MERA CONJECTURA
Confissão da impossibilidade de cumprir plano de recuperação não justifica antecipação da falência

Obras da Acácia Engenharia
Foto: Divulgação

A confissão da empresa em recuperação judicial sobre a impossibilidade de seguir cumprindo o respectivo plano não configura o seu real descumprimento e, portanto, não autoriza, por si só, a convolação em falência. O entendimento é da Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ).

Para o colegiado, o fato de a sociedade devedora pedir uma nova assembleia para modificar o plano vigente dá margem a uma mera conjectura sobre o seu descumprimento, mas isso pode não ocorrer.

A empresa de Engenharia interpôs agravo de instrumento contra a decisão do juízo de primeiro grau que decretou sua falência, após ela reconhecer que não conseguiria prosseguir no cumprimento do plano de soerguimento. Esse reconhecimento levou o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (TJRS) a negar provimento ao recurso, decidindo pela obrigatoriedade da convolação em falência e pela desnecessidade de convocação de uma nova assembleia geral.

Em recurso especial (REsp), a empresa apontou que, passado o prazo de dois anos da concessão da recuperação, não seria cabível a sua convolação em falência com base na impossibilidade de cumprimento do plano, por falta de amparo legal.

É possível modificar o plano de recuperação após o prazo bienal

Ministro Marco Aurélio Bellizze
Foto: Sergio Amaral/STJ

Ao analisar as regras da recuperação judicial, o relator, ministro Marco Aurélio Bellizze, explicou que, após a sua concessão pelo juiz, o devedor é mantido no plano até que sejam cumpridas as obrigações previstas, no prazo de dois anos. Segundo o ministro, durante esse período de estado recuperacional, o cumprimento das obrigações do plano se sujeita à supervisão judicial. Nada impede que sejam previstas obrigações excedentes a esse prazo, mas a supervisão se transfere aos credores.

Bellizze destacou que é possível modificar o plano depois do prazo de dois anos, quando não há sentença de encerramento da recuperação. Por outro lado – observou –, ocorrendo o descumprimento de qualquer obrigação do plano no período de supervisão judicial, a lei permite a convolação da recuperação em falência.

‘‘A convolação da recuperação em falência equivale a uma sanção legalmente imposta ao devedor em soerguimento, haja vista a gravidade das consequências que dela resultam, devendo, portanto, ser objeto de interpretação estrita as hipóteses arroladas no artigo 73 da Lei Falimentar’’, esclareceu o ministro.

Ele lembrou ainda que o STJ já estabeleceu, no julgamento do REsp 1.587.559, que as hipóteses de convolação em falência devem respeitar a taxatividade daquele rol.

Autos não registram descumprimento de obrigações

O juízo da recuperação considerou que a confissão da empresa quanto à impossibilidade de cumprir as obrigações do plano seria uma demonstração de inobservância dos seus termos. No entanto, Marco Aurélio Bellizze ponderou que o magistrado não deveria se antecipar no decreto falimentar, ‘‘antevendo uma possível (mas incerta) inexecução das obrigações constantes do plano, a pretexto de incidência do artigo 61, parágrafo 1º, e, por conseguinte, do artigo 73, inciso IV, ambos da Lei 11.101/2005, sem que efetivamente tenha ocorrido o descumprimento’’.

Para o ministro, esse procedimento representaria uma ampliação indevida do alcance legal, dando interpretação extensiva a dispositivo que só comporta interpretação restritiva.

Além disso, o ministro lembrou que os autos não registram a inobservância de compromissos firmados, e a sequência cronológica das decisões demonstra a existência de parcelas de obrigações vincendas até janeiro de 2020, quase três anos depois do acórdão recorrido, datado de abril de 2017.

Na conclusão do voto, Bellizze afirmou que não seria possível verificar se houve adimplemento das obrigações do plano cujo prazo de vencimento era posterior aos julgados recorridos. ‘‘Afigura-se de rigor o retorno dos autos ao juízo da recuperação a fim de diligenciar nesse sentido, para só então decretar o encerramento da recuperação judicial ou a convolação em falência’’, determinou o relator ao dar provimento ao REsp. Com informações da Assessoria de Imprensa do STJ.

Leia o acórdão no REsp 1.707.468-RS

EXECUÇÃO TRABALHISTA
TRT-SP responsabiliza sócios do empregador via aplicação do CDC por analogia

Foto: Agência CNJ de Notícias

O artigo 28 do Código de Defesa do Consumidor (CDC) prevê a desconsideração de personalidade jurídica para ressarcimento de consumidores quando, dentre outros fatores, ocorre abuso de direito, falência, insolvência e má administração. O instituto pode ser aplicado sempre que a personalidade jurídica for obstáculo para ressarcir prejuízos a consumidores.

Assim, por analogia ao código consumerista, a 14ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região (TRT-2, São Paulo) manteve sentença que direcionou uma execução trabalhista, obrigando os sócios a responder pelas dívidas de uma empresa do ramo de estacionamento de veículos em Mogi das Cruzes (SP).

Agravo de petição

No julgamento do agravo de petição (AP), manejado pela devedora, os desembargadores rejeitaram o argumento dos sócios de que a desconsideração da personalidade jurídica seria indevida, já que  o fato discutido nos autos não se enquadraria nas hipóteses de  desvio de finalidade ou confusão patrimonial, previstas no artigo 50 do Código Civil (CC).

Contrariamente, de acordo com a Turma, a análise de outros diplomas legais autoriza a desconsideração quando há fraude às leis trabalhistas e sonegação de direitos de caráter alimentar, em proveito da sociedade e de seus sócios. Nesses casos, é possível aplicar CDC de forma analógica, como mostra o artigo 28.

Abuso da personalidade jurídica

O relator do AP, desembargador Claudio Roberto Sá dos Santos, disse que ‘‘o abuso na utilização da personalidade jurídica resta caracterizado pelo próprio título executivo judicial, que demonstra fraude à legislação obreira, com a sonegação de direitos trabalhistas, de caráter alimentar, em proveito da sociedade e de seus sócios’’.

O desembargador lembrou, ainda, que foram realizadas diversas tentativas frustradas de execução em face da pessoa jurídica, restando, como último recurso, o redirecionamento da execução para os sócios.

A empresa ainda tentou levar o caso para reapreciação no âmbito do Tribunal Superior do Trabalho (TST), mas a Vice-Presidência do TRT-2 negou a admissibilidade do recurso de revista (RR). Com informações da Secretaria de Comunicação (Secom) do TRT-2.

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1001148-02.2017.5.02.0374 (Mogi das Cruzes)

 
VERSÕES OPOSTAS
Varejista é condenada por má-fé ao negar assédio sexual provado em processo arquivado

Foto: Alex Capuano, do site CUT.Org

A 1ª Vara do Trabalho de São Vicente (SP) condenou a Via S.A. a pagar R$ 25 mil por danos morais à vendedora que sofreu assédio sexual de um gerente de vendas. O desfecho foi possível porque o juízo percebeu que a companhia apresentou versões opostas para a  ocorrência em processos diferentes. Além disso, a empresa reclamada terá de pagar 1,5% do valor total da condenação por litigância de má-fé.

A primeira causa, de autoria do gerente de vendas, tentava reverter a dispensa por justa causa motivada pela prática de assédio contra uma de suas vendedoras subordinadas. A Via S.A juntou ampla documentação para comprovar o fato, incluindo prints de mensagens e dossiê administrativo. O processo, no entanto, acabou arquivado pela ausência do gerente na audiência.

Já no segundo processo, dessa vez movido pela empregada vítima de assédio, a empresa negou categoricamente os fatos que antes havia comprovado. Mas a vendedora reclamante, em depoimento, disse de forma intuitiva que, após várias denúncias, o gerente havia sido desligado por justa causa, o que despertou a memória do magistrado.

Memória inquietante do juiz

Segundo o juiz Charles Anderson Rocha Santos, que coincidentemente conduziu as audiências, isso acabou auxiliando no desfecho e apreciação do caso. ‘‘Por achar os fatos similares e como minha memória teimava em me inquietar, resolvi pesquisar no sistema PJe o processo arquivado. Para minha surpresa, pude identificar que se tratava exatamente do mesmo gerente’’.

O magistrado ressalta ainda que, se não tivesse presidido a audiência do processo arquivado, possivelmente a prova da autora estaria dificultada. É que, em casos de assédio sexual, a prova é de difícil produção.

Além das indenizações, a empresa deve à empregada pagamentos relativos a intervalo intrajornada com reflexos. A vendedora, por sua vez, foi condenada a pagar 0,5% também por litigância de má-fé por mentir sobre a marcação de pontos, fato revelado pela documentação juntada ao processo.

Da sentença, cabe recurso ordinário trabalhista (ROT) ao Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região (TRT-2, São Paulo). Com informações da Secom/TRT-2.

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1000941-94.2022.5.02.0481 (São Vicente-SP)

CASO PERMABOND
É má-fé pedir a caducidade de uma marca e, em seguida, registrá-la, diz STJ

A Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), por unanimidade, anulou três registros referentes à marca Permabond, por entender que um empresário agiu com má-fé ao requerer a caducidade da marca e, em seguida, registrá-la em benefício próprio. Segundo o colegiado, é alta a possibilidade de que a marca Permabond reproduzida no Brasil seja confundida ou associada com a mesma marca utilizada no estrangeiro.

De acordo com os autos, a empresa estrangeira Permabond LLC ajuizou ação contra um empresário e sua empresa, registrada no Brasil como Permabond Adesivos Ltda., pleiteando a adjudicação ou, alternativamente, a anulação dos registros já concedidos à empresa brasileira.

Notoriedade da marca estrangeira não foi comprovada

O Tribunal Regional Federal da 2ª Região (TRF-2) julgou improcedentes os pedidos formulados na petição inicial, sob o entendimento de que a notoriedade da marca estrangeira não foi comprovada na via administrativa.

No recurso ao STJ, a Permabond LLC alegou que o empresário teria sido seu empregado, o que evidenciaria sua má-fé ao requerer a caducidade da marca e, em seguida, depositar o registro, em benefício próprio, com o mesmo nome. A empresa estrangeira sustentou, ainda, que o registro de marca caducada feito pelo ex-empregado caracterizou desvio de clientela e concorrência desleal.

Tentar se apropriar de marca de que tinha pleno conhecimento constitui ato de má-fé

Ministro Villas Bôas Cueva foi o relator
Foto: Reprodução CJF

O relator do recurso, ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, observou que a Permabond LLC foi titular do registro da marca Permabond no Brasil até 2006, mas não chegou a utilizá-la no país e não pediu a prorrogação do registro no prazo legal, razão pela qual foi declarada a caducidade.

Para o ministro, como ficou constatado nos autos que o empresário tinha prévio conhecimento da existência da marca, a sua tentativa de se apropriar da ideia original para explorar comercialmente produtos similares no Brasil constitui evidente ato de má-fé.

Não fosse assim – disse o magistrado –, qualquer pessoa com conhecimento de alguma marca de sucesso no exterior, mas que ainda não tivesse renome ou notoriedade no Brasil, poderia reproduzi-la livremente sem que o seu titular fosse consultado ou remunerado por isso.

De acordo com o magistrado, a atitude do empresário de tentar se apropriar, sem consentimento, de marca de que tinha pleno conhecimento para distinguir produto ou serviço semelhante, podendo causar confusão entre os consumidores, ofendeu o artigo 124, incisos V e XXIII, da Lei 9.279/1996 (Lei da Propriedade Intelectual – LPI) e o artigo 10 bis da Convenção da União de Paris.

LPI impede registro que imite elemento característico ou diferenciador

Cueva também destacou que o reconhecimento do alto renome de determinada marca implica proteção especial em todas as categorias de produtos, mas isso não significa que as marcas que não sejam reconhecidas como tal não estejam minimamente protegidas, como é o caso do direito de prioridade previsto no artigo 127 da LPI.

O ministro explicou que, mesmo não tendo sido reconhecido o alto renome da marca Permabond no Brasil, o artigo 124 da LPI impede o registro que reproduza ou imite elemento característico ou diferenciador de título de estabelecimento ou nome de empresa de terceiros.

‘‘O registro de uma marca deve observar seu cunho distintivo, reclamando o ineditismo em seu ramo de atividade, o que não se verifica na hipótese vertente’’, concluiu o relator ao anular os registros concedidos à empresa brasileira. Com informações da Assessoria de Imprensa do STJ.

Leia o acórdão no REsp 1.766.773

SEM DISCRIMINAÇÃO
Fábrica de pneus terá de pagar bônus também a empregado que aderiu à greve

Pirelli em Feira de Santana
Foto: Divulgação

A Terceira Turma do Tribunal Superior do Trabalho (TST) condenou a Pirelli Pneus Ltda., de Feira de Santana (BA), a pagar a um acabador controlador de pneus a mesma bonificação dada a empregados que não participaram de movimento grevista deflagrado em 2016.  Para o colegiado, ao excluí-lo da premiação por ter aderido à paralisação, a empresa adotou conduta antissindical e discriminatória.

Enfraquecimento da categoria

Na reclamatória trabalhista em que pede o recebimento da parcela, o trabalhador disse que os empregados da unidade haviam feito uma paralisação de 20 de junho a 12 de julho de 2016. A empresa, no período, decidiu pagar a quem retornasse às atividades uma bonificação de R$ 6,8 mil, valor correspondente a praticamente o dobro do valor pago a título de participação nos lucros. Segundo o rfeclamante, o objetivo era enfraquecer o movimento e esvaziar a importância da greve como instrumento de melhoria nas condições da categoria.

Sobrecarga de trabalho

A empresa, por outro lado, argumentou que a bonificação foi paga em razão da sobrecarga de trabalho dos empregados que não aderiram à greve, que contou com a adesão de quase 90% do seu quadro. Com isso, muitos dos que continuaram trabalhando tiveram de lidar com atividades que não faziam parte das suas funções, e a empresa teve de suportar operações que não poderiam ser interrompidas.

Princípio da isonomia

O juiz da 4ª Vara do Trabalho de Feira de Santana considerou que a empresa havia violado o princípio da isonomia ao pagar o bônus de forma discricionária e sem critérios objetivos. Por isso,  condenou a Pirelli a pagar ao operador os R$ 6,8 mil a título de bonificação.

Contudo, para o Tribunal Regional do Trabalho da 5ª Região (TRT-5, Bahia), não houve conduta ilegal, antissindical nem discriminatória da empresa. Por não ter trabalhado no período, o controlador não tinha direito à bonificação.

Direito de greve

O ministro José Roberto Pimenta, relator do recurso de revista (RR) do trabalhador, concluiu que esse modelo de premiação desrespeita o princípio da isonomia e tem por finalidade impedir ou dificultar o livre exercício do direito de greve, garantido no artigo 9º da Constituição Federal.

Por unanimidade, a Turma restabeleceu a decisão de primeira instância. Com informações de Lilian Fonseca, da Secretaria de Comunicação Social (Secom) do TST.

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RR-361-93.2019.5.05. 0193