incentivo, contradizendo a própria política de rotulagem de alimentos, que alerta consumidores sobre o alto teor de açúcar na composição – e o Brasil é o quarto maior consumidor global desse tipo de produto. Em um cenário que as proteínas animais poderiam não ser tributadas, seria exagero esperar que o governo usasse a função extrafiscal para estimular uma alimentação saudável e democratizar o acesso aos alimentos?

Passada a inobservância da extrafiscalidade, há ainda a questão nutricional. Uma refeição deve ser dividida em três grandes grupos: carboidratos, gorduras e proteínas. Os dois primeiros estão presentes na grande maioria dos 15 alimentos isentos do projeto. Mas a proteína animal é base de uma alimentação saudável e parte da tradição culinária brasileira. Só falta entrar na cesta básica.

Olhando para toda cadeia produtiva, a legislação vigente também oferece tratamentos diferenciados para empresas do agronegócio. Como exemplo, parte dos insumos utilizados na atividade agropecuária também são isentos de tributação. Como consequência, os alimentos (inclusive a carne) acabam, hoje, tendo um valor menor em função da redução dos custos tributários.

Mas o PLC 68/2024 também propõe a tributação desses insumos, e, mesmo que a tributação do CBS e do IBS seja reduzida em 60% para as carnes, a incidência tributária sobre a cadeia produtiva se refletirá no preço dos alimentos.

As opções do governo deixam evidente uma preferência pelo consumo de itens não essenciais em detrimento de alimentos nutricionalmente mais indicados para uma dieta saudável. A proteína animal foi uma das estrelas da propaganda eleitoral. Mas quem esperava picanha, deve receber açúcar.

João Eduardo Diamantino e Beatriz Palhas Naranjo são sócios da área tributária no Diamantino Advogados Associados