PROTEÇÃO EXTRACONTRATUAL
STJ diz que terceiro ofensor está sujeito à eficácia transubjetiva das obrigações

Imprensa STJ

Terceiro que se intromete maliciosamente num contrato também está sujeito à eficácia transubjetiva das obrigações, diz a Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ). É que o seu comportamento não pode interferir indevidamente na relação negocial e, com isso, perturbar o normal desempenho da prestação do contrato pelas partes, sob pena de se responsabilizar pelos danos decorrentes da conduta.

Por isso, o colegiado superior confirmou indenização de R$ 50 mil a um atleta por danos morais. A indenização deve ser paga por terceiro ofensor que enviou carta desabonadora à empresa patrocinadora do jogador, relatando suposta conduta criminosa do atleta patrocinado, com caráter difamatório e vingativo.

De acordo com o princípio da eficácia transubjetiva, os efeitos do contrato podem alcançar terceiros ou, ainda, serem afetados por pessoas que, a princípio, não integram a relação contratual.

Responsabilidade civil não se restringe a rol preestabelecido de direitos

Segundo o relator, ministro Marco Aurélio Bellizze, a responsabilidade civil, em face da sua relevância e da sua natureza dinâmica, não está restrita a um rol preestabelecido de direitos tutelados, sendo possível a proteção das mais variadas órbitas da dignidade da pessoa humana.

O magistrado destacou que a própria evolução da sociedade e o surgimento de relações jurídicas cada vez mais complexas exigiram a expansão da responsabilidade civil.

‘‘Dessa forma, diante do reconhecimento e da ampliação de novas áreas de proteção à pessoa humana, resultantes da nova realidade social e da ascensão de novos interesses, surgem também novas hipóteses de violações de direitos, o que impõe sua salvaguarda pelo ordenamento jurídico’’, explicou no voto.

Proteção da confiança no cumprimento contratual se estende a terceiros

Para o ministro, o comportamento daquele terceiro que interfere ou induz o inadimplemento de um contrato deve ser analisado sob o prisma de uma proteção extracontratual, do capitalismo ético, da função social do contrato e da proteção das estruturas de interesse da sociedade, tais como a honestidade e a tutela da confiança.

‘‘A responsabilização de um terceiro, alheio à relação contratual, decorre da sua não funcionalização sob a perspectiva social da autonomia contratual, incorporando como razão prática a confiança e o desenvolvimento social na conduta daqueles que exercem sua liberdade’’, acrescentou.

Marco Aurélio Bellizze destacou que os contratos são protegidos por deveres de confiança, os quais se estendem a terceiros em razão da cláusula de boa-fé objetiva. Afinal, da mesma forma que um terceiro está protegido de contratos que possam vir a lhe prejudicar, os contratantes também estão protegidos da conduta de terceiro que possa gerar danos ao vínculo contratual.

Terceiro gera prejuízo contratual ao induzir parte a não cumprir com o pacto

O relator destacou que, de acordo com a teoria do terceiro cúmplice, além de estar sujeito à eficácia transubjetiva das obrigações, o terceiro também não pode se associar a uma das partes para descumprir com a obrigação. Nesse caso, ele poderia ser considerado um terceiro cúmplice no inadimplemento daquela prestação.

Para Bellizze, uma das hipóteses em que a conduta condenável do terceiro pode gerar sua responsabilização é a chamada ‘‘indução interferente ilícita’’, na qual o terceiro se intromete na relação contratual mediante informações ou conselhos com o intuito de estimular uma das partes a não cumprir com seus deveres contratuais.

O magistrado ressalvou, no entanto, que a simples emissão de opinião não configura ato ilícito, ‘‘pois a todos é lícito exprimir sua convicção sobre eventuais riscos ou desvios’’, o que, porém, não pode ser exercido de forma maliciosa, exagerada ou proferida em contrariedade à boa-fé objetiva.

Lesão a interesse existencial do atleta

No caso julgado, Bellizze constatou que o terceiro ofensor causou lesão a um interesse existencial do atleta. O ministro ressaltou que, conforme informação dos autos, o terceiro, ao enviar correspondência à patrocinadora do atleta, fez expressa menção a uma denúncia criminal, com emissão de juízo de valor sobre as circunstâncias e adjetivando a conduta do esportista como mentirosa, fraudulenta e desonesta.

Para o relator, na hipótese, a conduta do terceiro não pode ser caracterizada como exercício de sua liberdade de expressão. Bellizze destacou que, como o vínculo contratual entre atleta e patrocinador não se rompeu após a emissão da carta, a indenização pedida foi decorrente apenas dos danos morais causados.

‘‘Importante relembrar que o artigo 187 do Código Civil (CC) reconhece como ilícito, e consequentemente gerador do dever de indenizar, o exercício abusivo de um direito; isto é, mesmo que se considerasse que a conduta foi um ato de liberdade de expressão, foi exercido o direito de forma abusiva, interferindo indevidamente em uma relação jurídica da qual não fazia parte’’, concluiu o ministro-relator.

O número deste processo não é divulgado em razão de segredo judicial.

LIDE SIMULADA
Diretores da Corsetti são condenados por habilitação ilegal de crédito em recuperação judicial

Por Jomar Martins (jomar@painelderiscos.com.br)

Apresentar créditos falsos ao juízo da recuperação judicial, originários de lide trabalhista simulada, é crime previsto no artigo 175 da Lei de Recuperação Judicial e Extrajudicial (Lei  11.101/05). O delito se consuma no instante em que o agente pratica o ato fraudulento, independentemente da obtenção de vantagem, bastando o perigo de lesão ao bem jurídico protegido – qual seja, o interesse dos credores.

O fundamento é da 4ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (TJ-RS) ao confirmar sentença que condenou três empresários (um deles, ex-gerente) por habilitação de crédito trabalhista proveniente de lide simulada perante o juízo de recuperação judicial da Corsetti Alimentos, uma empresa centenária da Serra gaúcha.

A manobra ilegal foi descoberta graças à diligência de um diretor de Secretaria de Vara Trabalhista que, na prática, impediu que o ex-gerente, o reclamante, embolsasse R$ 3,4 milhões, prejudicando os demais credores da recuperação judicial. À época, a empresa devia mais R$ 30 milhões só ao fisco.

Possível bonificação milionária

O relator das apelações criminais, desembargador Julio Cesar Finger, resumiu bem o cerne do delito que envolveu o então gerente João Francisco Teixeira Mota e os dois sócios-administradores da Corsetti. ‘‘Trata-se de contrato de trabalho, com aditivo de bonificação, envolvendo empresa em notória dificuldade financeira, que teria firmado contrato de possível bonificação milionária com gerente da instituição, sem adotar maiores formalidades no registro do contrato. Soma-se a isso o fato de que a habilitação desse crédito ocorreu mesmo sem homologação no processo trabalhista’’, cravou Finger no acórdão, referendando a sentença na íntegra.

Os três denunciados ainda tentaram derrubar a condenação do TJ-RS, aviando recurso especial (REsp) e recurso extraordinário (RE), respectivamente ao Superior Tribunal de Justiça (STJ) e no Supremo Tribunal Federal (STF). Os recursos foram inadmitidos pela Segunda Vice-Presidência da Corte, que faz a admissibilidade. Em decisão monocrática proferida no dia 6 de abril de 2022, o segundo vice-presidente do TJ-RS, desembargador Antonio Vinicius Amaro da Silveira, negou seguimento, mantendo íntegro o acórdão da 4ª Câmara Criminal.

A denúncia do Ministério Público estadual

Segundo o Ministério Público estadual, Geraldo Augusto Corsetti e Giovani Medeiros, sócios e administradores da Produtos Alimentícios Corsetti Indústria e Comércio, junto com o ex-gerente e empresário João Francisco Teixeira Mota, se associaram para fraudar a recuperação judicial da empresa. Os réus foram incursos nas sanções do artigo 175 da Lei 11.101/05 –‘‘Apresentar, em falência, recuperação judicial ou recuperação extrajudicial, relação de créditos, habilitação de créditos ou reclamação falsas, ou juntar a elas título falso ou simulado: Pena – reclusão, de 2 (dois) a 4 (quatro) anos, e multa’’. A denúncia foi ajuizada em 12 de julho de 2016, na 4ª Vara Criminal da Comarca de Caxias do Sul.

Eles foram acusados de juntar, ao processo de recuperação judicial, protocolado no dia 17 de junho de 2012, uma habilitação de crédito trabalhista no valor de R$ 3,4 milhões, fundada em sentença trabalhista originária de lide simulada. O ‘‘beneficiado’’ pela manobra foi João Francisco Teixeira Mota, que havia ajuizado ação reclamatória contra a Corsetti, atribuindo à causa o valor de R$ 50 mil. Saíram prejudicados o fisco e outros credores da recuperanda.

Acusado nega conluio

Ouvido no primeiro grau, Mota negou o conluio. Afirmou que trabalhou na Corsetti por cinco anos, com salário mensal de apenas R$ 5 mil, conseguindo colocar as finanças da empresa em ordem. Informou que, no final de 2009, entrou um novo diretor, que assumiu toda a parte administrativa e quis lhe jogar para a fábrica – o que causou um desacerto e, por consequência, sua demissão em 2010.

Ele esclareceu que tinha um aditivo contratual de metas, prevendo remuneração extra sobre percentuais sobre vendas, de recuperação de clientes e de diminuição de prejuízo, e não sobre lucro, pois era uma empresa antiga, endividada. No entanto, assegurou que nunca recebeu este adicional. Por fim, disse que entrou imediatamente na Justiça do Trabalho para cobrar os direitos do aditivo contratual. E que ficou sabendo, três anos depois, que o seu crédito seria habilitado entre os credores da recuperação.

Segundo o MP-RS, a recuperanda, representada pelos dois sócios, não contestou a decisão do juízo trabalhista, favorável à Mota. Ou seja, não produziu prova testemunhal, não recorreu da sentença trabalhista nem se opôs aos cálculos de liquidação. O administrador judicial da recuperação, com base em informações prestadas pela recuperanda, também não apresentou objeção à pretensão de retificação do valor do crédito trabalhista. Assim, relacionou-o no quadro geral de credores, pedindo a expedição de alvará para o pagamento do valor atualizado – R$ 3,6 milhões.

Diligência do diretor da VT atrapalhou o plano

Tudo parecia correr bem, até que o então diretor da Secretaria da 5ª VT, Ricardo Fabris de Abreu, que atuava na área de execução trabalhista, achou estranho o crédito ter sido habilitado no processo de recuperação judicial sem a devida homologação no processo trabalhista – portanto, sem liquidez e certeza. Foi aí que resolveu pesquisar, de ofício, uma eventual ligação societária entre os envolvidos, notificando o juiz responsável pela recuperação judicial. Ele apurou que Mota, o maior credor da Corsetti, era sócio-administrador da Elfoods Indústria e Comércio de Alimentos Ltda. Esta empresa está estabelecida no mesmo endereço da Lovato S.A. e era maior credora quirografária da recuperanda. A Elfoods, por sua vez, tinha como sócia e responsável Vera Lúcia Carbonera Lovato, mãe de Eduardo Carbonera Lovato, responsável pela credora quirografária Lovato S.A., empresa que desde 2011 fabricava e comercializava os produtos da marca Corsetti. Vera também era sócia da empresa Moratta Imóveis Ltda, cujo sócio-administrador era Giovani Medeiros, diretor da empresa recuperanda. Fabris certificou tudo o que descobriu, registrando em parecer.

MPT-RS denuncia lide simulada

O Ministério Público do Trabalho em Caxias do Sul (MPT-RS), por sua vez, alertado por informações de que a lide era simulada, resolveu agir. Pediu a extinção do processo executivo e a condenação das partes (a empresa reclamada e o reclamante) em litigância de má-fé – o que foi acolhido pela 5ª Vara do Trabalho de Caxias do Sul e confirmado em grau de recurso pelo Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região (TRT-4, RS).

Reclamados e reclamante ainda tentaram reverter a decisão do TRT-4, por meio da interposição de recurso de revista (RR), mas o Regional negou seguimento ao Tribunal Superior do Trabalho (TST). Segundo a decisão, ‘‘as partes incorreram em lide simulada, conduta antijurídica que macula o acesso das partes à justiça […]’’.

Sentença procedente

Após analisar detidamente documentos e relatos de depoimentos, o juiz João Paulo Bernstein julgou procedente a ação. Pelo acervo probatório, ele entendeu que houve indícios claros de ‘‘conluio doloso’’ entre João, Gilberto e Giovani, para simular lide com o objetivo de criar um crédito trabalhista privilegiado elevado, prejudicando os outros credores. Ou seja, restaram restarem plenamente comprovadas a materialidade e a autoria do delito narrado pelo MP, ‘‘que recai induvidosamente sobre os três acusados’’, frisou ao proferir a sentença.

Para o juiz, embora não fizesse mais parte da dos quadros da Corsetti ao tempo da habilitação do crédito na recuperação judicial, João tinha uma série de outras ligações empresariais em comum e estava conluiado com Gilberto e Giovani, que geriam a empresa. Tudo concatenado, segundo o julgador, ficou provado que o ‘‘suposto crédito trabalhista milionário’’ de João foi dolosamente incluído antes de estar liquidado e certo.

‘‘Logo, ao contrário do que alega a defesa de João, a inexistência e a falsidade do vergastado crédito trabalhista ficaram evidenciadas, não apenas pelo depoimento de Ricardo [testemunha], mas também pelas decisões judiciais trabalhistas de 1º e 2º graus que reconheceram simulação da lide, as quais têm, sim, valor probatório e não estão sendo aqui automaticamente consideradas, mas, sim, em cotejo com todo o acervo probatório existente nos autos’’, justificou.

Na fase de dosimetria das penas, Geraldo Augusto Corsetti, Giovani Medeiros e João Francisco Teixeira Mota foram condenados a dois anos e seis meses de reclusão, além do pagamento de 30 dias-multa, na razão unitária de 1/30 do salário mínimo. Em razão do montante das penas aplicadas e da primariedade dos réus, as penas privativas de liberdade foram substituídas por duas restritivas de direito: prestação de serviço comunitário (uma hora por dia de condenação) e pagamento de 10 salários mínimos em favor de entidade indicada pela Vara de Execuções Criminais.

Como efeito da condenação, nos termos do artigo 181, incisos I, II e III, da Lei nº 11.101/05, os condenados ficam impedidos de exercer  qualquer atividade empresarial, bem como cargo ou função em conselho de administração, diretoria ou gerência das sociedades sujeitas àquela Lei, assim como de gerir empresa por mandato ou por gestão.

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Ação penal 010/2.16.0008355-0 (Caxias do Sul-RS)

 

Jomar Martins é editor da revista eletrônica PAINEL DE RISCOS

PRECEDENTE VINCULANTE
STJ segue STF e aplica Convenção de Montreal para indenizar extravio de carga em voo internacional

Imprensa STJ

A indenização decorrente de danos a cargas em transporte aéreo internacional é disciplinada pela Convenção de Montreal (promulgada pelo Decreto 5.910/2006), por força do artigo 178 da Constituição Federal, que estabelece a prevalência dos acordos internacionais subscritos pelo Brasil sobre os normativos internos a respeito do tema.

O entendimento foi fixado pela Segunda Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ) em juízo de retratação, em razão do julgamento do Supremo Tribunal Federal (STF) no RE 636.331 (Tema 210). Em regime de repercussão geral, o STF decidiu que as normas e os tratados internacionais limitadores da responsabilidade das transportadoras aéreas de passageiros – especialmente as Convenções de Varsóvia e de Montreal – têm prevalência em relação ao Código de Defesa do Consumidor (CDC).

Com o reposicionamento jurisprudencial, a Seção deu provimento a recurso especial (RE) interposto por uma companhia aérea condenada a indenizar uma seguradora pelo extravio de carga de equipamentos de informática, avaliada em cerca de R$ 18 mil. O valor da indenização foi limitado pelo colegiado ao patamar estabelecido na Convenção de Montreal.

Antes de pleitear a indenização regressiva, a seguradora havia ressarcido os valores da carga danificada à importadora segurada.

Convenção de Montreal disciplina indenização por extravio de bagagens e cargas

O ministro Luis Felipe Salomão, relator do caso, lembrou que, inicialmente, a Terceira Turma rejeitou o RE da companhia aérea, baseando-se na jurisprudência da corte à época, no sentido da indenização integral, sem aplicabilidade de tratado internacional. Porém, o magistrado observou que, após o julgamento do precedente vinculante, a jurisprudência do STJ se pacificou conforme a orientação do STF.

De acordo com o relator, apesar de o caso analisado não tratar de extravio de bagagem de passageiro, como no processo julgado pelo STF, é ‘‘inequívoco’’ que a responsabilidade civil decorrente de extravio de mercadoria importada, objeto de contrato de transporte celebrado entre a importadora e a companhia aérea, também se encontra disciplinada pela Convenção de Montreal.

Remetente pode pagar valor extra para obter indenização maior

Nos termos da Convenção, explicou o ministro, o transportador é responsável pelo dano decorrente de destruição ou perda da carga sob seus cuidados. Nessa hipótese, a reparação se limita a uma quantia de 17 direitos especiais de saque (DES) por quilograma de carga, a menos que o remetente tenha declarado o valor da carga e pago uma quantia suplementar para que o transportador o indenize até o valor declarado – o que não ocorreu no caso dos autos, segundo Salomão.

‘‘A bem da verdade, o diploma transnacional não impõe uma forçosa tarifação, mas faculta ao expedidor da mercadoria que se submeta a ela, caso não opte por pagar uma quantia suplementar’’, afirmou.

Ao votar pelo provimento dos embargos de divergência (EDs) da transportadora, para dar parcial provimento ao RE, o ministro limitou a indenização por danos materiais pelo extravio da mercadoria ao patamar estabelecido na Convenção de Montreal.

Leia aqui a decisão do ministro Salomão

EREsp 1289629/SP

 

DESVIO FRAUDULENTO DE CLIENTELA
TJ-RS condena empresa catarinense que usurpou marca de erva-mate gaúcha 

Por Jomar Martins (jomar@painelderiscos.com.br)

O uso não autorizado de marca registrada por concorrente gera prejuízos de ordem material e moral, assim como afeta a imagem e o nome comercial da empresa que detém o direito marcário perante os clientes. Com esse fundamento, a 6ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (TJ-RS) condenou  uma fabricante de erva-mate de Santa Catarina a indenizar uma ervateira gaúcha, que registrou primeiro a marca ‘‘Carijo’’ no Instituto Nacional de Propriedade Industrial (Inpi).

‘‘Em que pese a diferença na acentuação do nome da marca do autor e do réu (Carijo e Carijó), resta clara a confusão que os produtos idênticos (Erva-Mate), com nomes praticamente iguais, causam no consumidor, o que caracteriza a violação do direito assegurado ao detentor do registro validamente expedido, de uso exclusivo da marca em território nacional’’, registrou o acórdão.

Para a relatora das apelações na Corte, desembargadora Eliziana Silveira Perez, a ervateira gaúcha tem direito ao pagamento de danos materiais e lucros cessantes – ambos serão apurados em sede de liquidação de sentença por arbitramento. A julgadora, no entanto, achou exacerbado o valor de R$ 100 mil arbitrado no primeiro grau para compensar os danos morais da empresa gaúcha, reduzindo-o para R$ 15 mil.

Derrotada, a ré ainda tentou levar o caso para rediscussão no Superior Tribunal de Justiça (STJ), mas a 3ª Vice-Presidência do TJ-RS inadmitiu o recurso especial (REsp), pondo fim à controvérsia.

Aliás, segundo a jurisprudência do STJ, a finalidade da proteção ao uso da marca – garantida pelo disposto no artigo 5º, inciso XXIX, da Constituição e regulamentada pelo artigo 129 da Lei de Propriedade Industrial – é dupla: por um lado, protegê-la contra usurpação, proveito econômico parasitário e o desvio desleal de clientela alheia; e, por outro, evitar que o consumidor seja confundido quanto à procedência do produto (artigo 4º, inciso VI, do Código de Defesa do Consumidor).

Ação indenizatória

A microempresa Ailton Silva de Vargas, sediada em Sarandi (RS), ajuizou ação de abstenção de uso de marca cumulada com pedido de indenização por perdas e danos, incluindo danos emergentes, lucros cessantes e danos morais, contra Sementes Crestani Ltda, de Palma Sola (SC). Em síntese, reclamou da usurpação da marca ‘‘Carijo’’, que identifica a sua produção de erva-mate. Disse que adquiriu a marca da empresa De Carli & Cia Ltda, em 2007, passando, desde então, a comercializar o produto ‘‘Erva Mate Carijo’’. O registro marcário no Inpi, de número 817565272, data de dezembro de 1995.

Citada pela 3ª Vara Judicial da Comarca de Palmeira das Missões, a fabricante da ‘‘Erva-Mate Carijó’’ apresentou contestação. De relevante, sustentou que, em 2007, a autora não produzia mais erva-mate, embora mantivesse a sua marca. Além disso, a autora teria entrado pedido perante o INPI para renovar o período de concessão para o uso da marca ‘‘Carijo’’ por mais de 10 anos – o que não havia ocorrido até o ajuizamento da ação. Nesta linha, argumentou que a dificuldade enfrentada para conseguir a renovação do uso da marca está na comprovação de efetivo uso desta durante os últimos 12 meses.

A ré afirmou, por fim, que as marcas ‘‘Carijo’’ e ‘‘Carijó’’ conviveram no mercado brasileiro por mais de 20 anos, sem nenhum atrito ou problema comercial.  Tanto que a marca ‘‘Carijó’’ é bastante conhecida nos estados de Santa Catarina, Paraná, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Rondônia e Pará.

Sentença procedente

A juíza Andréia dos Santos Rossatto, em sentença proferida em 17 de junho de 2019, julgou parcialmente procedente a ação indenizatória. Condenou a Sementes Crestani a se abster de utilizar a expressão “Carijó” em todas e quaisquer manifestações, inclusive na internet, quer como nome fantasia, título de estabelecimento, marca, atendimento de chamadas telefônicas, sites de anúncio e listas de serviços online; e a pagar à autora, a título de danos morais, R$ 100 mil. Os pedidos indenizatórios por perdas e danos e lucros cessantes, no entanto, foram negados.

Ao fundamentar a sua decisão na sentença, a juíza observou que a marca ‘‘Carijo’’ foi registrada no Inpi em 1995, com prazo de validade até 26 de dezembro de 2025. Além disso, a própria ré confessou o uso da marca ‘‘Carijó’’ por mais de 20 anos. Ou seja, do que veio aos autos, foi possível concluir que a ré, efetivamente, fez uso de marca de uso exclusivo da autora, usurpando direito alheio.

‘‘Não há como se olvidar a confusão causada no consumidor com a comercialização de produto da mesma espécie com nome inegavelmente semelhante. Aliás, além da grafia, foneticamente, a título exemplificativo, caso algum consumidor fosse a um estabelecimento comercial e pedisse 1kg de Erva Mate ‘‘Carijo’’, a pronúncia seria praticamente a mesma’’, deduziu na sentença.

Para a julgadora, a ocorrência de imitação passível de levar à confusão entre marcas viola o artigo 124, inciso XIX, da Lei de Propriedade Industrial (LPI, Lei 9.279/96). Com isso, dá ensejo à proibição imediata de comercialização do produto que acarrete tal situação, nos termos do artigo 209, parágrafo 1º e 2º do mesmo diploma legal. Ademais, o simples uso indevido da marca configura o ato ilícito, gerando, por si só, o dever de indenizar .

Em agregação aos fundamentos, a magistrada ainda citou o desfecho do julgamento da apelação cível 70076224591, pela 6ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça, em 22 de fevereiro de 2018. Naquela sessão, o desembargador-relator Niwton Carpes da Silva decidiu que ‘‘a colidência de marcas deve ser aferida não só em virtude da similaridade gráfica e fonética, como também da natureza idêntica ou afim dos produtos e serviços que elas visam distinguir’’.

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Processo 020/1.15.0001994-7 (Palmeira das Missões/RS)

Jomar Martins é editor da revista eletrônica PAINEL DE RISCOS

 

 

 

VORACIDADE FISCAL
Josapar se livra de multa de R$ 16 milhões por compensar créditos de IPI antes do trânsito em julgado

Por Jomar Martins (jomar@painelderiscos.com.br)

Se a norma que embasa a aplicação de multa, pela administração fiscal, é passível de mais de uma interpretação, o contribuinte deve ser contemplado com a que lhe for mais favorável. Foi o que decidiu a 1ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4), confirmando sentença favorável a um grande grupo empresarial gaúcho, numa queda-de-braço com a Fazenda Nacional.

A decisão do colegiado, na prática, acabou transformando em pó uma multa aplicada pela Receita Federal – por não homologação de compensação de crédito de IPI – no estratosférico valor de R$ 16 milhões.

Segundo destacou o acórdão, a norma legal invocada pelo fisco federal para sustentar a aplicação da multa isolada é a contida no artigo 18 da Lei 10.833/2003, especialmente quanto à locução presente no caput : ‘‘não ser passível de compensação por expressa disposição legal’’.

O conteúdo do dispositivo invocado, no entanto, abre a possibilidade de dupla interpretação, segundo os julgadores. Ou seja, a norma pode se referir tanto à vedação a qualquer tempo, circunstância em que se teria a conduta ilícita de compensar o que não pode ser compensado; como à vedação momentânea, circunstância em que a compensação autorizada pelo ordenamento terá momento oportuno para ser realizada.

‘‘No caso deste processo, sob o ponto de vista da primeira interpretação,  ao contribuinte é lícito entender que o direito declarado em ação judicial poderia ser compensado de pronto, uma vez que essa sua intenção de compensar – com amparo judicial – não era ilícita. Dado que o art. 170-A do CTN revela sua natureza de norma imperfeita (segundo a doutrina, imperfeita é a norma que não comina sanção), eventual violação dos seus preceitos não acarretaria sanções administrativas. Sob esse ângulo, a aplicação da multa não deve ser admitida’’, cravou no acórdão o relator da apelação, juiz federal convocado Marcelo De Nardi.

Mandado de segurança

Josapar Joaquim Oliveira S.A. Participações impetrou mandado de segurança (MS) contra ato do delegado da Receita Federal em Porto Alegre com o objetivo de anular auto-de-infração que desaguou em multa administrativa no valor de R$ 16,4 milhões. A empresa foi multada por se valer da compensação antecipada de créditos escriturados de Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI), apurados nas aquisições de insumos. Por este detalhe, a compensação não foi homologada na Receita.

Na inicial, a autora disse que se valeu da compensação porque conseguiu obter na Justiça a declaração de inconstitucionalidade/ilegalidade do artigo100, inciso I, letra ‘a’, do Decreto 87.981/82, e do artigo 174, inciso I, letra ‘a’, do Decreto 2.637/98 – ambos os dispositivos vedam o creditamento de IPI nas aquisições de insumos tributados empregados na fabricação de produtos industrializados com saída não tributada. A ação ordinária (2001.71.10.003358-9) foi julgada improcedente no primeiro grau, mas reformada no segundo grau.

Informou que o acórdão de apelação reconheceu o seu direito ao creditamento limitado ao período prescricional de cinco anos anteriores ao ajuizamento da ação, e sua atualização pela taxa Selic. Esse acórdão foi publicado em 9 de abril de 2003 e, a partir dali, passou a escriturar os créditos. Ou seja, estava amparada por autorização judicial concedida pelo TRF da 4ª Região, que excepcionava o artigo 170-A do Código Tributário Nacional (CTN) para permitir a utilização imediata desses créditos.

Multa isolada para não-homologação de compensação

Com isso, historiou, entre 15 de abril e 15 de julho de 2002, formalizou Declarações de Compensação de débitos de PIS e da Contribuição para Financiamento da Seguridade Social (Cofins) no valor de R$ 9,9 milhões, valendo-se dos créditos assegurados na via judicial. A decisão judicial favorável a seu pedido transitou em julgado em 29 de agosto de 2013 (AI 50226839820174040000).

A autora alegou no MS que o auto-de-infração que aplicou a multa invocou como fundamento o artigo 18 da Lei 10.833/2003 (que alterou a legislação tributária federal). Entretanto, o dispositivo prevê a aplicação da multa isolada para não-homologação de compensação apenas quando restar caracterizada a prática de infrações determinadas – o que não é o caso dos autos.

Por fim, sustentou que as decisões administrativas da Receita mantiveram a multa, valendo-se da redação atual desse artigo 18, trazida pela Lei 11.051/2004 (que dispõe sobre o desconto de crédito na apuração da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido – CSLL e da Contribuição para o PIS/Pasep e Cofins não cumulativa). Portanto, posterior aos fatos. Referiu que a redação atual do dispositivo é dada pela Lei 11.488/2007, que prevê multa apenas para a hipótese de a compensação ser considerada não-declarada.

Segurança concedida

Ao analisar minuciosamente o caso, o juízo da 14ª Vara Federal de Porto Alegre decidiu atender ao pedido da autora, concedendo a segurança.  Na fundamentação, o juiz federal Tiago Scherer observou, de início, que, apesar da vitória no TRF-4, a parte autora preencheu as declarações de compensação de crédito tributário sem o trânsito em julgado da ação – e este fato foi destacado no processo administrativo que gerou a multa.

‘‘Como visto, a não homologação [das compensações de crédito, por parte da Receita Federal] não decorreu da constatação de inexistência do crédito em si, mas do fato deste ser originado de decisão ainda não transitada em julgado. Nesses termos, não se discute sobre a existência ou suficiência dos créditos de IPI invocados pela contribuinte em suas compensações, mas apenas a respeito da legalidade do procedimento compensatório não homologado pelo Fisco’’, elucidou o julgador.

O juiz afirmou que a multa estava sendo aplicada a um contribuinte que detinha o direito ao crédito, exercendo-o, no entanto, antes do momento apropriado. Não se trata de não recolhimento ou de sonegação, mas da invocação de crédito, para compensação, antes de preenchido o requisito do trânsito em julgado da decisão que o concedeu. Para o julgador, embora o contribuinte tenha se precipitado na compensação do crédito, tal seguramente se deu por acreditar, mesmo equivocadamente, que isso lhe era permitido por ordem judicial já existente, mesmo sem trânsito em julgado.

‘‘Realmente, esta situação não tem qualquer evidência de abuso por parte do contribuinte, que, frise-se, não causou qualquer prejuízo material à Fazenda. Essas circunstâncias, aliadas ao vultoso valor que a multa atinge, deixam claro que a penalização da impetrante não atende a qualquer finalidade educativa nem repressora, mas gera, isto sim, enriquecimento indevido do ente público’’, concluiu Scherer.

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MS 5016858-19.2017.4.04.7100/RS

Jomar Martins é editor da revista eletrônica PAINEL DE RISCOS