APROPRIAÇÃO INDÉBITA
Advogado que reteve R$ 1,5 milhão de clientes idosos é condenado pelo TJ-RS

Por Jomar Martins (jomar@painelderiscos.com.br)

O crime de apropriação indébita (artigo 168 do Código Penal) se consuma no momento em que o agente, livre e conscientemente, inverte o domínio da coisa alheia móvel que se encontra na sua posse, passando a dispô-la como se fosse o proprietário.  Assim, a menos que fique evidente a total falta de intenção de inverter este domínio, a restituição do bem não exclui a tipicidade criminal nem afasta a punibilidade do agente.

Por isso, a 8ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (TJ-RS) confirmou sentença que condenou criminalmente um advogado por ter se apropriado de valores de clientes de um mesmo clã familiar na Comarca de Porto Alegre. Ficou claro, ao longo do processo, que o advogado levantou um alvará judicial no valor de R$ 2,2 milhões e não repassou a quantia integral aos seus clientes, retendo R$ 1,5 milhão.

A condenação foi por apropriação indébita majorada – o crime se deu em razão do ofício de advogado, como tipifica o inciso III, parágrafo 1º, do caput do artigo 168. A pena: um ano e quatro meses de reclusão – convertida na dosimetria em prestação de serviços comunitários –, além de multa.

O réu ainda tentou levar o caso para os tribunais superiores, mas a 2ª Vice-Presidência da corte inadmitiu o recurso especial (REsp) e o recurso extraordinário (RE) em direção, respectivamente, ao Superior Tribunal de Justiça (STJ) e ao Supremo Tribunal Federal (STF). Em abril, o processo transitou em julgado.

Investimentos frustrados

A relatora da apelação-crime na 8ª Câmara Criminal, desembargadora Fabianne Breton Baisch, disse que a documentação e a narrativa coerente e convincente das vítimas não foram desconstruídas por nenhuma outra prova trazida aos autos pela defesa, o que a levou a se alinhar integralmente aos fundamentos da sentença proferida pela 11ª Vara Criminal do Foro Central da Capital.

Segundo a desembargadora-relatora, no contraditório, o réu admitiu ter investido o dinheiro dos clientes na empresa XP Investimentos, acabando por perder toda a quantia. Ou seja, ele dispôs dos valores sacados no alvará judicial como se lhe pertencessem, ainda que tivesse a intenção de devolvê-los mais tarde. No entanto, só procurou os clientes dois anos depois, quando já oferecida a denúncia do Ministério Público e firmados os acordos extrajudiciais para devolução dos valores – que não foram adimplidos.

A denúncia do MP

O Ministério Público do Rio Grande do Sul (MP-RS) protocolou denúncia-crime contra o advogado Athos Stock da Rosa na 11ª Vara Criminal da Capital por cinco fatos delituosos, em tese, cometidos contra os herdeiros do espólio de Nelson Correa de Barros.

Segundo relata a peça inicial, os crimes teriam ocorrido no interior da agência do Banrisul do Foro Central, onde eram expedidos os alvarás para os herdeiros, após a liberação pelo cartório da 2ª Vara de Família e Sucessões, juízo do inventário. Athos representou todos os herdeiros nos autos da de ação de desapropriação de uma área rural que pertenceu ao falecido e na ação de inventário.

Segundo o MP, o primeiro fato, ocorrido no dia 7 de janeiro de 2014, teria envolvido a apropriação indébita de R$ 431 mil; o segundo fato, no dia 20 de maio de 2015, de R$ 249,8 mil; o terceiro, no dia 11 de dezembro de 2015, de R$ 159,6 mil; o quarto, no dia 4 de fevereiro de 2016, de R$ 2,2 milhões; e o quinto fato, no dia 31 de outubro de 2016, de R$ 200 mil. Todas as vítimas tinham mais de 60 anos.

Após a audiência de instrução, realizada em 21 de fevereiro de 2018, o MP apresentou memoriais, requerendo a parcial procedência da ação penal. No efeito prático, pediu a condenação do acusado nas sanções relativas ao quarto fato e a sua absolvição com relação aos demais fatos descritos na denúncia.

Sentença de parcial procedência

Ao proferir a sentença, a juíza Cláudia Junqueira Sulzbach ponderou que as vítimas não souberam afirmar sequer o montante que lhes seria devido, tampouco o que teria sido indevidamente retido pelo réu com relação ao 1°, 2°, 3° e 5° fatos, tal como havia percebido o MP, após a fase de instrução do processo.

‘‘Ademais, o réu apresentou diversos comprovantes de transferências realizadas às vítimas (…). Embora os repasses, conforme afirmado pelo próprio acusado, não estejam integralmente comprovados, havendo dúvida quanto à existência do delito, imperativa a aplicação do princípio in dubio pro reo, com a absolvição do acusado quanto aos fatos de n° 1, 2, 3 e 5’’, escreveu a juíza na sentença.

A autoria e a materialidade do delito descrito no quarto fato da denúncia, entretanto, ficaram suficientemente demonstradas nos autos, pois, além das testemunhas, o próprio réu confessou em juízo que reteve indevidamente a quantia de R$ 1,5 milhão, proveniente do alvará sacado no dia 4 de fevereiro de 2016.

‘‘O recebimento da quantia pelo acusado restou comprovado pelo Alvará 2.659/143-2016 (fl. 283), e os repasses, em valores inferiores aos devidos, pelos comprovantes apresentados às fls. 284/320 dos autos, resultando, após o desconto do valor devido ao réu a título de honorários advocatícios, em um saldo de R$ 1.550.287,81 (um milhão quinhentos e cinquenta mil duzentos e oitenta e sete reais e oitenta e um centavos) em favor das vítimas’’, concluiu.

Neste cenário, a juíza Cláudia Junqueira Sulzbach julgou parcialmente procedente a ação penal, condenando o advogado Athos Stock da Rosa como incurso nas sanções do artigo 168, parágrafo 1º, inciso III, do Código Penal, com a incidência

da agravante do artigo 61, inciso II, alínea “h”, do mesmo Código – aumento da pena pelo fato do réu ter cometido o crime contra pessoas idosas. A pena estabelecida: um ano e quatro meses de reclusão, convertida em prestação de serviços comunitários e multa.

Como o advogado fez um acordo de ressarcimento de valores com seus clientes, a magistrada deixou de fixar indenização às vítimas. O advogado também foi poupado de pagar as custas judiciais, por ter sido representado  no processo pela Defensoria Pública estadual.

Clique aqui para ler a decisão que inadmitiu o REsp  e o RE

Clique aqui para ler o acórdão de apelação

Clique aqui para ler a sentença

001/2.17.0049352-1 (Porto Alegre)

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PERDA DE UMA CHANCE
Demitir professor no início do ano letivo é abuso de poder diretivo

Secom/TST

A Terceira Turma do Tribunal Superior do Trabalho condenou a Sociedade Educacional do Vale do Itapocu Ltda., de Guaramirim (SC), a indenizar uma professora universitária demitida um mês antes do início do semestre letivo. Por unanimidade, a indenização foi fixada em R$ 30 mil.

Segundo o colegiado, as circunstâncias do caso configuraram abuso de poder diretivo da faculdade, notadamente em razão da dificuldade que a professora teria de conseguir vaga em outra instituição de ensino, tendo em vista o início das aulas.

Dispensa

A professora, responsável pela coordenação de três cursos (Engenharia de Produção, Engenharia Química e Engenharia Elétrica), foi dispensada em 17 de janeiro de 2019, durante o recesso escolar. Na reclamação trabalhista, ela sustentou que a dispensa a impediu de buscar nova colocação, pois, nesse período, as instituições educacionais já haviam formado seu quadro de professores para o semestre letivo.

Segundo ela, como praxe, conforme calendário acadêmico, entre novembro e dezembro de 2018, a faculdade pediu que ela montasse o quadro de horários dos cursos de Engenharia Química e Engenharia de Produção e que organizasse o início do próximo ano. Assim, havia, a seu ver, a expectativa legítima de continuidade na relação de emprego e, por isso, não buscou colocação em outras instituições.

Autonomia universitária

Em sua defesa, a sociedade educacional sustentou que a dispensa se deu de forma respeitosa. Outro argumento foi o de que as instituições universitárias têm autonomia didático-científica, administrativa e de gestão financeira e patrimonial, e a lei não assegura nenhum tipo de estabilidade a professores. Assim, para configurar o dever de indenizar, deve ser comprovada alguma conduta reprovável, indevida ou culposa.

Sem provas

O juízo de primeiro grau concluiu que a dispensa acarretou a perda de uma chance da professora de manter a atividade docente no primeiro semestre de 2019 e deferiu o pagamento de indenização por danos materiais. Negou, entretanto, o pedido relativo aos danos morais, por considerar que não havia prova suficiente de constrangimento ou abalo moral capaz de caracterizar violação de sua honra ou imagem. A sentença foi mantida pelo Tribunal Regional do Trabalho da 12ª Região (TRT-12, Santa Catarina).

Perda de uma chance

Ministro Alberto Balazeiro
Foto: Secom/TST

O relator do recurso de revista (RR) da professora, ministro Alberto Balazeiro, explicou que, nos termos da ‘‘teoria da perda de uma chance’’ (artigos 186 e 927 do Código Civil), a vítima, privada da oportunidade de obter certa vantagem, em razão de ato ilícito praticado pelo ofensor, tem direito à indenização pelo prejuízo material sofrido, ante a real probabilidade de um resultado favorável esperado

Expectativa justa

Segundo o ministro-relator, a despedida sem justa causa não caracteriza, por si só, ato ilícito ou abuso de direito. No caso, porém, a dispensa ocorreu quando a professora já tinha expectativa justa e real de continuar na instituição de ensino. ‘‘A despeito das peculiaridades inerentes à atividade, a instituição incorreu em abuso de direito, desrespeitando os princípios da boa-fé objetiva e do valor social do trabalho’’, concluiu.

Clique aqui para ler o acórdão

RR-408-28.2019.5.12.0046-SC

CREDIT SCORING
Execução de sentença coletiva de direitos individuais homogêneos por associação se sujeita a condições

Imprensa STJ

A associação que figura como autora de ação civil pública (ACP) pode propor o cumprimento de sentença coletiva na tutela de direitos individuais homogêneos. No entanto, como essa legitimidade é subsidiária, cabe apenas quando não houver habilitação de beneficiários ou o número destes for incompatível com a gravidade do dano, nos termos do artigo 100 do Código de Defesa do Consumidor (CDC).

Com esse entendimento, a Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) restringiu a legitimidade de uma associação para propor o cumprimento de sentença em ação civil pública ajuizada por ela.

No processo de conhecimento, a Serasa e a Associação Comercial, Industrial e Empresarial de Ponta Grossa (PR) foram condenadas a fornecer gratuitamente o histórico de consultas, entre outras informações, quando da prática do credit scoring – sistema desenvolvido para avaliação do risco na concessão de crédito ao consumidor mediante atribuição de notas, com base em modelos estatísticos e variáveis de decisão.

Em primeiro grau, o juiz determinou o arquivamento da execução movida pela entidade autora, por concluir que caberia a eventuais consumidores interessados ajuizar o cumprimento individual da sentença. A decisão foi reformada pelo Tribunal de Justiça do Paraná (TJ-PR), que determinou o retorno dos autos à primeira instância para o prosseguimento da execução.

Esclarecimentos sobre credit scoring dependem de prévio requerimento do consumidor

Ministra Nancy Andrighi
Foto: Lucas Pricken/STJ

Relatora do recurso especial (REsp) da Serasa, a ministra Nancy Andrighi explicou que os interesses individuais homogêneos podem ser conceituados como aqueles pertencentes a um ‘‘grupo, categoria ou classe de pessoas determinadas ou determináveis, que compartilhem prejuízos divisíveis, de origem comum, normalmente oriundos das mesmas circunstâncias de fato’’.

A magistrada verificou que, em relação ao credit scoring – cuja legalidade foi reconhecida pela Segunda Seção em julgamento sob o rito dos recursos repetitivos (Tema 710) –, eventuais esclarecimentos sobre os critérios utilizados para valorar informações pessoais e atribuir pontuações pressupõem prévio requerimento dos interessados. Isso demonstra que tal direito pode não ser do interesse de todos os consumidores, mas apenas daqueles que pretendem obter crédito e estão sujeitos à negativa em razão de sua pontuação.

‘‘O interesse em tais esclarecimentos diz respeito, portanto, a um número determinável de consumidores unidos por um objeto divisível de origem comum, evidenciando o seu caráter de direito individual homogêneo, nos termos do artigo 81, parágrafo único, III, do CDC’’, esclareceu a ministra no voto.

Legitimidade subsidiária para liquidação e execução da sentença coletiva

Segundo a relatora, embora o artigo 98 do CDC se refira à execução da sentença coletiva, as particularidades da fase executiva impedem a atuação dos legitimados coletivos na forma de substituição processual. É que o interesse social que autorizaria a sua atuação no processo de conhecimento está vinculado ao núcleo de homogeneidade do direito – elemento que não é preponderante na fase executiva.

Por conta disso, esclareceu, o artigo 100 do CDC previu hipótese específica e acidental de tutela dos direitos individuais homogêneos pelos legitimados do rol do artigo 82, que poderão figurar no polo ativo do cumprimento de sentença por meio da denominada recuperação fluida (fluid recovery).

‘‘Conforme a jurisprudência desta corte, a legitimação prevista no artigo 97 do CDC aos sujeitos elencados no artigo 82 do CDC é subsidiária para a liquidação e execução da sentença coletiva, implementando-se no caso de, passado um ano do trânsito em julgado, não haver habilitação por parte dos beneficiários ou haver em número desproporcional ao prejuízo em questão, nos termos do artigo 100 do CDC’’, afirmou.

No caso em análise, a ministra observou que o TJ-PR decidiu que a associação teria legitimidade para promover o cumprimento de sentença, na qualidade de substituto processual dos direitos individuais homogêneos reconhecidos na ação civil pública. Para ela, contudo, o acórdão violou parcialmente o artigo 100 do CDC, pois não condicionou a legitimidade (subsidiária) da associação às hipóteses previstas no dispositivo.

Leia o acórdão no REsp 1.955.899-PR

PRESUNÇÃO DE LEGALIDADE
STJ suspende decisões que obrigavam a União a pagar R$ 720 milhões adicionais à UTE Uruguaiana

Imprensa STJ

Ministro Humberto Martins
Foto: Imprensa STJ

O presidente do Superior Tribunal de Justiça (STJ), ministro Humberto Martins, suspendeu na segunda-feira (15/8) os efeitos de duas decisões da Justiça Federal da 1ª Região (TRF-1) que impunham à União o pagamento adicional de cerca de R$ 720 milhões à Âmbar Uruguaiana Energia S/A, responsável pela Usina Termelétrica Uruguaiana (UTE Uruguaiana), pela entrega de energia ao Sistema Interligado Nacional (SIN) nos meses de novembro e dezembro de 2021. A suspensão vale até o trânsito em julgado do processo principal.​​​​​​​​​

Para o presidente Humberto Martins, as decisões questionadas pela União trazem risco de graves impactos no setor elétrico, com potenciais prejuízos para os consumidores.​ Segundo a União, as decisões – uma, cautelar, proferida pelo TRF-1 em pedido de suspensão de liminar; outra, a sentença da 6ª Vara Federal Cível do Distrito Federal – resultam em um acréscimo de 4.000% no valor originalmente previsto em contrato, de cerca R$ 15,5 milhões para R$ 755,3 milhões, mas há controvérsia sobre o montante efetivamente devido à Âmbar.

Para o ministro Humberto Martins, além de indevida interferência do Judiciário sobre as políticas energéticas e a gestão do setor pela administração pública, as decisões trazem risco de graves impactos no setor elétrico, com potenciais prejuízos aos consumidores.

‘‘Percebe-se que está caracterizado o perigo da demora inverso, o que pode trazer prejuízos irreversíveis em razão do comprometimento do modelo estabelecido de redução dos impactos do cenário hidrológico, de modo a manter o suprimento de energia elétrica’’, avaliou o presidente do tribunal. Ele observou ainda que as decisões podem causar um ‘‘impacto sistêmico para todo o setor elétrico do país, prejudicando, ao final, todos os consumidores de tal serviço público’’.

Após falhas no fornecimento, União cancelou entregas de energia

Na ação que deu origem à suspensão de liminar e de sentença (SLS), a Âmbar alegou que foi aceita para gerar energia termelétrica para atender o Sistema Interligado Nacional nos meses de outubro, novembro e dezembro de 2021, mas que passou a enfrentar uma série de problemas na aquisição de gás natural. Tal dificuldade resultou no cancelamento, pela União – e sem que a empresa tivesse culpa –, das entregas futuras de novembro e dezembro, devido à insuficiência da energia gerada em outubro.

Em decisão cautelar, o juiz de primeiro grau determinou que a União e o Operador Nacional do Sistema (ONS) assegurassem o recebimento de todas as entregas de energia gerada pela Âmbar relativas aos meses de novembro e dezembro de 2021, inclusive com a contrapartida econômica à UTE.

Após julgamento doTRF-1, o juiz de primeira instância confirmou a liminar e condenou a União e o ONS ao pagamento dos valores à empresa.

Executivo deve estabelecer diretrizes para oferta de energia elétrica

Humberto Martins apontou que, no caso dos autos, está configurada a lesão à ordem pública, tendo em vista que o Judiciário, ao adentrar na esfera administrativa, substituiu indevidamente o Executivo nas diretrizes para a oferta adicional de energia elétrica.

Segundo ele, as decisões judiciais questionadas desconsideram a presunção de legalidade do ato administrativo, o impacto financeiro para os usuários e o possível efeito multiplicador, capaz de trazer risco para todo o sistema.

Humberto Martins disse que não se pode desconsiderar o longo caminho percorrido pela administração pública – a qual possui expertise no setor energético – até chegar ao modelo adotado, sob pena de causar embaraço ao exercício da atividade administrativa e de provocar desequilíbrio sistêmico no setor.

‘‘A administração pública, no caso em tela, de acordo com os ditames legais, instituiu política de enfrentamento à escassez hidrológica visando a regularidade no fornecimento de energia elétrica para os consumidores brasileiros, e essa prerrogativa estatal não pode ser, em nenhuma hipótese, violada, pois configura característica essencial da premissa que informa o regime jurídico da administração pública, que é a supremacia do interesse público sobre o interesse privado’’, concluiu o ministro.

Leia a decisão na SLS 3.152-DF

DIGNIDADE HUMANA
Fazendeiro não consegue tirar nome de lista do trabalho escravo

Secom/TST

A Sexta Turma do Tribunal Superior do Trabalho (TST) julgou improcedente o pedido de um pecuarista de Mato Grosso do Sul para a retirada do seu nome do cadastro de empregadores que mantêm (ou mantinham) trabalhadores em condições análogas à escravidão (conhecida como ‘‘lista suja do trabalho escravo’’). A decisão foi unânime.

Para o colegiado superior, o fato de o proprietário ter arrendado parte das terras para terceiro não o exclui da responsabilidade pela exploração do trabalho em condições degradantes, que ferem a dignidade humana.

Carvoejamento

O pecuarista, proprietário de fazendas em São Gabriel D’Oeste (MS), foi autuado, em 2008, pela fiscalização do trabalho. Os fiscais encontraram três homens e uma mulher submetidos a condições degradantes na atividade de carvoejamento. Eles trabalhavam das 5h às 17h, com pequeno intervalo para o almoço, de segunda a sábado, e, apesar de terem folga aos domingos, não tinham condições de sair do local.

Os trabalhadores recebiam por produção, que variava de acordo com a atividade de cada um. Eles não usavam equipamentos de proteção individual (EPIs) nem passavam por exames admissionais, tampouco recebiam orientações sobre os riscos da atividade. Também não havia instalações sanitárias nem alojamento adequado. Para fazer as suas necessidades fisiológicas, os trabalhadores tinham de utilizar o mato, próximo à bateria de fornos de carvão.

Além de lavrar diversos autos-de-infração, a fiscalização também determinou a inclusão do fazendeiro no cadastro do Ministério do Trabalho e Previdência.

Arrendamento

Contra as medidas, o fazendeiro acionou a Justiça do Trabalho, sustentando ter arrendado parte das terras para uma terceira pessoa, que, agindo com autonomia e independência, teria contratado os trabalhadores para a carvoaria, a partir da madeira que ele havia extraído para a formação de pastagem. Além da exclusão de seu nome do cadastro, ele pedia indenização por danos morais contra a União.

O juízo da 1ª Vara do Trabalho de Campo Grande (MS) julgou o pedido improcedente, mas o Tribunal Regional do Trabalho da 24ª Região (TRT-24, MS) entendeu que as infrações apontadas pela fiscalização não tinham relação com a submissão de trabalhadores a condições análogas à de escravo.

Ministro Augusto César foi o relator
Foto: Secom/TST

Entre outros pontos, o TRT considerou que o proprietário do imóvel rural havia se comprometido, mediante Termo de Ajuste de Conduta (TAC), a adotar medidas direcionadas às questões que envolvem a exploração de sua área e o trabalho necessário para esse fim. Também entendeu que o fato de ele não ter participado diretamente na carvoaria deve ser considerado para a exclusão do seu nome na lista de empregadores.

A União recorreu, então, ao TST.

Condições degradantes

O relator do recurso de revista (RR), ministro Augusto César, explicou que, a partir da alteração do artigo 149 do Código Penal pela Lei 10.803/2003, o crime de reduzir alguém à condição análoga à escravidão passou a abranger, literalmente, a execução de jornada exaustiva e a sujeição a condições degradantes de trabalho.

‘‘A configuração do trabalho escravo atual não depende da restrição da liberdade do trabalhador, conforme jurisprudência do STF, que entende que o bem jurídico tutelado vai além da liberdade individual, englobando também a dignidade da pessoa humana e os direitos trabalhistas e previdenciários, que constituem o sistema social trazido pela Constituição’’, assinalou.

No caso, o ministro destacou que, no contexto descrito pelo TRT, deve ser reconhecida a violação de dispositivos constitucionais e da Lei 5.889/1973, que estatui normas reguladoras do trabalho rural. Para o colegiado, na condição de proprietário rural, o empregador, ainda que indiretamente, se beneficia da mão de obra das pessoas que prestavam serviços em condições degradantes. Assim, não procede a alegação de que elas prestavam serviços para um arrendatário e explorador de carvoaria no local, e não ao dono das fazendas.

Clique aqui para ler o acórdão

RR-1001-43.2011.5.24.0001-MS