PRESUNÇÃO DE FRAUDE
Devedor de tributo deve provar que imóvel alienado não configura fraude à execução

Por Jomar Martins (jomar@painelderiscos.com.br)

Para a caracterização de fraude numa execução fiscal, é irrelevante o registro de penhora ou a comprovação de má-fé do alienante, como exigem o verbete 375 do Superior Tribunal de Justiça (STJ). Antes, é obrigação do devedor afastar a presunção de fraude a partir da comprovação sua capacidade em quitar seus débitos junto à Fazenda, como sinaliza o Código Tributário Nacional (CTN).

Neste fundamento, a 2ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (TJ-RS) reformou despacho que não reconheceu fraude à execução movida pelo fisco estadual contra uma empresária do ramo de modas na Comarca de Itaqui. No efeito prático, o reconhecimento judicial de fraude em segunda instância levou à decretação da ineficácia da alienação onerosa de um imóvel da empresa, após a inscrição do débito em dívida ativa. A empresa se encontra ‘‘baixada’’ desde agosto de 2017.

Segundo o despacho, a alienação ou oneração de bem é considerada fraude à execução quando, ao tempo do ato, tramitava contra o devedor ação capaz de reduzi-lo à insolvência – nos termos do artigo 792, inciso IV, do Código de Processo Civil (CPC). ‘‘E, em conformidade com a Súmula nº 375 do STJ, o reconhecimento dessa fraude depende do registro da penhora do bem alienado ou da prova da má-fé do terceiro adquirente’’, expressou a decisão do juízo de origem.

Agravo de instrumento provido

Em combate ao despacho, a Fazenda Estadual aviou recurso de agravo de instrumento na Corte. Alegou que a empresa devedora de ICMS fraudou a execução fiscal ao alienar bem imóvel após a inscrição em dívida ativa. Argumentou que os requisitos indispensáveis à configuração da fraude são meramente objetivos e que estes restaram preenchidos na hipótese dos autos. Pediu a declaração judicial de ineficácia da venda do imóvel.

Para a relatora que deu provimento ao recurso do fisco, desembargadora Lúcia de Fátima Cerveira, alienar bens do patrimônio do devedor, após inscrição em dívida ativa, sem ter reserva suficiente para quitar débitos fiscais, basta para a configuração de fraude à execução. É o que autoriza a leitura do artigo 185, parágrafo único, do Código Tributário Nacional (CTN).

‘‘Diante da presunção de fraude – decorrente da alienação de imóvel após a inscrição do débito em dívida ativa –, incumbe ao devedor o ônus da prova de que foram reservados bens ou rendas suficientes ao total pagamento da dívida inscrita, nos termos do art. 333, inc. I, do CPC’’, complementou no voto.

Para a desembargadora-relatora, o verbete 375 do STJ, publicado em março de 2009, não pode ser aplicado em execuções fiscais. O posicionamento, destacou, foi ratificado pelo mesmo Tribunal ao julgar o REsp 1.141.990/PR em 10 de novembro de 2010. A ementa do acórdão, no ponto: ‘‘A lei especial prevalece sobre a lei geral (lex specialis derrogat Lex generalis ), por isso que a Súmula n.º 375 do Egrégio STJ não se aplica às execuções fiscais’’.

Ônus da prova

Em arremate, a julgadora observou que a devedora não se desincumbiu do ônus de demonstrar que possui outros bens ou rendas suficientes à quitação do débito. Pelo contrário, durante toda a tramitação processual, quedou silente, limitando-se a indicar à penhora bens que compõe seu estoque.

‘‘As inúmeras diligências empreendidas pelo ente fazendário, ao depois, denotam que a parte executada não possui outros bens capazes de suportar a dívida. (…) As diversas tentativas de penhora nas contas correntes da parte executada restaram infrutíferas, assim como a penhora sobre recebíveis de cartão de crédito’’, concluiu.

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Agravo de instrumento 70085515245 (Itaqui-RS)

 

Jomar Martins é editor da revista eletrônica PAINEL DE RISCOS

 

 

PATRIMÔNIO DE AFETAÇÃO
STJ define hipóteses para recuperação de sociedades de propósito específico imobiliárias

Imprensa STJ

A Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) definiu as possibilidades para submeter as sociedades de propósito específico (SPEs), que atuam na atividade de incorporação imobiliária, à recuperação judicial.

O entendimento foi estabelecido em processo de recuperação judicial que envolve grupo empresarial formado por holdings e por diversas SPEs. O Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP) havia admitido a possibilidade de recuperação para as SPEs em geral, com exceção daquelas dedicadas à incorporação imobiliária, independentemente do regime de afetação patrimonial.

Com base nesse posicionamento, o TJ-SP concluiu que deveriam ser afastadas da recuperação as SPEs com patrimônio de afetação; as sociedades que já haviam exaurido o seu objeto e não tinham mais estoque; e aquelas que, apesar da existência de estoque, não tinham mais dívidas. O tribunal também negou a recuperação para as SPEs que estavam inoperantes, pois não haveria atividade empresarial a ser preservada.

Afetação de patrimônio garante execução do empreendimento

Relator do recurso do grupo empresarial, o ministro Villas Bôas Cueva explicou que as SPEs são pessoas jurídicas constituídas com a finalidade exclusiva de executar determinado projeto. Como forma de garantir essa finalidade e evitar o desvio de recursos captados para a execução do objeto social, o magistrado lembrou que a Lei 10.931/2004 acrescentou os artigos 31-A a 31-F à Lei 4.591/1964, introduzindo a figura do patrimônio de afetação na incorporação imobiliária.

‘‘A afetação patrimonial implica a separação de uma parte do patrimônio geral do incorporador, que ficará vinculada a um empreendimento específico, a partir da averbação de um termo de afetação no registro de imóveis’’, esclareceu o relator.

SPE pode, em tese, submeter-se à recuperação

No campo da incorporação imobiliária, comentou o ministro, as atividades são normalmente estruturadas por meio de uma holding, responsável por controlar várias SPEs – cada uma constituída para um empreendimento específico. Nesse caso, prosseguiu, os pedidos de recuperação são feitos pelo grupo empresarial.

Segundo Villas Bôas Cueva, a Lei 11.101/2005 não veda a submissão das incorporadoras ao regime da recuperação, nem impede expressamente a concessão de seus efeitos às SPEs, com ou sem patrimônio de afetação.

Entretanto, no caso das SPEs com patrimônio de afetação, ‘‘os créditos oriundos dos contratos de alienação das unidades imobiliárias, assim como as obrigações decorrentes da atividade de construção e entrega dos referidos imóveis, são insuscetíveis de novação, não podendo o patrimônio de afetação ser contaminado pelas outras relações jurídicas estabelecidas pelas sociedades do grupo’’, afirmou o ministro.

‘‘Encerrada a obra e entregues as unidades aos adquirentes, o patrimônio de afetação se exaure. Eventuais sobras voltarão a integrar o patrimônio geral da incorporadora e, somente a partir desse momento, poderão ser utilizadas para o pagamento de outros credores’’, prosseguiu.

Condições para a recuperação das SPEs

Já as SPEs que não administram patrimônio de afetação podem se valer dos benefícios da recuperação, desde que não utilizem a consolidação substancial e desde que a incorporadora não tenha sido destituída pelos adquirentes na forma do artigo 43, inciso VI, da Lei 4.591/1964.

No caso da consolidação substancial, a Lei 11.101/2005 possibilita a apresentação de um único plano de recuperação para as empresas que integram o mesmo grupo econômico.

‘‘Com efeito, a estipulação da sociedade de propósito específico tem sua razão de ser na execução de um objeto social único, evitando a confusão entre o seu caixa e as obrigações dos diversos empreendimentos criados pela controladora. Diante disso, não se mostra possível a reunião de seus ativos e passivos com os das outras sociedades do grupo em consolidação substancial, salvo se os credores considerarem essa situação mais benéfica’’, afirmou Villas Bôas Cueva.

O relator também ponderou que, no caso da decretação de quebra da incorporadora, a falência não atingirá as incorporações submetidas à afetação. Nesse caso, cabe aos adquirentes optar pela continuação da obra ou pela liquidação do patrimônio de afetação, nos termos do artigo 31-F da Lei 4.591/1964.

No caso dos autos, ele disse que o TJ-SP concluiu não haver atividades a serem preservadas nas SPEs da incorporadora. Ao constatar a ausência de atividade das recorrentes, o tribunal de origem ‘‘não incursionou na viabilidade econômica das empresas, mas, sim, verificou a ausência de um dos pressupostos para o deferimento do pedido de processamento – o exercício de atividade regular pelo prazo de dois anos’’, salientou o ministro. E rever esse entendimento exigiria o reexame de fatos e provas, procedimento vedado em recurso especial pela Súmula 7 do STJ.

Leia o acórdão no REsp 1973180

 

 

 

DIREITO DO CONSUMIDOR
Procon municipal multa fabricante em quase R$ 50 mil por atrasar conserto de TV

Por Jomar Martins (jomar@painelderiscos.com.br)

Os Procons municipais têm legitimidade para impor penalidade administrativa a qualquer fornecedor de produtos ou serviços que descumpra a legislação consumerista no seu âmbito de atuação, independentemente de se tratar de reclamações individuais ou coletivas.

Com este entendimento, sacramentado na jurisprudência, a 3ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (TJ-RS) negou provimento à apelação de um fabricante de TVs, que não conseguiu anular a multa de R$ 47,2 mil aplicada pelo Procon de Canoas (região metropolitana de Porto Alegre). O aparelho que gerou todo o litígio custou R$ 899 e ficou mais de três meses parado no conserto.

Para o colegiado, a multa foi fixada neste patamar em função da gravidade da infração; ou seja, em razão do desinteresse do fornecedor em solucionar o problema do cliente. Afinal, o produto foi encaminhado à assistência técnica e não foi consertado. Tampouco foi entregue ao consumidor. Com isso, decorreu o prazo legal de 30 dias previsto no artigo 18, parágrafo 1º, do Código de Defesa do Consumidor (CDC).

‘‘Não se pode olvidar que o poder de polícia em matéria do consumidor limita a liberdade ou a atividade de particulares relativamente à atividade econômica enquadrada como relação de consumo, pois a utilização de tal prerrogativa situa-se no âmbito do Sistema de Proteção ao Consumidor (artigo 105 do Código de Defesa do Consumidor). O caso em julgamento, portanto, versa sobre o próprio artigo 1º do CDC, segundo o qual as normas de proteção e defesa do consumidor são de ordem pública e interesse social, nos termos do artigo 5º, inciso XXXII, da Constituição Federal’’, resumiu, no acórdão, o desembargador-relator Leonel Pires Ohlweiler.

Ação anulatória

Digibras Indústria do Brasil (nome fantasia CCE) ajuizou ação para anular uma multa administrativa aplicada pelo Procon do Município de Canoas no valor de R$ 47,2 mil. Motivo: o fabricante não resolveu, no prazo legal, o defeito num televisor CCE, adquirido junto ao Carrefour, em janeiro de 2013. Nem restituiu prontamente o dinheiro ao cliente. O aparelho ficou mais de 90 dias na assistência técnica.

A multa foi aplicada com base no artigo 57 do CDC: ‘‘A pena de multa, graduada de acordo com a gravidade da infração, a vantagem auferida e a condição econômica do fornecedor, será aplicada mediante procedimento administrativo, revertendo para o Fundo de que trata a Lei nº 7.347, de 24 de julho de 1985, os valores cabíveis à União, ou para os Fundos estaduais ou municipais de proteção ao consumidor nos demais casos’’.

Sentença de improcedência

Em razões, o fabricante alegou que o processo administrativo que descambou na multa é nulo, pois deixou de ser notificado pelo Procon. O órgão de proteção também teria se mostrado inerte, deixando de mediar uma solução para o conflito. Além disso, o valor da multa, considerando o preço do produto à época, mostra-se desproporcional.

Em 5 de setembro de 2019, o juízo da 2ª Vara Cível da Comarca de Canoas julgou improcedente a ação anulatória. Na percepção da juíza Káren Rick Danilevicz Bertoncello, o procedimento adotado para a aplicação da sanção administrativa pecuniária observou os princípios da ampla defesa e do contraditório, na forma do artigo 5º da Constituição Federal.

‘‘Além disso, a natureza do ato proferido pelo Procon está revestida da presunção de legitimidade, porquanto ato administrativo não sujeito ao controle do Poder Judiciário, salvo hipótese de demonstração de flagrante irregularidade ou invalidade, diante da independência das esferas administrativa e judicial no ordenamento jurídico brasileiro’’, complementou.

Apelação ao Tribunal de Justiça

Inconformado com a manutenção da multa no primeiro grau, a Digibras interpôs recurso de apelação no Tribunal de Justiça. Alegou ‘‘desvio de finalidade’’, já que o Procon não teria legitimidade para impor penalidade administrativa pelo não cumprimento de obrigação de natureza individual. Esta prerrogativa seria exclusiva da Justiça. Assim, as decisões proferidas no processo administrativo teriam extrapolado os limites do poder de polícia.

Entrando no mérito da questão, sustentou que, sem a comprovação do vício de fabricação e eventual falha na prestação do serviço, não subsiste o fundamento fático e jurídico que justifique a aplicação de multa. Por se tratar de processo com natureza sancionatória, o ônus da prova incumbe ao ente público, que deve demonstrar a existência da infração. A não apresentação da prova pericial torna nulo o processo administrativo por vício processual.

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Processo 008/1.17.0017179-3 (Canoas-RS)

Jomar Martins é editor da revista eletrônica PAINEL DE RISCOS

 

 

PORTARIA PGFN 2.381/2021
Contribuinte não pode obrigar fisco a parcelar débitos inscritos em dívida ativa 

Por Jomar Martins (jomar@painelderiscos.com.br)

A Fazenda Nacional pode restringir a transação de débitos fiscais inscritos em dívida ativa, já que detém a prerrogativa de decidir quando e como fará a cobrança de seus créditos. Ou seja, tratando-se de atos privativos da Administração, deve obedecer aos critérios da própria autoridade administrativa.

Por isso, a 1ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4) negou pedido de uma pequena indústria de material elétrico, que queria obrigar a Procuradoria Geral da Fazenda Nacional a receber todos os seus débitos, para viabilizar a adesão à transação excepcional da Portaria PGFN 2.381/2021. A Portaria reabre os prazos para ingresso no Programa de Retomada Fiscal.

No primeiro grau, a 4ª Vara Federal de Curitiba acolheu o mandado de segurança. O juiz federal Marcos Roberto Araújo dos Santos reconheceu que a demora em encaminhar os parcelamentos para a Procuradoria, inscritos em Certidão de Dívida Ativa (CDA) antes do prazo fatal de 31 de agosto de 2021, efetivamente prejudicaria o contribuinte. Afinal, estava-se diante de um prazo exíguo para a realização da transação tributária.

‘‘De fato, sem a intervenção judicial, não seriam os aludidos créditos tributários remetidos, afrontando direito do contribuinte a oportunidade de transação extraordinária pela inércia do ente federal. A procedência se impõe’’, escreveu na sentença.

TRF-4 reforma sentença

O relator da remessa necessária cível (recurso que reexamina as decisões contrárias à Fazenda Pública, nas circunstâncias delineadas em lei) na Corte, desembargador Leandro Paulsen, reformou o julgado, denegando a segurança. Na visão do relator, não há direito do contribuinte a ser tutelado. Também não cabe ao Poder Judiciário intervir no ritmo dos trâmites administrativos.

Conforme o relator, é prerrogativa do fisco proceder à cobrança amigável no âmbito da Receita Federal ou à inscrição em dívida ativa, para subsequente protesto e ajuizamento, ou mesmo transação. Dispõe, para tanto, do prazo prescricional.

‘‘A opção da administração de criar parcelamento apenas para os débitos inscritos em dívida ativa é reflexo de específica política tributária estatal, de modo que não pode o contribuinte determinar quando haverá ou não a referida inscrição, conforme seus próprios termos, sob pena de desvirtuamento da política tributária vigente’’, definiu Paulsen.

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Mandado de segurança 5031260-75.2021.4.04.7000/Curitiba

Jomar Martins é editor da revista eletrônica PAINEL DE RISCOS

 

 

RECURSOS REPETITIVOS
Prazo de vigência de patentes mailbox é de 20 anos, contado da data do depósito do pedido​

Imprensa STJ

O prazo de vigência e o marco inicial previstos no parágrafo único do artigo 40 da Lei de Propriedade Industrial (LPI, Lei 9.279/96) não são aplicáveis às patentes depositadas na forma estipulada pelo artigo 229, parágrafo único, dessa mesma lei – as chamadas patentes mailbox (Tema 1.065).  A decisão, em sede de recursos repetitivos, é da Segunda Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ).

Para os pouco familiarizados com o tema, as patentes mailbox referem-se aos pedidos depositados no Instituto Nacional de Propriedade Industrial (Inpi) entre o início da vigência do Acordo sobre Aspectos dos Direitos de Propriedade Intelectual Relacionados ao Comércio, que em inglês é conhecido como Trips, e a entrada em vigor da LPI.

Com a decisão do STJ, o prazo que passa a valer para esse tipo é de 20 anos, contado da data do pedido pelo interessado – posição também adotada pelo Tribunal Regional Federal da 2ª Região (TRF-2) no julgamento do Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas (IRDR) que deu origem ao repetitivo.

No recurso escolhido como representativo da controvérsia, ao requerer a unificação da jurisprudência sobre o tema, uma empresa alegou que o Inpi, após mais de 16 anos outorgando a proteção pelo prazo de 10 anos a partir da data de concessão, ajuizou mais de 40 ações buscando a nulidade total ou, subsidiariamente, a redução da validade de 240 patentes, dos mais diversos titulares, para o prazo previsto no artigo 40, caput, da LPI.

Produtos ou processos farmacêuticos e equipamentos ou materiais de uso em saúde

A tese vencedora no julgamento do repetitivo foi apresentada pela ministra Nancy Andrighi (relatora para o acórdão). Ela destacou que, ao analisar a Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 5.529, o Supremo Tribunal Federal (STF) declarou inconstitucional a norma do parágrafo único do artigo 40 da LPI – dispositivo que serviu de fundamento para a concessão das patentes mailbox , objeto das ações de nulidade que deram causa à instauração do IRDR pelo TRF-2.

Nancy Andrighi explicou que, diante disso, surgiram duas situações. A primeira se refere a todas as patentes concedidas com extensão de prazo (artigo 40, parágrafo único, da LPI), relacionadas a produtos ou processos farmacêuticos, bem como a equipamentos ou materiais de uso em saúde, em que foi aplicado efeito ex tunc (retroativo) – o que resultou, conforme expressamente decidido pelo STF, justamente na perda dessas extensões.

“Para essas patentes – sejam elas ordinárias, sejam mailbox –, deve ser respeitado o prazo de vigência estabelecido no caput do artigo 40 da LPI (20 anos contados da data do depósito), sem exceção”, declarou.

Outros tipos de produtos ou processos

No segundo caso, inserem-se as que foram concedidas a outros tipos de produtos ou processos, situação em que houve a modulação de efeitos pelo STF, de maneira que, ‘‘sob o prisma estrito da constitucionalidade’’, não foram invalidadas as extensões de prazo concedidas com base no parágrafo único do artigo 40 da LPI. Para essas, a relatora seguiu os precedentes já firmados pela Terceira Turma nos Recursos Especiais 1.721.711 e 1.840.910 e no Agravo em Recurso Especial 1.457.351.

Nesses julgados, o colegiado definiu, por unanimidade, que o referido dispositivo – o qual garantiria que as patentes vigorassem por 10 anos a contar da data da respectiva concessão pelo INPI – não poderia incidir nas patentes mailbox.

A magistrada salientou, ainda, que o privilégio garantido no caput do artigo 40 da LPI, segundo a regra do parágrafo único do mesmo dispositivo (revogada pela Lei 14.195/21), não pode – excetuadas as hipóteses em que o INPI estiver impedido de proceder ao exame do pedido por pendência judicial ou força maior – ser inferior a 10 anos (invenção) e sete anos (modelos de utilidade) desde a respectiva concessão.

‘‘Tratando-se de patentes excepcionalmente depositadas pelo sistema mailbox, a LPI, em suas disposições finais e transitórias (artigo 229, parágrafo único), estabeleceu regra expressa assegurando proteção limitada unicamente ao lapso de 20 anos (ou 15, para modelos de utilidade) contados do dia do depósito (conforme estipulado pelo citado artigo 40, caput)’’, afirmou.

Interesse social envolvido nas decisões sobre o tema

Outro ponto destacado pela relatora é o interesse social envolvido em tais questões. Por isso, lembrou, qualquer tentativa de extensão do prazo de vigência – e, consequentemente, de sua entrada em domínio público – deve ser apreciada com cautela adicional, pois necessariamente importa prejuízo para a sociedade.

‘‘A questão jurídica posta a desate extrapola, como antes assinalado, a mera relação existente entre o Inpi e os titulares dos direitos questionados, sendo certo que os efeitos do ato administrativo de concessão das patentes se irradiam por todo o tecido social, afetando diretamente o público consumidor e impondo restrições à esfera concorrencial, além de contribuir para encarecer a execução de políticas públicas’’, disse a ministra.

Para Nancy Andrighi, sopesados os interesses em conflito, não seria razoável ‘‘impor pesados encargos à coletividade em benefício exclusivo dos interesses econômicos dos titulares de direitos patentários, sendo certo que eventual prejuízo causado pela demora do Inpi não autoriza que tal ônus seja transferido à sociedade’’.

Leia o acórdão no REsp 1.869.959