ESCUSA DE CONSCIÊNCIA
PF que é Testemunha de Jeová não consegue o direito de trabalhar desarmado

Por Jomar Martins (jomar@painelderiscos.com.br)

Foto: Google Imagens

O direito à liberdade de crença religiosa cede aos princípios da legalidade e isonomia que imperam no serviço público. Assim, um policial federal não pode se recusar a realizar curso de aperfeiçoamento profissional só porque não aceita andar armado. Afinal, a atividade policial exige, intrinsecamente, a necessidade de portar arma e a de participar de treinamentos de tiro.

O entendimento foi firmado pela 12ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4), pondo fim à pretensão de um policial federal de Foz do Iguaçu (PR) adepto das Testemunhas de Jeová que se recusa a fazer treinamento de tiro – última fase do Curso de Aperfeiçoamento (CAP) para a progressão na carreira. O servidor acionou a Justiça para obrigar a PF a lhe oferecer condições de concluir esta etapa final por meio de ‘‘critérios alternativos de atividades educacionais’’.

A exigência está prevista no artigo 5, parágrafo 1º, da Portaria 15.432 – DG/PF, de 19 de agosto de 2021, que disciplina o treinamento operacional continuado da Polícia Federal. A norma determina que todo servidor policial “deve participar anualmente de no mínimo dezesseis horas de treinamento operacional continuado, das quais oito horas devem ser de armamento e tiro”.

Para a relatora do recurso no colegiado, desembargadora Gisele Lemke, deferir o pedido do policial significaria violar a garantia de igualdade de condições assegurada a todos os candidatos que participam do curso de aperfeiçoamento profissional.

‘‘Não cabe à Administração adaptar seus atos em adequação aos preceitos de religião de cada candidato. O deferimento do pedido do recorrente [policial federal], na forma em que postulado, é que estaria privilegiando um candidato, na medida em que não se sujeitaria às mesmas regras previstas no edital, cujo cumprimento é obrigatório aos demais’’, registrou no acórdão, mantendo o despacho denegatório da 1ª Vara Federal de Curitiba.

Um PF que não tolera armas

No início do ano de 2017, após ser convocado para se apresentar armado a uma operação, o policial federal Paulo Sílvio Romualdo da Silva informou à chefia imediata que iria atender a convocação. No entanto, avisou que não iria portar arma de fogo.

Esta recusa deu início a um processo interno, no qual a Administração Pública reconheceu, em parecer, o direito à objeção de consciência – deixar de fazer algo que fira algum princípio religioso. Entretanto, entendeu que ‘‘o servidor deverá atender todas as convocações de seus superiores hierárquicos e participar das operações policiais para as quais seja designado, portando arma de fogo pessoal, sob pena de serem tomadas as medidas disciplinares cabíveis ao caso’’.

A chefia imediata de Silva em Foz do Iguaçu foi notificada do parecer jurídico e dos demais despachos proferidos no processo administrativo. Apesar do despacho desfavorável ao servidor, a chefia local não mais exigiu que este participasse de operações policiais, portando arma de fogo. Dessa forma, sempre que convocado para participar de operações policiais, Silva passou a realizar somente trabalhos operacionais de coordenação e assessoria, como recebimento e destinação de materiais e bens apreendidos.

Além disso, em 15 de maio de 2017, ele foi nomeado, pela administração local, para uma função policial administrativa, tornando-se responsável pelo Depósito de Veículos Apreendidos da Delegacia Regional de Polícia Federal de Foz do Iguaçu.

Dessa forma, nunca mais lhe foi exigido o porte de arma de fogo. Houve a conciliação, na prática, do direito constitucional de objetor de consciência com as suas obrigações como policial federal na esfera da segurança pública.

O ‘‘problema’’ que romperia esta paz estabelecida entre servidor e instituição apareceu em 19 de agosto de 2021, com a edição da Portaria 15.432 – DG/PF, de 19 de agosto de 2021, que disciplina o treinamento operacional continuado da Polícia Federal. É que a obrigação de empunhar armas e disparar tiros se choca com a consciência religiosa. Afinal, toda a Testemunha de Jeová deve buscar todos os meios para não causar a sua própria morte e a de outrem.

Clique aqui para ler o acórdão

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5003004-48.2023.4.04.7002 (Curitiba)

 

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PLANO DE SAÚDE
Juíza valida justa causa de operário que ficou 17 anos sem avisar a empresa que já estava aposentado

Por Jomar Martins (jomar@painelderiscos.com.br)

Empregado que omite do empregador a informação de que o afastamento por acidente acabou convertido em aposentadoria, nem se apresenta no prazo legal para dar explicações sobre o status jurídico do seu contrato de trabalho, quando convocado, abandonou o emprego. Logo, pode ser demitido por justa causa.

Nesse fundamento, a 2ª Vara do Trabalho de São Caetano do Sul (SP) considerou válida a dispensa por justa causa aplicada a um operário que, durante 17 anos, escondeu do patrão que já estava aposentado, com o propósito de continuar usufruindo do plano de saúde empresarial. Como a concessão da aposentadoria não extingue, automaticamente, o contrato de trabalho, ele tinha a obrigação legal de informar à empresa essa nova situação.

‘‘Assim, constato que, cessado o auxílio previdenciário, o empregado permaneceu sem comunicar a empresa de tal fato por 17 anos, ônus que lhe cabia, tendo ficado sem trabalhar também pelos mesmos 17 anos, fato que inclusive omitiu na petição inicial, tendo se omitido em comunicar e se apresentar ao labor com o claro propósito de ver mantido o plano de saúde fornecido pela empregadora, que somente é devido enquanto em vigor o contrato de emprego’’, fulminou na sentença a juíza do trabalho Isabela Parelli Haddad Flaitt.

Da sentença, ainda cabe recurso ao Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região (TRT-2, São Paulo).

A cronologia dos fatos

Segundo o relatório da sentença, o reclamante começou a trabalhar na Manserv Montagem e Manutenção S/A no dia 17 de março de 2005. Em 3 de janeiro de 2006, ele se afastou por motivo de saúde, passando a receber o benefício de auxílio-doença acidentário do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS). Posteriormente, em 2 de dezembro de 2016, o auxílio foi convertido em aposentadoria por tempo de contribuição – concedido com data retroativa de 23 de junho de 2004. O autor disse na petição inicial que, à época, informou à empresa reclamada sobre a concessão da aposentadoria, conseguindo manter o seu plano de saúde na ‘‘condição de inativo’’.

Passados 17 anos da aposentadoria, a empresa, quando realizava um recadastramento de seus empregados por afastamento médico junto ao plano de saúde, finalmente constatou que o contrato de trabalho do reclamante continuava em aberto.

Então, em 2 de dezembro de 2022, a empregadora enviou um telegrama ao reclamante, pedindo o seu comparecimento para prestar informações sobre a sua situação junto ao órgão previdenciário. Em reposta, o trabalhador informou sobre a conversão do auxílio-doença em aposentadoria por tempo de contribuição.

Assim, a empresa deu prazo de 30 dias para o autor se apresentar, sob pena de rescisão contratual. Como não houve o comparecimento, o contrato de trabalho foi encerrado sob a modalidade de despedida por justa causa do empregado, por abandono de emprego – como prevê o artigo 482, letra ‘‘i’’ da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT). Com a ruptura contratual, o plano de saúde foi finalmente cancelado.

Clique aqui para ler a sentença

1000725-29.2023.5.02.0472 (São Caetano do Sul-SP)

 

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SOLUÇÃO JUSTA
É possível penhorar imóvel financiado com alienação fiduciária na execução de cotas condominiais

Condomínio Australis Easy Club, em Joinville (SC)

​Na execução de cotas de condomínio de um prédio de apartamentos (ou de qualquer outro condomínio edilício), é possível a penhora do imóvel que originou a dívida, mesmo que ele esteja financiado com alienação fiduciária, em razão da natureza propter rem do débito condominial, prevista no artigo 1.345 do Código Civil (CC).

Com esse entendimento, a Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), por maioria de votos, deu provimento a um recurso especial (REsp) para permitir a penhora de um imóvel no Residencial Australis Easy Club, localizado em Joinville (SC). Entretanto, o colegiado considerou necessário que o condomínio exequente promova a citação do banco (credor fiduciário), além do devedor fiduciante.

Se quiser pagar a dívida para evitar o leilão, já que é a proprietária do imóvel, a instituição financeira poderá depois ajuizar ação de regresso contra o condômino executado. A decisão da Quarta Turma representa uma mudança em relação à jurisprudência adotada até aqui pelo STJ.

De acordo com o ministro Raul Araújo, cujo voto prevaleceu no julgamento, o entendimento de que a penhora só poderia atingir os direitos relativos à posição do devedor fiduciante no contrato de alienação fiduciária, sem alcançar o próprio imóvel, é válido para qualquer outro credor do condômino, mas não para o condomínio na execução de cotas condominiais. Neste caso, em razão da natureza propter rem da dívida, é necessária a citação do banco.

Credor fiduciário não pode ter mais direitos do que o proprietário pleno

Ministro Raul Araújo foi o redator do acórdão
Foto: Sérgio Amaral/STJ

Para o ministro, as normas que regulam a alienação fiduciária não se sobrepõem aos direitos de terceiros que não fazem parte do contrato de financiamento – como, no caso, o condomínio credor da dívida condominial, a qual conserva sua natureza jurídica propter rem.

‘‘A natureza propter rem se vincula diretamente ao direito de propriedade sobre a coisa. Por isso, se sobreleva ao direito de qualquer proprietário, inclusive do credor fiduciário, pois este, proprietário sujeito a uma condição resolutiva, não pode ser detentor de maiores direitos que o proprietário pleno’’, afirmou o ministro no voto vencedor.

Segundo ele, seria uma situação confortável para o devedor das cotas condominiais se o imóvel não pudesse ser penhorado devido à alienação fiduciária, e também para a instituição financeira, caso o devedor fiduciante estivesse em dia com a quitação do financiamento mesmo devendo as taxas do condomínio.

‘‘Cabe a todo credor fiduciário, para seu melhor resguardo, estabelecer, no respectivo contrato, não só a obrigação de o devedor fiduciante pagar a própria prestação inerente ao financiamento, como também de apresentar mensalmente a comprovação da quitação da dívida relativa ao condomínio’’, destacou.

Prejuízo teria de ser suportado pelos demais condôminos

O caso analisado pelos ministros é de um condomínio edilício: um prédio de apartamentos com unidades privativas e áreas comuns. O condomínio ajuizou a cobrança das cotas em atraso de uma das unidades, mas não teve sucesso em primeira e segunda instâncias.

Ao negar o pedido de penhora do apartamento, a Justiça estadual citou decisões do STJ no sentido de que, como o bem em questão não integra o patrimônio do devedor fiduciante, que apenas detém a sua posse direta, não pode ser objeto de constrição em execuções movidas por terceiros contra ele, ainda que a dívida tenha natureza propter rem.

‘‘Não faz sentido esse absurdo. Qualquer proprietário comum de um imóvel existente num condomínio edilício se submete à obrigação de pagar as despesas. Se essas despesas não forem pagas pelo devedor fiduciante nem pelo credor fiduciário, elas serão suportadas pelos outros condôminos, o que, sabemos, não é justo, não é correto’’, declarou o ministro Raul Araújo ao votar pela possibilidade da penhora.

O ministro disse que a interpretação que vem sendo dada a situações semelhantes é ‘‘equivocada e sem apoio em boa lógica jurídica’’, pois estende proteções de legislação especial a terceiros não contratantes, além de conferir ao banco uma condição mais privilegiada que o direito de propriedade pleno de qualquer condômino sujeito à penhora por falta de pagamento das cotas do condomínio.

Raul Araújo concluiu que a melhor solução é integrar todas as partes na execução, para que se possa encontrar uma solução adequada. ‘‘Não se pode simplesmente colocar sobre os ombros dos demais condôminos – que é o que irá acontecer – o dever de arcarem com a dívida que é, afinal de contas, obrigação tocante ao imediato interesse de qualquer proprietário de unidade em condomínio vertical’’, afirmou no voto. Com informações da Assessoria de Imprensa do STJ.

Leia o acórdão no REsp 2.059.278

EXCEÇÃO DE PRÉ-EXECUTIVIDADE
Redirecionamento da execução em separação apenas formal das sociedades dispensa incidente de desconsideração

Por Jomar Martins (jomar@painelderiscos.com.br)

Des. Marcelo De Nardi foi o voto vencedor
Foto: Sylvio Sirangelo/imprensa/TRF-4

A Segunda Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) entende que não é condição para o redirecionamento da execução fiscal – quando fundada nos artigos 124, 133 e 135 do Código Tributário Nacional (CTN) – a instauração do incidente de desconsideração da personalidade jurídica (IDPJ).

Por isso, a 1ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4), por maioria, manteve decisão da 9ª Vara Federal de Florianópolis que rejeitou a exceção de pré-executividade oposta por uma empresária. O juízo não viu necessidade de instauração de incidente de desconsideração da personalidade jurídica para a caracterização da formação de grupo econômico.

No agravo de instrumento interposto no TRF-4, para derrubar a decisão de origem, a empresária argumentou que a sua responsabilização pelo pagamento das dívidas fiscais foi fundamentada no artigo 124, inciso II, do CTN. Logo, seria imperativo instaurar o incidente – sob pena de ser nulo o redirecionamento da execução.

Separação formal de sociedades empresárias

O desembargador federal Marcelo De Nardi, voto vencedor neste julgamento, também citou a jurisprudência dominante na Primeira Turma do STJ. Esta sinaliza que o IDPJ não se instaura nas execuções em que a Fazenda Nacional pretende alcançar pessoa jurídica (PJ) distinta daquela contra a qual, originalmente, foi ajuizada a execução – mas cujo nome consta na Certidão de Dívida Ativa (CDA).

Para De Nardi, a decisão que concluiu pelo redirecionamento está fundamentada em uma separação apenas formal das sociedades. ‘‘Reconheceu-se haver grupo econômico formado entre a executada e a agravante (art. 124 do CTN), não se exigindo para o efeito de redirecionamento da execução fiscal a instauração do incidente de desconsideração de personalidade jurídica’’, fulminou no voto divergente, negando provimento ao recurso da empresária.

Clique aqui para ler o acórdão

5001774-96.2013.4.04.7203 (Florianópolis)

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PRECEDENTES QUALIFICADOS
STJ vai definir se cooperativa médica pode exigir processo seletivo e limitar ingresso de membros

Ministro Raul Araújo é o relator
Foto: Sandra Fado/Imprensa STJ

​A Segunda Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ) afetou ao rito dos repetitivos os Recursos Especiais 2.033.484 e 2.033.992, nos quais se discute se é lícito à cooperativa de trabalho médico, em seu estatuto social, exigir a aprovação em processo seletivo para o ingresso de novos cooperados e se o respectivo edital pode estabelecer limite no número de vagas.

O relator dos recursos é o ministro Raul Araújo, e a questão submetida a julgamento foi cadastrada na base de dados do STJ como Tema 1.212.

Na decisão pela afetação do tema, o colegiado não suspendeu a tramitação dos processos semelhantes. Em seu voto, o relator apontou que o caráter repetitivo da demanda está presente, tendo em vista a multiplicidade de recursos sobre o assunto no tribunal.

Raul Araújo também ressaltou que as duas turmas de Direito Privado do STJ e a própria Segunda Seção têm diversos precedentes que consideram lícitas a exigência de processo seletivo e a limitação do número de associados, em razão do mercado para a especialidade em questão e do necessário equilíbrio financeiro da cooperativa. Ele apontou, por outro lado, a existência de posições divergentes no tribunal.

De acordo com o relator, a tese a ser fixada ‘‘contribuirá para oferecer maior segurança e transparência na solução da questão pelas instâncias de origem e pelos órgãos fracionários desta corte, porquanto o tema ainda não recebeu solução uniformizadora, concentrada e vinculante sob o rito especial dos recursos repetitivos’’.

Repetitivos geram economia de tempo e segurança jurídica

O Código de Processo Civil (CPC) de 2015 regula, nos artigos 1.036 e seguintes, o julgamento por amostragem, mediante a seleção de recursos especiais (REsps) que tenham controvérsias idênticas. Ao afetar um processo, ou seja, encaminhá-lo para julgamento sob o rito dos repetitivos, o tribunal facilita a solução de demandas que se repetem na Justiça brasileira.

A possibilidade de aplicar o mesmo entendimento jurídico a diversos processos gera economia de tempo e segurança jurídica. No site do STJ, é possível acessar todos os temas afetados, bem como conhecer a abrangência das decisões de sobrestamento e as teses jurídicas firmadas nos julgamentos. Com informações da Assessoria de Imprensa do STJ

Leia o acórdão de afetação do REsp 2.033.484