ABUSO DE DIREITO
Hospital de Clínicas pagará dano moral por demitir funcionária com 25 anos de contrato dois dias antes da cirurgia

Por Jomar Martins (jomar@painelderiscos.com.br)

Desligar empregada acometida de doença que exige intervenção cirúrgica urgente, pelo agravamento do quadro clínico e de fortes dores abdominais, é abuso de direito do empregador, dando margem ao pagamento de danos morais.

A decisão é da 6ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região (TRT-4, Rio Grande do Sul), ao reformar sentença que julgou improcedente pedido de reparação moral feito por uma prática de laboratório demitida pelo Hospital de Clínicas de Porto Alegre (HCPA) dois dias antes da cirurgia para extração de cálculos na vesícula biliar. Ela vai receber R$ 20 mil.

A trabalhadora, que contava 25 anos de trabalho no hospital, só não conseguiu a reintegração ao seu posto porque o colegiado entendeu que não houve dispensa discriminatória – a doença não era lúpus, esclerose múltipla ou HIV, que trazem, presumidamente, estigma social ao seu portador.

Exame demissional atestou aptidão para o trabalho

Juíza Luciana  Xavier
Reprodução: Amatra IV

Após ser citado pela 7ª Vara do Trabalho de Porto Alegre, o hospital público federal negou que a reclamante estivesse incapacitada para suas tarefas no dia do ato de dispensa, como sinalizou o Atestado de Saúde Ocupacional (ASO) demissional. Afirmou que a dispensa se deu, em verdade, pelo baixo desempenho nas últimas avaliações, além de reiteradas advertências e suspensões relativas aos descumprimentos de normativas internas e de processo de trabalho.

A juíza do trabalho Luciana Caringi Xavier não viu dispensa discriminatória e julgou improcedentes os pedidos vertidos na peça inicial. A seu ver, o atestado de 12 dias, apresentado pela reclamante, se refere ao período de recuperação pós-operatório, em razão da cirurgia realizada em 17 de janeiro de 2020 no próprio hospital – pelo convênio médico vinculado ao contrato de trabalho. Logo, o documento não demonstrou incapacidade laboral prévia à dispensa – ocorrida em 15 de janeiro.

Juíza do trabalho não viu urgência na cirurgia

‘‘A autora tinha cálculos na vesícula biliar e fez a cirurgia para retirada, procedimento comum, por laparoscopia, o que, além de não ser estigmatizante, não enseja incapacidade para o trabalho, tampouco foi demonstrada urgência no procedimento. Vinha sofrendo dores de forma não contínua e realizou a cirurgia indicada para tais situações, mas sem revelar os autos qualquer urgência no procedimento’’, escreveu na sentença.

Desa. Beatriz Renck foi a relatora
Foto: Secom/TRT-4

No segundo grau, a relatora do recurso ordinário da trabalhadora na 6ª Turma do TRT-4, desembargadora Beatriz Rencke, reformou totalmente a sentença, por entender que os documentos anexados aos autos dão suporte à principal tese da autora – a de que ela foi demitida doente.

A julgadora observou que o fato de a reclamante ter comparecido ao trabalho no dia 14 de janeiro não afasta a noção de que já estivesse com desconforto físico, sendo certo que o exame ecográfico foi realizado ainda no início da tarde e o encaminhamento cirúrgico também. Embora se trate de procedimento eletivo, disse que a doença já estava presente antes mesmo do desligamento, do qual somente teve ciência a reclamante em 15 de janeiro de 2020. Ou seja, não há como conceber que a realização da cirurgia tivesse por finalidade impedir a dispensa.

Hospital não primou por preservar a saúde de sua funcionária

‘‘Destaco, ainda, que a autora fez todo o tratamento da moléstia junto ao quadro clínico do reclamado, o que importa reconhecer que este deveria ter conhecimento de seu estado de saúde, bem como da existência de procedimento cirúrgico agendado para o dia posterior àquele eleito para o desligamento da trabalhadora, o que leva à presunção de que a atitude do réu não primou por preservar a saúde física e mental da trabalhadora’’, cravou no acórdão a desembargadora-relatora.

A magistrada ainda considerou que o contrato de trabalho entre as partes perdurou por mais de 25 anos, sem qualquer intercorrência. Assim, nesse quadro, não seria razoável o desligamento da prática de laboratório sem qualquer aviso ou justificativa.

‘‘Ainda que não tenha a autora direito à estabilidade legal, ou mesmo à indenização prevista na Lei 9.029/95 – porque a doença que a acometia não se qualifica como estigmatizante –, faz ela jus à indenização por dano moral diante da angústia, dor e incerteza a que foi submetida por conta dos atos praticados pelo empregador, que abusou do direito de rescindir imotivadamente o contrato de trabalho’’, finalizou.

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ATOrd 0020302-95.2020.5.04.0007 (Porto Alegre)

 

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