SIMPLES ROÇADA
Fazendeiro prova que não fez valeta em área de banhado, e TJ-RS enterra ação do MP

Por Jomar Martins (jomar@painelderiscos.com.br)

O juiz se submete à causa de pedir definida na petição inicial, obrigação imposta pelos artigos 141 e 492 do Código de Processo Civil (CPC). Logo, não pode decidir fora dos limites, para não proferir sentença acima (ultra), fora (extra) ou abaixo (citra ou infra) do pedido.

O fundamento, literalmente, serviu para enterrar ação civil pública (ACP) intentada pelo Ministério Público (MP-RS) contra um fazendeiro denunciado por construir uma valeta num banhado, em área de preservação permanente (APP) localizada dentro do Parque Estadual do Tainhas, no município de São Francisco de Paula.

Para a 3ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (TJ-RS), tal como o juízo da comarca de origem, os autos sinalizam que a causa de pedir do MP é a construção de uma valeta para drenagem de banhado (0,3 hectare), supostamente realizada pelo réu em 2013. Entretanto, a prova dos autos demonstrou que a valeta escavada na Fazenda Taperinha (adquirida em 1972 pelo réu) é bastante antiga, anterior a 1963, e que a fiscalização ambiental constatou, em verdade, que, em 2013, o proprietário fez uma roçada na área.

Regeneração ambiental

‘‘Embora a prova dos autos aluda ao dano ambiental resultante da intervenção por roçada, não é esta a causa de pedir da presente ação, não podendo a conduta de abertura de vala de drenagem ser imputada ao réu, por ausência de prova da sua autoria’’, registrou a ementa do acórdão que negou apelação do MP.

‘‘Mesmo que a autoria da roçada seja incontroversa [ou seja, do denunciado na ACP], não é essa a causa de pedir, de forma que a manutenção da sentença de improcedência é impositiva’’, fulminou o relator que negou apelação do MP, desembargador Leonel Pires Ohlweiler.

Por derradeiro, o magistrado destacou, com base na perícia, que a vala para escoamento de água, existente no local por décadas, está consolidada e estabilizada. Ou seja, o local se encontra regenerado, tomado por vegetação nativa, sem comprometer as funções ambientais do banhado.

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066/1.16.0000187-0 (São Francisco de Paula-RS)

Jomar Martins é editor da revista eletrônica PAINEL DE RISCOS

AÇÃO IMPRÓPRIA
TST afasta condenação de supermercado por impedir entrada de empregado após demissão

Secom/TST

A Quarta Turma do Tribunal Superior do Trabalho (TST), em decisão unânime, afastou a condenação da Líder Supermercados e Magazine Ltda., de Belém (PA), ao pagamento de R$ 300 mil de indenização por assédio moral a um empregado.

A reparação havia sido deferida em reconvenção (pedido formulado por uma parte em ação ajuizada pela outra) numa ação de consignação originariamente ajuizada pela própria empresa, mas, segundo o colegiado, esse não é o meio processual adequado para discutir a matéria.

Ação de consignação

Em agosto de 2020, a empresa comunicou a dispensa, mas o empregado teria se recusado a aceitá-la e a cumprir o aviso-prévio. Segundo a Líder, ele continuou a trabalhar ‘‘como se nada tivesse acontecido’’, levando-a a tomar medidas para impedir que sua entrada, sem permissão, nas suas dependências. Diante disso, ajuizou a ação de consignação para depositar, em juízo, as verbas rescisórias.

Reconvenção

O empregado, então, apresentou a reconvenção, instrumento utilizado no mesmo processo pelo réu para apresentar, além da contestação, pedidos contra a parte autora. Nela, pediu indenização, alegando ter sido vítima de assédio moral por três dos quatro sócios da empresa, com condutas como constrangimentos, falsa acusação de invasão de propriedade, produção de boletim de ocorrência, instauração de inquérito policial e ações judiciais.

Condenada

No primeiro grau, a empresa teve sua ação de consignação acolhida, com a extinção da reconvenção do empregado. Já o Tribunal Regional do Trabalho da 8ª Região (PA/AP), reformando a sentença, acolheu a reconvenção e condenou a Líder ao pagamento de R$ 300 mil de indenização, por considerar demonstradas as humilhações.

Conexão

No recurso ao TST, a empresa sustentou que não havia conexão entre a ação de consignação e o pedido formulado na reconvenção. Defendeu, ainda, que a demissão se inseria no poder diretivo do empregador e não configurava ato discriminatório nem assédio moral. Segundo a Líder, o empregado fora apenas convidado a prestar esclarecimentos pelo fato de frequentar suas dependências mesmo após ter sido despedido, e, diante de sua resistência, apenas encaminhara a situação às autoridades competentes.

Dispensa válida

O relator do recurso de revista (RR), ministro Ives Gandra, assinalou que a ação de consignação não é o âmbito para discutir validade da demissão e o dano moral dela decorrente. Haveria, no caso, uma impropriedade do meio processual. Segundo ele, a validade da dispensa só poderia ser discutida numa reclamação trabalhista, uma vez que a reconvenção em ação de consignação deve se restringir à matéria objeto do pedido – no caso, o depósito em juízo das verbas rescisórias.

Para o relator, a condenação por danos morais estava ‘‘umbilicalmente’’ ligada à validade da dispensa. ‘‘Se a despedida foi válida, as medidas adotadas pela Líder também o são, não constituindo assédio, mas defesa de seu direito de dispensa e de propriedade’’, acentuou.

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RRAg-540-94.2020.5.08.0003-PA

ROYALTIES INDEVIDOS
Monsanto tem de fornecer as provas para agricultor instruir ação de repetição de indébito

Por Jomar Martins (jomar@painelderiscos.com.br)

O Código de Processo Civil (CPC) diz, no inciso I do artigo 373, que o ônus da prova é do autor da ação. No entanto, diante da dificuldade em cumprir este encargo, o juízo pode, por decisão fundamentada, atribuir o ônus da prova de forma diversa, como acena o parágrafo primeiro deste dispositivo.

Assim, a 5ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (TJ-RS) manteve decisão da Vara Judicial da Comarca de Sarandi, que deferiu pedido de inversão do ônus da prova numa ação de repetição de indébito movida por um grupo de agricultores contra a multinacional Monsanto, dona da soja transgênica Roundup Ready (RR).

Na petição inicial, os agricultores alegaram que a cobrança dos royalties – realizada na entrega dos grãos na cooperativa – nas safras de 2010, 2011 e 2012 é indevida, já que a patente da soja transgênica expirou em 31 de agosto de 2010. Por isso, pleitearam a devolução destes valores, estimado em 2% do pagamento que receberam pela produção.

Teoria das cargas processuais dinâmicas

Como consequência da decisão da 5ª Câmara Cível, a Monsanto terá de trazer ao processo uma planilha com os valores retidos a título de royalties (por uso da tecnologia patenteada desta semente) em nome de cada um dos autores da ação. Afinal, segundo a Justiça gaúcha, a parte a ré detém o controle do quantitativo de terra plantada assim como o faturamento de cada agricultor que optou pela semente transgênica.

Conforme a juíza que proferiu o despacho, Andreia dos Santos Rossatto, trata-se da aplicação da teoria das cargas processuais dinâmicas, uma vez que as partes não se encontram em igualdade de condições para a tarefa de coleta probatória. Ou seja, os agricultores não têm como levantar os valores retidos, em nome de cada um, nos períodos descritos na petição inicial.

Segundo a literatura jurídica, esta teoria facilita os direitos daqueles que, por estarem em posição menos favorecida jurídica ou economicamente, não têm os meios para instruir os pedidos judiciais com os documentos comprovadores de suas alegações.

TJ-RS barra recurso da Monsanto em direção ao STJ

Em combate à decisão, a Monsanto interpôs recurso especial (REsp) no Tribunal de Justiça, a fim de rediscutir a questão no Superior Tribunal de Justiça (STJ). Em caráter monocrático, a terceira vice-presidente da Corte, desembargadora Lizete Andreis Sebben, não admitiu o recurso. Para a magistrada, o entendimento do acórdão combatido está em sintonia com a orientação do STJ no que diz respeita à matéria.

Para ilustrar a sua decisão, a desembargadora citou o desfecho do julgamento do AgInt no AREsp 1.438.327/SP, relatado pelo ministro Marco Aurélio Bellizze: ‘‘A jurisprudência desta Corte Superior admite a aplicação da teoria da distribuição dinâmica do ônus da prova, segundo a qual, havendo peculiaridades relativas à excessiva dificuldade de uma das partes em produzir as provas necessárias, esse ônus deve ser atribuído de forma diversa, por decisão judicial fundamentada, àquela parte que tiver mais facilidade na sua produção, (…). Súmula 83/STJ’.

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Processo 069/1.14.0001480-2 (Sarandi-RS)

 Jomar Martins é editor da revista eletrônica PAINEL DE RISCOS

DIREITO ADUANEIRO
Agente marítimo não responde por infração cometida pelo transportador da carga, diz TRF-4

Por Jomar Martins (jomar@painelderiscos.com.br)

Agência marítima não responde por multas aplicadas à empresa de transporte internacional, se ‘‘deixar de prestar informações sobre veículo ou carga nele transportada ou sobre as operações que execute, na forma e no prazo estabelecidos pela Receita Federal, (…)’’, como penaliza o artigo 107, inciso IV, alínea ‘‘e’’, do Decreto-Lei 37, de 1966. A responsabilidade é exclusiva do agente de carga.

Esta é a conclusão a que chegou a maioria da 2º Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4), ao reformar sentença que julgou improcedente ação anulatória ajuizada contra a Fazenda Nacional por uma agência marítima de Itajaí (SC).

Desde o início, a agência vinha alegando ser parte ilegítima para figurar no processo administrativo que apurou as infrações do transportador marítimo – atraso na prestação das informações sobre 64 embarques, no período de janeiro de 2004 a janeiro de 2005; num dos embarques, houve um atraso de 430 dias para a prestação das informações.

Com a decisão de segundo grau, o auto-de-infração e o respectivo processo administrativo fiscal foram anulados, extinguindo, por consequência, a possibilidade de a agência marítima arcar com multas que chegam à casa dos R$ 320 mil.

Atividades distintas

O voto vencedor neste julgamento, da lavra do desembargador Rômulo Pizzolatti, destacou que não há evidências de que a parte autora exerça a atividade de agente de carga; ou seja, ‘‘pessoa que, em nome do importador ou do exportador, contrate o transporte de mercadoria, consolide ou desconsolide cargas e preste serviços conexos’’, como define o artigo 37, parágrafo 1º, do aludido Decreto-Lei.

Antes, pela descrição do Cadastro Nacional de Pessoas Jurídicas (CNPJ) – lembrou –, trata-se, em realidade, de agente marítimo, cujas atribuições são distintas daquelas do agente de carga. Afinal, sua relação é com o transportador, não com o importador/exportador. Melhor dizendo, ele tem a incumbência de representar o transportador nas relações comerciais no porto, sem se envolver com a documentação aduaneira. ‘‘Não caberia, pois, atribuir ao agente marítimo penalidade estabelecida na lei apenas contra o agente de carga’’, deduziu.

Ausência de responsabilidade tributária

Em arremate, o desembargador ainda citou a orientação posta na Súmula 192 do extinto Tribunal Federal de Recursos (TFR): ‘‘O agente marítimo, quando no exercício exclusivo das atribuições próprias, não é considerado responsável tributário, nem se equipara ao transportador para efeitos do Decreto-lei 37/66’’; e parte da ementa do acórdão do AgInt no TP 1.719/ES: ‘‘(…) A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça encontra-se pacificada no sentido do afastamento do agente marítimo como responsável tributário por obrigação devida pelo transportador’’, da lavra do ministro Francisco Falcão.

‘‘Portanto, por ser a parte autora agente marítimo, sem ter as incumbências típicas do agente de carga, não cabe atribuir-lhe a penalidade imposta pela legislação ao agente de carga’’, fulminou o desembargador-relator, dando provimento à apelação.

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Procedimento comum 5000268-89.2021.4.04.7208/SC

 Jomar Martins é editor da revista eletrônica PAINEL DE RISCOS

DISCRIMINAÇÃO INJUSTIFICADA
Banco é condenado por não promover bancário a gerente no Paraná

Secom/TST

A Terceira Turma do Tribunal Superior do Trabalho (TST) condenou o Banco do Brasil S.A. a pagar R$ 70 mil de indenização a um bancário de Marechal Cândido Rondon (PR) por não tê-lo promovido ao cargo de gerente durante o contrato de trabalho, embora tenha promovido outros empregados, em idêntica situação. Para o colegiado, a conduta do banco foi discriminatória.

Alavancar a carreira

O bancário disse, na ação trabalhista, que havia trabalhado por 32 anos para o banco, chegando a exercer função comissionada por mais de 10 anos, mas a comissão foi retirada em 1993.  Na tentativa de ‘‘alavancar a carreira’’, disse que participou, no início de 1997, de concurso interno de gestores para novos gerentes, mas, mesmo tendo sido classificado e cumprido todas as etapas previstas, o banco “não fez sua parte”.

Remédios controlados

Aposentado em abril de 2012, o bancário sustentou que, desde a retirada da comissão, viu colegas na mesma situação serem renomeados para novas funções.  ‘‘Funcionários que não tinham participado do concurso também eram chamados para substituir o gerente’’, afirmou. Nessa época, sem conseguir ascender profissionalmente, com perda salarial e falta de reajustes salariais, disse que passou a ter problemas de saúde, recorrendo a tratamentos médicos e remédios controlados.

Juiz classista

Em contestação, o Banco do Brasil disse que o bancário havia perdido a comissão porque decidira atuar, em 1994, como juiz classista na Justiça do Trabalho e, ao término do mandato, assumira a sua função originária (escriturário). Segundo o banco, os demais empregados que participaram do programa Novos Gestores já exerciam comissões de nível médio e, por isso, tinham preferência para a função de gerente. A acusação de conduta discriminatória foi rechaçada com o argumento de que o comissionamento de qualquer gerente é decisão administrativa do banco.

Poder diretivo

Ao julgar o caso, o juízo da Vara do Trabalho de Marechal Cândido de Rondon entendeu que a participação no programa Novos Gestores não garantia a nomeação para gerência. Segundo a sentença, a promoção é ato inerente ao poder diretivo do empregador.

Justificativa razoável

Já para o Tribunal Regional do Trabalho da 9ª Região (TRT-9, PR), o empregado fora preterido sem qualquer justificativa razoável. Com o entendimento de que houve conduta discriminatória, o banco foi condenar a pagar indenização de R$ 70 mil. O Tribunal observou que os demais empregados que participaram e foram selecionados pelo programa foram promovidos e que, de acordo com as regras, se houvesse vagas, todos os aprovados em igualdade de condições deveriam assumi-las.

Tratamento diferenciado

O voto do relator do recurso de revista (RR) do banco, ministro Agra Belmonte, foi pela aplicação da Súmula 126 do TST, que proíbe o reexame de fatos e provas em instância extraordinária, diante do quadro descrito pelo TRT paranaense. O ministro lembrou que, no âmbito da relação de trabalho, sempre que o empregador promover tratamento diferenciado entre empregados, sem motivo justificável ou razoável, fica caracterizada a conduta discriminatória.

Limites

Ainda de acordo com o ministro-relator, o poder diretivo do empregador encontra limites na dignidade da pessoa humana e nos direitos da personalidade do empregado, circunstância que desautoriza a prática de discriminação injustificada.

Contra a decisão, o banco apresentou embargos de declaração, ainda não julgados pela Terceira Turma.

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Ag-ARR-277-87.2014.5.09.0668/PR