PROTEÇÃO DA INTIMIDADE
Atestado médico não precisa ter código da doença para ser válido, diz TRT-SC

Reprodução TRT-SC/FreePik

A exigência de apresentação de atestado médico com indicação da Classificação Internacional de Doenças (CID) ao empregador viola as garantias constitucionais fundamentais da inviolabilidade da intimidade, vida privada, honra e imagem, conforme o inciso X do artigo 5º da Constituição. Logo, esta exigência em norma coletiva de trabalho é inválida.

A decisão é da 2ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho da 12ª Região (TRT-4, Santa Catarina), em ação na qual um vigilante da Orsegups Segurança e Vigilância Ltda. questionou os descontos realizados em seu salário, após apresentar atestados médicos sem o CID para justificar faltas ao trabalho. A empregadora não reconheceu os documentos como válidos e considerou as ausências como injustificadas.

O caso concreto

O processo teve origem na Vara do Trabalho (VT) de Timbó, em abril deste ano. Entre os pedidos, estava o ressarcimento do desconto salarial pela ausência da CID no atestado, realizado com base em norma coletiva da categoria – uma das cláusulas exige a indicação do código. O empregado também requereu indenização por danos morais.

O empregado argumentou pela invalidade da cláusula por ferir os direitos constitucionais à intimidade e à privacidade. De acordo com o autor, a exigência da CID ‘‘obriga o trabalhador a divulgar informações acerca de seu estado de saúde, sempre que exercer o seu direito de justificar a ausência no trabalho, por motivo de doença comprovada’’.

Primeiro grau

Entretanto, o juízo de primeiro grau da Justiça do Trabalho absolveu a empresa, considerando uma decisão semelhante proferida em 2014 pelo Tribunal Superior do Trabalho (TST). Na ocasião, o Ministério Público do Trabalho de Santa Catarina (MPT/SC) tentou anular, sem sucesso, cláusula com o mesmo teor inserida em convenção coletiva firmada pelas mesmas entidades sindicais.

Na sentença, o juízo da VT de Timbó fundamentou que a necessidade de haver a indicação do tipo da doença é justamente para saber se ela inviabiliza o trabalho do empregado, inexistindo, segundo a decisão, violação constitucional em relação a isso.

Com base na Reforma Trabalhista (Lei 13.467/2027), o juízo observou também que o direito à intimidade, em sentido amplo, não está no rol de direitos que não podem ser negociados em convenção ou acordo coletivo de trabalho (Artigo 611-B).

Desembargador Roberto Basilone Leite
Foto: Secom/TRT-SC

Segundo grau

Não satisfeito com a sentença, o trabalhador recorreu ao tribunal por meio de recurso ordinário trabalhista (ROT) – que acabou distribuído para a 2ª Turma. O colegiado decidiu em favor do trabalhador quanto à restituição dos valores descontados, porém negou a indenização por danos morais, mantendo, neste ponto, o entendimento do primeiro grau.

O desembargador Roberto Basilone Leite, relator do recurso, retomou a análise realizada pela desembargadora Mirna Bertoldi em processo com tema similar, julgado pelo TRT-SC em 2021. Também salientou que houve uma mudança na jurisprudência da Seção Especializada em Dissídios Coletivos (SDC) do TST, em 2019 e 2020, que dispensou a CID no atestado.

Ainda de acordo com o relator, não cabe assumir que a intimidade do trabalhador seja protegida por simples dever de sigilo do empregador, uma vez que já seria direito do próprio empregado que a empresa não tenha conhecimento da doença que o acomete. ‘‘Dessa forma, não há como reconhecer a validade de previsão normativa que exige a informação de CID em atestados médicos, porquanto tal exigência ofende direitos indisponíveis’’, afirmou.

Basilone Leite observou, ainda, que a cláusula em discussão não prevê falta injustificada na ausência do apontamento da CID, nem que o salário teria que ser descontado. ‘‘A norma é clara e precisa ao tratar da consequência para o descumprimento da obrigatoriedade de indicação da CID estabelecida; qual seja, repete-se: a possibilidade de o INSS negar benefício previdenciário’’, explicou.

Relativo ao dano moral, o desembargador julgou que não foi comprovada violação à intimidade, à vida privada, à honra ou à imagem do vigilante, já que sua doença não foi revelada. Com informações de Camila Collato, da Secretaria de Comunicação Social (Secom) do TRT-12.

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ATOrd 0000525-59.2023.5.12.0052 (Timbó-SC)