CONTRATO ILEGAL
Empregador condenado a pagar dano moral de R$ 70 mil por empregar ‘‘vigilante’’ com idade inferior a 18 anos

Reprodução/Painel

O trabalho noturno de adolescentes é expressamente proibido pela legislação brasileira, tendo em vista a sua vulnerabilidade física e psicológica, conforme dispõe o artigo 7º, inciso XXXIII, da Constituição Federal, bem como o artigo 67 do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) e o artigo 404 da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT).

Pela violação destes dispositivos, o Juizado Especial da Infância e Adolescência (Jeia) de Ribeirão Preto (SP) condenou uma microempresa de serviços administrativos e de escritório a pagar R$ 70 mil de danos morais a um trabalhador com idade inferior a 18 anos, contratado sem vínculo para atuar como vigilante.

O trabalhador acabou desligado, sem receber as verbas rescisórias, horas extras nem o seu saldo salarial no valor de R$ 1.500,00, depois de um assalto na empresa em que foi vítima de ladrões que o mantiveram com as mãos amarradas.

A sentença proferida pela coordenadora do Jeia local, juíza do trabalho substituta Marcia Cristina Sampaio Mendes, também determinou, entre outros, o registro em carteira do contrato de emprego na função de vigia e o pagamento das verbas, horas extras e indenizações.

A empresa não compareceu à audiência nem apresentou defesa. Segundo constou dos autos, por informações do trabalhador, o contrato teve início em 13 de fevereiro de 2023, quando, ainda com menos de 18 anos, deveria prestar serviços como vigilante, sem, porém, a paga do adicional correspondente.

Nesse período todo, ele trabalhava das 19h às 7h, com quinze minutos de intervalo em dois dias e sem intervalo nos demais dias da semana, em esquema compensatório de 12 x 36. Foi imotivadamente dispensado em 20 de dezembro de 2023, sem nenhuma formalização desse contrato na CTPS.

Sendo revel e confessa a empresa, o juízo presumiu como parcialmente verdadeiros os fatos narrados pelo trabalhador, que apresentou nos autos documentação que comprova conversas em aplicativos de mensagens eletrônicas – WhatsApp, entre ele e seu ‘‘patrão’’, com áudios de cobrança de pagamentos, comprovantes de pagamento com o nome da empresa, do ‘‘patrão’’ e de sua esposa (proprietária), bem como vídeos. Nesse sentido, o juízo reconheceu a existência de vínculo empregatício entre o jovem e a empresa no período alegado.

Com aplicação do Protocolo de Julgamento com Perspectiva na Infância e do Adolescente e o princípio da condição peculiar de pessoa em desenvolvimento, a juíza Marcia Cristina Mendes determinou a anotação da função do trabalhador não como vigilante mas vigia, considerando que a Lei 7.102/1983, que dispõe sobre a segurança para estabelecimentos financeiros e outros, e que regula o exercício da profissão de vigilante, exige, em seu artigo 16, inciso IV, que ‘‘o profissional tenha, no mínimo, 21 anos de idade para exercer a função de vigilante’’,  e que ‘‘o vigilante seja devidamente treinado e habilitado em curso de formação específico, além de estar em pleno gozo dos direitos civis e políticos, o que também impõe limitações a menores de idade’’.

A sentença ressaltou também que, pelo Estatuto da Criança e do Adolescente, ‘‘o trabalho da pessoa com idade inferior a 18 anos é restrito às atividades que não exponham o trabalhador a riscos à sua integridade física, psicológica ou moral’’. Nesse sentido, ‘‘um empregado menor não pode, em hipótese alguma, ser enquadrado como vigilante armado, uma vez que não atende aos requisitos de idade mínima e encontra-se protegido pelas normas que proíbem o exercício de atividades perigosas’’, concluiu.

O juízo concordou com a alegação do trabalhador de ter sido vítima de danos morais, tanto pela manutenção de um contrato de trabalho de forma clandestina pelo período de 10 meses, encerrado também de forma irregular, sem o devido registro e sem o pagamento até do salário, quanto pelo roubo ocorrido enquanto trabalhava para a empresa.

Segundo ressaltou a sentença, ‘‘o labor de menores em atividades perigosas, como aquelas exercidas no período noturno e em locais com alto risco de violência, como no caso de um assalto, representa não apenas uma violação às normas de proteção ao trabalho infantil, mas também um atentado à integridade física e psicológica do adolescente’’.

‘‘O fato de o adolescente ter efetivamente sido vítima de um assalto durante o exercício de suas funções agrava ainda mais a responsabilidade do empregador, que falhou em garantir um ambiente de trabalho seguro e adequado, conforme exigido pela legislação’’, salientou o juízo, que concluiu pela condenação da empresa em R$ 70 mil, uma vez que ‘‘tais circunstâncias não só geram prejuízos materiais, mas também danos morais de grande magnitude, dada a potencial violação à dignidade, ao equilíbrio emocional e ao desenvolvimento saudável do adolescente’’.

Da sentença, cabe recurso ordinário ao Tribunal Regional do Trabalho da 15ª Região (TRT-15, Campinas/SP). Redação Painel de Riscos com informações da Comunicação Social do TRT-15.

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ATOrd 0011169-73.2024.5.15.0042 (Ribeirão Preto-SP)