BENEFÍCIOS FISCAIS
ADI sobre tributação de agrotóxicos deve desfazer mitos
Por Douglas Guilherme Filho
O senso comum repete que o Brasil é o maior consumidor de agrotóxicos do mundo. Um olhar mais cuidadoso revela, porém, que proporcionalmente à área plantada a situação é diferente: o país fica atrás de países como Holanda, Bélgica ou Suíça, segundo dados da FAO (Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura). Levando em conta o gasto com este insumo em relação à produtividade, o Brasil tem um custo inferior ao de Argentina, EUA, Espanha ou França, segundo levantamento da Unesp. Ou seja, o Brasil é mais eficiente do que seus concorrentes globais no uso de defensivos agrícolas em razão da alta produtividade.
Esse dado parece ter sido ignorado na Ação Direita de Inconstitucionalidade 5.553, ajuizada em 2016 pelo PSOL, que questiona os benefícios fiscais previstos no Convênio ICMS 100/97 do Conselho Nacional de Política Fazendária (Confaz). Dentre outras medidas, a norma concede redução de base de cálculo de 60% sobre o valor do imposto estadual nas saídas interestaduais e isenção nas operações internas na comercialização de defensivos.
O partido argumenta que os benefícios fiscais concedidos violam direitos fundamentais, tais como ao meio ambiente equilibrado, à saúde, além de contrariar o princípio da seletividade tributária. Falta reconhecer, porém, que o uso de defensivos é de fundamental importância para produção de alimentos em alta escala, mantendo as áreas agricultáveis disponíveis. Sem estes insumos, seria preciso ampliar os campos, gerando desmatamento, ou conviver com a redução na oferta e o consequente aumento dos preços.
Além da insegurança causada pela simples possibilidade de revisão de um benefício que garante comida na mesa, o julgamento está longe de ter um fim oito anos depois do ajuizamento da ADI. Isso porque, embora já conte com 6 votos favoráveis e apenas 2 contra à manutenção dos benefícios fiscais no plenário virtual, um pedido de destaque do ministro André Mendonça pode fazer com que a discussão recomece do zero.
O pedido de destaque transfere a análise do ambiente virtual para o presencial e, regimentalmente, os ministros podem alterar o entendimento previamente manifestado. Ainda que o julgamento não tenha terminado, a simples possibilidade de alteração de votos, por si só, já causa extrema apreensão e insegurança jurídica para os contribuintes.
Até aqui, três correntes se formaram sobre o tema debatido na ADI 5553. A primeira delas é a do ministro Edson Fachin, que votou pela inconstitucionalidade dos benefícios fiscais, acolhendo integralmente a tese do PSOL. A divergência foi aberta pelo ministro Gilmar Mendes, que reconheceu que a lesividade dos insumos não retira seu caráter essencial para produção de alimentos, não havendo qualquer violação ao princípio da seletividade. Por fim, a terceira, voto médio, é a tese fixada pelo ministro André Mendonça. Para ele, os benefícios fiscais não seriam ‘‘terminantemente proibidos’’, mas que sobre eles deveria haver uma graduação das alíquotas, a fim de regulá-las conforme o grau de toxicidade do produto. Em seu voto, o ministro expôs a necessidade de o Poder Público fixar um prazo de 90 dias para avaliarem a política de benefício fiscal sobre esses itens. O ministro Flávio Dino filiou-se a essa corrente, divergindo apenas em relação ao prazo a ser concedido ao Poder Público, majorando-o para 180 dias.
Além de o julgamento de mérito estar longe do fim, uma prática reiterada do STF pode causar ainda mais tormento. Isso porque, a corte tem modulado suas decisões a fim de colocar um marco temporal para início da cobrança de tributos – ou mesmo para recuperação de valores pagos, como foi feito no emblemático Tema 69, popularmente conhecida como ‘‘tese do século’’. Para esses casos, só conseguem se isentar do pagamento os contribuintes que tenham proposto medida judicial antes da análise do STF.
Não bastasse todas as incertezas, o STF ainda atendeu a um pedido do PSOL para que seja promovida uma audiência pública. Embora coloque a decisão final num futuro mais distante no horizonte, será uma oportunidade de se desfazer alguns mitos em torno do uso de defensivos.
Douglas Guilherme Filho é coordenador da área tributária no escritório Diamantino Advogados Associados