NEGLIGÊNCIA DO PATRÃO
Auxiliar de limpeza vai ganhar R$ 100 mil por ter visto homem nu no vestiário da empresa

Reprodução internet

Uma auxiliar de limpeza terceirizada que se deparou com um funcionário sem roupa no vestiário que seria limpo por ela obteve direito a receber indenização de R$ 100 mil por danos morais. Para o juízo da 36ª Vara do Trabalho de São Paulo, houve ‘‘negligência deliberada’’ das empresas prestadora e tomadora de serviços ao não instituir diretrizes ou treinar a reclamante para adotar precauções antes de entrar nesses locais.

A sentença levou em conta o Protocolo para Julgamento com Perspectiva de Gênero, publicado pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ).

‘‘Chão molhado’’

A trabalhadora conta que entrou no vestiário do centro de distribuição da importadora do ramo têxtil onde prestava serviços, certificou-se de que não havia ninguém ali, colocou uma placa indicando chão molhado e saiu para pegar os produtos de limpeza.

Quando voltou, encontrou o homem nu, que a encarou, riu e posteriormente, segundo o processo, teria feito ameaças, inclusive físicas, contra ela. Ao reportar o fato à companhia, foi removida do posto onde trabalhava e ouviu que a culpa era dela, já que ‘‘vestiário é lugar onde pessoas trocam de roupa’’ e que não havia ‘‘batido na porta ou avisado que estava entrando no local’’.

No processo, o juiz substituto Thomaz Moreira Werneck ressalta que as empresas, além de não adotarem nenhuma cautela para evitar o problema, ainda tentaram culpar a vítima – mulher, negra e trabalhadora. Destaca que as instituições realmente acreditam que a reclamante é quem deveria adotar as precauções para evitar o dano.

Empregador deve zelar pelo saudável ambiente laboral

‘‘Na verdade, são as empresas que devem cumprir e fazer cumprir as regras necessárias para o desenvolvimento de um ambiente de trabalho saudável (art. 157 da CLT), não apenas do ponto de vista físico, mas também mental”, afirma o magistrado n sentença.

Considerando a natureza grave da ofensa, a falta de retratação e o fato incontroverso, admitido direta ou indiretamente pelos envolvidos, o juízo condenou solidariamente empregador e tomadora a arcarem com a indenização pelo dano moral.

Da sentença, cabe recurso ordinário trabalhista (ROT) ao Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região (TRT-2, São Paulo). Com informações da Secretaria de Comunicação Social (Secom) do TRT-2.

Clique aqui para ler a sentença

ATSum 1001096-74.2022.5.02.0036 (São Paulo)

BUSCA E APREENSÃO
Mora do devedor não pode ser comprovada pelo envio de notificação por e-mail

Em ação de busca e apreensão regida pelo Decreto-Lei 911/1969, é inadmissível a comprovação da mora do réu mediante o envio da notificação extrajudicial por e-mail. O entendimento foi estabelecido pela Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), em votação unânime.

‘‘Se é verdade que, na sociedade contemporânea, tem crescido o uso de ferramentas digitais para a prática de atos de comunicação de variadas naturezas, não é menos verdade que o crescente uso da tecnologia para essa finalidade tem de vir acompanhado de regulamentação que permita garantir, minimamente, que a informação transmitida realmente corresponde àquilo que se afirma estar contido na mensagem e que houve o efetivo recebimento da comunicação’’, afirmou a relatora do recurso especial (REsp), ministra Nancy Andrighi.

Assim, a turma negou provimento ao REsp interposto pelo Aymoré Crédito, Financiamento e Investimento S. A. contra acórdão do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (TJRS), rejeitando a tese de comprovação da mora após o envio da notificação extrajudicial por e-mail.

No recurso especial, o banco alegava que a comunicação dirigida ao endereço eletrônico seria válida para constituir em mora o devedor fiduciante e que isso poderia ser comprovado durante a instrução processual.

Uso da tecnologia tem de vir acompanhado de regulamentação

Ministra Nancy Andrighi foi a relatora
Foto: Imprensa/TSE

Ao analisar o caso, a ministra Nancy Andrighi lembrou que, originalmente, o Decreto-Lei 911/1969 exigia a comprovação da constituição em mora por carta registrada em cartório ou por meio de protesto do título, a critério do credor.

Nesse contexto, ela destacou que, após a alteração do Decreto-Lei 911/1969 pela Lei 13.043/2014, passou-se a permitir que a comprovação pudesse ocorrer mediante o envio de simples carta registrada com aviso de recebimento (AR), nem se exigindo, desde então, que a assinatura constante do aviso fosse a do próprio destinatário.

‘‘A expressão ‘poderá ser comprovada por carta registrada com aviso de recebimento’ adotada pelo legislador reformista deve ser interpretada à luz da regra anterior, mais rígida, de modo a denotar a maior flexibilidade e simplicidade incorporadas pela Lei 13.043/2014, mas não pode ser interpretada como se a partir de então houvessem múltiplas possibilidades à disposição exclusiva do credor, como, por exemplo, o envio da notificação por correio eletrônico, por aplicativos de mensagens ou redes sociais’’, advertiu no voto.

Nancy Andrighi lembrou ainda que, em 2014, data da mudança legislativa, o e-mail já estava amplamente difundido em todo o mundo, de modo que poderia o legislador, se quisesse, incorporar essa forma de comunicação como suficiente para a constituição em mora do devedor fiduciante.

‘‘É correto concluir que a legislação existente atualmente não disciplina a matéria, de modo que o envio de notificação extrajudicial com a finalidade de constituição em mora apenas por intermédio de correio eletrônico possui um vício apto a invalidá-la’’, disse.

Comprovação de recebimento e leitura não são possíveis nessa hipótese

A relatora também ressaltou não ser possível considerar que, com o envio por e-mail, a notificação extrajudicial atingiu a sua finalidade, pois a ciência inequívoca quanto ao recebimento demandaria o exame de vários aspectos: existência de correio eletrônico do devedor fiduciante, o efetivo uso da ferramenta por parte dele, estabilidade e segurança da ferramenta de e-mail, entre outros.

‘‘A eventual necessidade de ampliar e de aprofundar a atividade instrutória, determinando-se, até mesmo, a produção de uma prova pericial a fim de se apurar se a mensagem endereçada ao devedor fiduciante foi entregue, lida, e se seu conteúdo é aquele mesmo afirmado pelo credor fiduciário, instalaria um rito procedimental claramente incompatível com os ditames do Decreto-Lei 911/1969’’, concluiu. Com informações da Assessoria de Imprensa do STJ.

Leia o acórdão no REsp 2.022.423

EXECUÇÃO
Juiz não pode usar CDC para desconsiderar a personalidade jurídica por dívida com sindicato

Por Jomar Martins (jomar@painelderiscos.com.br)

Fachada do TRT-SP Reprodução: CNJ

O parágrafo 5º do artigo 28 do Código de Defesa do Consumidor (CDC) dá ao juiz a possibilidade de desconsiderar a personalidade jurídica de empresa devedora que cria obstáculos ao ressarcimento de consumidores. No entanto, este dispositivo é inaplicável nos casos em que a execução é manejada por entidade sindical.

A decisão é da 9ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região (TRT-2, São Paulo) ao julgar improcedente um agravo de petição (AP) manejado pelo Sindicato dos Empregados no Comércio Hoteleiro e Similares de São Paulo (Sinthoresp) com o objetivo de desconsiderar a personalidade jurídica da Gastronomia Vialli, para incluir, no pólo passivo da execução, a sócia Luciana Araújo Vialli.

A relatora do recurso no Regional, desembargadora Bianca Bastos, excluiu a sócia do pólo passivo por não ver prova de fraude ou confusão patrimonial na insolvência da empresa. Afinal, o mero encerramento da executada, sem o pagamento a todos os seus credores, não faz presumir o enquadramento do caso nos requisitos do artigo 50 do Código de Processo Civil (CPC). Antes, devem ser demonstradas, concretamente, as hipóteses dos parágrafos 1º e 2º do referido dispositivo.

O mais relevante, destacou no acórdão, é que o crédito executado judicialmente não se confunde com verba de natureza trabalhista, já que o credor é um sindicato – credor negocial. Ou seja, não tem a prerrogativa de discutir condições do contrato para obter garantias do cumprimento das obrigações do empregador inadimplente com as obrigações sindicais.

‘‘Cabe, pois, ao credor a demonstração de que o sócio contra quem se pretende a execução atuou de modo a configurar o desvio de finalidade da personalidade jurídica ou que houve confusão patrimonial, nos termos dos §§1º e 2º, deste dispositivo’’, fulminou a desembargadora-relatora, reformando a decisão de origem.

Recurso de revista barrado na admissibilidade

O Sinthoresp ainda tentou levar o caso para reapreciação no Tribunal Superior do Trabalho (TST), mas a Vice-Presidência Judicial do TRT-SP, em sede de admissibilidade, negou seguimento ao recurso de revista (RR).

O vice-presidente, desembargador Wilson Fernandes, disse que a Subseção I Especializada em Dissídios Individuais do TST já pacificou o entendimento de que não cumpre a exigência legal a simples reprodução do acórdão combatido, sem nenhum destaque ou indicação precisa das teses adotadas pela decisão recorrida.

‘‘Logo, a transcrição quase integral do capítulo do acórdão, sem a delimitação do ponto de insurgência objeto das razões do recurso de revista – mediante o destaque do trecho em que foram adotados os argumentos do acórdão regional para o deslinde da controvérsia –, não atende ao disposto no artigo 896, § 1º-A, I, da CLT’’, cravou na decisão que negou seguimento do recurso.

A origem do processo

Trata-se de ação de cumprimento (ACum) cumulada com ação de contribuição previdenciária distribuída em 2013. A ação foi julgada procedente para condenar a Gastronomia Vialli, a executada, a pagar ao Sinthoresp as contribuições assistenciais e sindicais elencadas na peça inicial, bem como as multas normativas e os honorários advocatícios, à base de 20% do valor da condenação.

Após a homologação das contas, a empresa, no entanto, deixou de garantir a execução ou nomear bens à penhora. Todas as pesquisas patrimoniais passíveis de rastreamento pelo sistema judicial – Sisbajud, Arisp (registradores imobiliários), Renajud (restrição de veículos), Infojud (acesso a dados fiscais na Receita Federal) e CNIB (central de indisponibilidade de bens) – restaram infrutíferas.

Desconsideração da personalidade jurídica

Em razão da falta de patrimônio, o Sinthoresp entrou, na 1ª Vara do Trabalho de Barueri (SP), com incidente de desconsideração da personalidade jurídica da empresa devedora. Nos fundamentos, invocou o artigo 789 do CPC (‘‘o devedor responde com todos os seus bens presentes e futuros para o cumprimento de suas obrigações’’) e o artigo 855-A, da CLT (possibilidade de aplicação do incidente de desconsideração da personalidade jurídica).

Afirmou que o dolo e a fraude contra credores restaram configuradas pelo encerramento da empresa sem pagar suas dívidas nem seguir os procedimentos de liquidação. Pediu, por fim, a retomada de busca patrimonial e a inclusão dos executados (empresa devedora e a sócia) no Banco Nacional de Devedores Trabalhistas (BNDT).

Na contestação, a sócia Luciana Araújo Vialli alegou que a desconsideração deve ser a última ferramenta no processo de execução. No entanto, no presente caso, argumentou que não houve confusão patrimonial, desvio de finalidade ou prática ilícita de qualquer natureza. Enfim, disse que não pode ser incluída na execução por não ter causado nenhum prejuízo ao exequente.

Vitória do sindicato no primeiro grau

O juiz do trabalho Milton Amadeu Júnior desconsiderou a personalidade jurídica da Gastronomia Vialli, determinando o seguimento da execução em face de Luciana. Ao ver do julgador, a sócia concorreu diretamente para a ausência de bens na execução. Assim, caracterizada a fraude e a confusão patrimonial, a empresária deve responder com seus bens pessoais.

Juridicamente, Amadeu Júnior fundamentou a sua decisão com base no artigo 28 do Código de Defesa do Consumidor-CDC (por falência/insolvência/inatividade provocada por má administração), no artigo 133 do Código de Processo Civil-CPC (faculta à parte instaurar o incidente de desconsideração) e no artigo 50 do Código Civil-CC (confusão patrimonial causada por abuso da personalidade jurídica). Aliás, este último dispositivo foi aplicado supletivamente, pelo julgador, por força do parágrafo único do artigo 8º e artigo 769, ambos da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT).

‘‘Se a personalidade jurídica pode ser desconsiderada quando se tornar, de qualquer forma, óbice ao ressarcimento do consumidor, é claro que tal instituto ainda mais deve ser aplicado em sede trabalhista, já que aqui os débitos possuem natureza alimentar. Por outro lado, os sócios utilizaram-se da sociedade com a finalidade de obter vantagens pessoais (lucros), assumindo os riscos daquela atividade (art. 2º da CLT) e, portanto, devem também arcar com os prejuízos decorrentes e não apenas até o seu quinhão social’’, concluiu o juiz na decisão.

Clique aqui para ler a decisão que barrou o recurso de revista

Clique aqui para ler o acórdão

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ACum 0001069-16.2013.5.02.0201 (Barueri-SP)

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DIREITO DE AÇÃO
O reconhecimento de abusos e limites no acesso à Justiça, segundo a jurisprudência do STJ

O amplo acesso à Justiça é um direito fundamental cristalizado no artigo 5º, inciso XXXV, da Constituição Federal. Mas, como qualquer outro direito, o acesso à Justiça também encontra as suas limitações no ordenamento jurídico e deve ser exercido com responsabilidade.

O abuso do direito de ação é caracterizado pela utilização exagerada ou desvirtuada desse direito, com o objetivo de prolongar, atrasar ou impedir o andamento de processos. Há ainda os que ajuízam ações com conflitos forjados ou fictícios, pretendendo obter alguma vantagem de forma ilegítima.

O STJ já analisou diversos casos sobre abuso do direito de ação e definiu as possibilidades de reconhecimento dessa situação excepcional ao amplo acesso à Justiça, inclusive do chamado assédio processual.

Ajuizamento de sucessivas ações pode configurar assédio

Ministra Nancy Andrighi
Foto: Sérgio Amaral

Entrar na Justiça com sucessivas ações desprovidas de fundamentação idônea, intentadas com propósito doloso e abusivo, pode configurar ato ilícito de abuso do direito de ação ou de defesa e levar ao reconhecimento do assédio processual. O entendimento foi adotado pela Terceira Turma, por maioria, ao dar parcial provimento ao REsp 1.817.845.

Duas famílias disputavam uma área de mais de 1.500 hectares de uma fazenda. Foram propostas diversas ações – entre elas, uma ação divisória, em 1988 – e interpostos diferentes tipos de recursos. Em 1995, foi proferida a sentença na primeira fase da ação divisória, em que se determinou a divisão do imóvel entre as famílias.

Às vésperas da restituição da área que cabia aos autores da ação divisória, a outra família ajuizou sucessivamente, entre setembro e novembro de 2011, uma série de novas ações, todas sem qualquer fundamento relevante, manejadas quando já estava consolidada, há mais de 16 anos, a propriedade da outra parte.

No voto que prevaleceu no julgamento, a ministra Nancy Andrighi apontou que tal atitude configurou abuso de direito, uma vez que, conforme o artigo 187 do Código Civil, comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes.

‘‘O abuso do direito fundamental de acesso à Justiça em que incorreram os recorridos não se materializou em cada um dos atos processuais individualmente considerados, mas, ao revés, concretizou-se em uma série de atos concertados, em sucessivas pretensões desprovidas de fundamentação e em quase uma dezena de demandas frívolas e temerárias, razão pela qual é o conjunto dessa obra verdadeiramente mal-acabada que configura o dever de indenizar’’, concluiu.

Reiteração de medidas processuais descabidas autoriza trânsito em julgado

Com apoio em precedentes, em 2021, a Primeira Seção do STJ determinou a certificação imediata do trânsito em julgado na Rcl 41.549, por reconhecer abuso do direito de ação na insistência da parte em apresentar medidas descabidas.

No caso, uma mulher ajuizou ação buscando receber a pensão especial deixada por ex-combatente, sob o argumento de que esta poderia ser requerida a qualquer tempo, não sendo aplicável a prescrição de fundo de direito. Com o objetivo de reverter o acórdão do Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4) que negou sua pretensão, a mulher impetrou vários recursos e outras medidas no STJ – entre eles, agravo em recurso especial, ação rescisória, reclamação, agravo interno e pedido de reconsideração.

Ministro Og Fernandes Foto: Sérgio Lima

Após a Primeira Seção do STJ indeferir liminarmente a ação rescisória, a parte entrou com reclamação, sustentando que o colegiado teria usurpado a competência do próprio tribunal. Em decisão monocrática, o relator, ministro Og Fernandes, afirmou que não cabe reclamação dirigida ao STJ contra acórdão proferido por um de seus órgãos jurisdicionais.

‘‘Não faz sentido reconhecer que a Primeira Seção do STJ tenha usurpado sua própria competência para julgamento da ação rescisória’’, declarou o ministro ao considerar que a reclamação foi usada como sucedâneo de recurso, ‘‘o que é inadmissível’’.

Não satisfeita, a parte recorreu com agravo interno. A Seção negou provimento ao recurso e, em razão da insistência na utilização de um instrumento processual manifestamente descabido, aplicou a multa prevista no artigo 1.021, parágrafo 4º, do Código de Processo Civil (CPC), fixada em 1% sobre o valor atualizado da causa.

A parte, então, apresentou pedido de reconsideração, alegando não ter condições de pagar a multa processual, insistindo na procedência da reclamação. No entanto, não há previsão legal ou regimental desse tipo de pedido em relação a decisão colegiada. ‘‘A reiteração de medida judicial manifestamente descabida caracteriza abuso do direito de ação e autoriza a certificação imediata do trânsito em julgado da demanda’’, decidiu Og Fernandes, que foi acompanhado de forma unânime pelos demais integrantes da Seção.

Reconhecimento do abuso de direito de ação é medida excepcional

No julgamento do REsp 1.770.890, de relatoria do ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, a Terceira Turma reafirmou a jurisprudência segundo a qual o reconhecimento de abuso do direito de ação é excepcional, por estar intimamente atrelado ao acesso à Justiça. O caso deve ser analisado com prudência pelo julgador e declarado apenas quando o desvirtuamento do exercício desse direito for amplamente demonstrado.

O colegiado afastou a condenação por danos morais de três ex-vereadores do município Rio do Sul (SC) em razão de ação popular ajuizada por eles para impugnar a venda de um imóvel pela prefeitura. Os ex-vereadores haviam sido condenados nas instâncias ordinárias porque teriam utilizado a ação popular para fins políticos, mas o STJ concluiu que não foram demonstrados nem o abuso do direito de ação nem o dano moral indenizável.

De acordo com o relator, a análise da configuração do abuso deve ser ainda mais minuciosa quando se tratar da utilização de uma ação constitucional, como é o caso da ação popular, voltada para a tutela de direitos coletivos e um importante instrumento para a efetivação da democracia participativa, pois possibilita a interferência do cidadão na gestão da coisa pública.

O ministro Villas Bôas Cueva explicou que, mesmo sendo válida a preocupação do julgador com um eventual uso político da ação popular – o que significaria desvirtuamento do instituto –, essa análise deve se pautar pela prudência, ‘‘de modo a não coibir o seu uso diante de possíveis lesões ao patrimônio público e à moralidade pública’’.

Mandados de injunção idênticos com diferentes pessoas no polo ativo

Para a Corte Especial do STJ, a impetração de vários mandados de injunção, com diferentes indivíduos no polo ativo, não caracteriza assédio processual. O colegiado entendeu que, em tal situação, a parte impetrante não deve ser condenada ao pagamento de indenização ou multa por litigância de má-fé ou abuso do direito de ação, pois a Constituição Federal autoriza a impetração de mandado de injunção sempre que a pessoa considerar que a demora do Estado em editar norma jurídica a impede de exercer direito assegurado constitucionalmente.

Ministro Raul Araújo
Foto: José Alberto

No caso dos autos, um militar entrou com o pedido de mandado de injunção contra o comandante da Aeronáutica, alegando omissão dessa autoridade na edição de norma para disciplinar o direito de promoção do Quadro Especial de Sargentos.

Durante o trâmite do MI 345 no STJ, a União sustentou a ocorrência de assédio processual, que estaria caracterizado pela impetração de diversos mandados de injunção desprovidos de fundamentação idônea e intentados sem nenhum interesse legítimo a ser tutelado. Por isso, pediu que fosse fixada indenização ou multa contra o impetrante, por abuso de direito processual e litigância de má-fé.

Ao proferir sua decisão, o ministro Raul Araújo, relator, observou que o simples fato de o litigante utilizar ação ou recurso previsto em lei ou – como no caso – na própria Constituição não significa litigância de má-fé.

‘‘O fato de terem sido impetrados vários mandados de injunção idênticos, cada qual com um indivíduo no polo ativo, não caracteriza, por si só, a litigância de má-fé. Julgando embargos de declaração similares aos dos presentes autos, a Corte Especial já teve a oportunidade de se manifestar, concluindo pela não configuração da litigância de má-fé e do assédio processual’’, afirmou.

No AREsp 952.308, de forma semelhante, a Quarta Turma considerou indevida a aplicação de multa por litigância de má-fé ou abuso do direito de ação contra a pessoa que utiliza legitimamente um recurso previsto na legislação processual civil com o objetivo de esgotar a instância ordinária e possibilitar a interposição do recurso especial (REsp) ao STJ.

Nesse caso, foi ajuizada contra um banco ação declaratória de inexigibilidade de dívida, cumulada com pedido de indenização por danos morais. A instituição financeira foi condenada à reparação dos danos pela inscrição indevida do nome do autor em órgãos de restrição de crédito. Em embargos de declaração, o consumidor requereu o aumento da indenização, mas o Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP), além de rejeitar o pedido, puniu o embargante com multas, dada a sua insistência em argumentos já rejeitados.

O relator, ministro Raul Araújo, ressaltou que, como a interposição de agravo interno configura legítimo exercício das garantias do devido processo legal, deve-se afastar não apenas a multa do artigo 1.021, parágrafo 4º, do Código de Processo Civil, mas também a sanção por litigância de má-fé, pois ambas foram fundadas no mesmo fato (interposição do recurso).

Inversão automática do ônus da prova pode facilitar abuso do direito de ação

Ao julgar o REsp 1.866.232, a Terceira Turma entendeu que a inversão do ônus probatório a respeito da veracidade e da correção da informação publicitária, prevista no artigo 38 do Código de Defesa do Consumidor (CDC), não se aplica a demandas que discutem concorrência desleal.

Ministro Paulo de Tarso Sanseverino
Foto: Rafael Luz

Nesse processo, a rede de lanchonetes Burger King buscava fazer com que o restaurante Madero Steak House, seu concorrente, parasse de veicular propaganda supostamente enganosa com a frase ‘‘o melhor hambúrguer do mundo’’. A Burger King alegou que deveria haver inversão do ônus da prova, ficando seu concorrente responsável pelo custeio da produção da perícia, pois, embora não houvesse relação de consumo entre as partes, a aplicação do artigo 38 do CDC era necessária para proteger o consumidor de práticas abusivas e desleais.

O relator do recurso no STJ, ministro Paulo de Tarso Sanseverino (falecido), afirmou que a norma do CDC não poderia ser aplicada nas relações entre empresas concorrentes, pois poderia facilitar o abuso do direito de ação, incentivando estratégias anticoncorrenciais, uma vez que, a partir do ajuizamento de demanda fútil, o ônus da prova estaria. direta e automaticamente, imposto ao concorrente com menor porte econômico.

Em tal hipótese, comentou o ministro, o processo estaria sendo utilizado não para obter um provimento jurisdicional, mas, sim, ‘‘como meio de dificultar a atividade do concorrente ou mesmo de barrar a entrada de novos competidores no mercado’’. Com informações da Assessoria de Imprensa do STJ.

REsp 1817845

Rcl 41549

REsp 1770890

MI 345

AREsp 952308

REsp 1866232

DIREITOS PATRIMONIAIS
STF confirma que presença de advogados em centros de conciliação é facultativa

Cejusc -JT
Foto: Secom/TRT-RS

Em decisão unânime, o Plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) declarou constitucional a disposição do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) que considera facultativa a presença de advogados e defensores públicos nos Centros Judiciários de Solução de Conflitos e Cidadania (Cejuscs). A decisão se deu na sessão virtual finalizada em 21 de agosto, no julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 6324.

O Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (CFOAB), autor da ação, argumentava, entre outros pontos, que a redação do dispositivo, com a expressão ‘‘poderão atuar’’, permitiria a interpretação de que a participação dos advogados e dos defensores públicos nos Cejuscs seria meramente facultativa, afastando a garantia fundamental da presença da defesa técnica.

Gestão eficiente

Em seu voto, o ministro Luís Roberto Barroso, relator da ação, lembrou que a competência do CNJ para controlar a atuação administrativa dos tribunais está prevista na Constituição Federal (artigo 103-B) e que o STF tem conferido interpretação ampliada a esse dispositivo, de modo a fortalecer a atuação do Conselho na gestão eficiente dos órgãos do Poder Judiciário.

Autonomia privada

Ministro Luís Roberto Barroso foi o relator
Foto: Felippe Sampaio/ SCO/STF

Em relação à presença de advogado, Barroso destacou que o profissional é indispensável à administração da justiça e que, aos necessitados, é assegurada a atuação da Defensoria Pública. Contudo, isso não significa que a pessoa maior e capaz precise estar assistida ou representada por um profissional da área jurídica para todo ato de negociação. Para ele, esse entendimento acabaria por aniquilar a autonomia privada.

Direitos disponíveis

Segundo o ministro, a resolução do CNJ não afasta a necessidade da presença de advogados nos casos em que a lei processual assim exige. Seu alcance se restringe a direitos patrimoniais disponíveis e, mesmo nessas hipóteses, caso uma das partes venha com o advogado à mediação, o procedimento será suspenso para que a outra parte também possa ser assistida.

Menos burocracia

Por fim, o ministro explicou que a norma exige que conciliadores, mediadores e servidores esclareçam os envolvidos, para que possam tomar uma decisão informada. Assim, ele não identificou nenhuma ofensa às garantias fundamentais do processo ou desrespeito ao acesso à justiça. Ao contrário, Barroso entende que a norma estimula uma atuação mais eficiente e menos burocratizada do Poder Judiciário. Com informações da Assessoria de Imprensa do STF.

ADI 6324