CHRISTIAN LOUBOUTIN
Quando uma das marcas de posição mais famosas no mundo é indeferida pelo INPI
Vanessa Pereira Oliveira Soares
A marca é um sinal utilizado para distinguir e identificar um produto ou serviço. A Lei de Propriedade Industrial prevê a possibilidade de registro de todos os sinais distintivos visualmente perceptíveis, desde que não compreendidos nas proibições legais (artigo 122, Lei 9.279/96).
Quanto à apresentação, o sistema brasileiro de registro de marcas previa, até setembro de 2022, a proteção das marcas nominativas (proteção da palavra que constitui a marca), figurativas (proteção de um desenho que simboliza a marca), mista (reunião da figura /desenho mais a palavra com escrita estilizada), tidas como marcas tradicionais e tridimensionais (proteção da forma plástica – embalagem ou do produto – capaz de individualizar o produto), único tipo de marca não-tradicional registrável no Brasil até então.
Com o advento da Portaria 37 de 13 de setembro de 2021, o Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI) passou a prever a possibilidade de registro das marcas de posição, um tipo de marca não tradicional, até então registrável em países como França, Estados Unidos, Reino Unido, Japão, Itália e Espanha, entre outros.
Existem diversas espécies de marcas não-tradicionais, como movimentos, táteis, olfativas, sonoras, gustativas, hologramas, tridimensionais, de posição, entre outras.
Será registrável como marca de posição, conforme disposto na resolução referida, o conjunto distintivo formado pela aplicação de um sinal, em uma posição singular e específica de um determinado suporte, desde que dissociada de efeito técnico ou funcional.
A Portaria cedeu a possibilidade de alteração da forma de apresentação, dos pedidos de registro deste tipo de marca realizados antes do advento da norma, facultando aos interessados a alteração dos pedidos no prazo de 90 dias de sua entrada em vigor.
Foi assim que o caso emblemático da marca de posição do famoso sapato do solado vermelho Christian Louboutin ganhou grande repercussão nos últimos meses.
A marca, inicialmente solicitada em 2009 sob apresentação tridimensional, pretendia a proteção do solado vermelho de um sapato feminino de salto alto, com uma tonalidade específica (Pantone nº 18.1663 TP), excetuado o salto.
Utilizando a faculdade de alteração da apresentação da marca, prevista pela Portaria do INPI 37/2021, a titular da marca peticionada na Autarquia exigiu a alteração de marca figurativa para marca de posição.
Submetido ao exame de mérito, o pedido da marca de posição do famoso sapato com solado vermelho foi indeferido, sob o argumento raso de não ter cumprido o requisito de distintividade do sinal aplicado.
Tal decisão foi extremamente criticada por falta de fundamentação. E, de fato, com razão, pois o Manual de Marcas (2023) é claro ao tratar do exame substantivo e análise de pedidos de marca de posição, referindo que: A singularidade da posição refere-se a mesma ser peculiar no suporte, não se tratando de uma posição tradicionalmente usada para a aplicação de sinais marcários.
Ao tratar da análise da distintividade, o mesmo Manual estabelece: Para que a marca de posição atenda ao requisito de distintividade, é necessário que a aplicação do sinal ao suporte resulte em conjunto distintivo, sendo percebido como marca. O exame de marca de posição afere primordialmente se o conjunto resultante da aplicação de um sinal marcário em um determinado suporte apresenta potencial distintivo, reunindo características (singularidade da posição e distintividade do sinal) que o tornem capaz de ser reconhecido pelo consumidor e associado ao produto ou serviço que assinala – independentemente do sinal já estar em uso no mercado .
O titular do pedido, então, abdicou do direito de recurso administrativo sobre a decisão e recorreu ao Poder Judiciário, objetivando a nulidade da decisão do INPI.
Em sede liminar, o juízo da 13ª Vara Federal do Rio de Janeiro deferiu a antecipação da tutela para determinar a suspensão do ato administrativo que indeferiu o pedido de registro da marca até o final do processo.
Certamente, a juíza Márcia Maria Nunes de Barros observou a presença da distintividade no pedido de registro para a marca de posição, na medida em que: a) ela é formada pela aplicação de um sinal (cor vermelha com tonalidade específica Pantone nº 18.166TP), em uma posição específica (solado, com exceção da área do salto) de um determinado suporte (sapato feminino de salto alto) a titular do pedido de registro; b) a utilização do sinal na posição determinada não está associada ao efeito técnico ou funcional; c) normalmente, as marcas não são posicionadas no solado dos sapatos; d) a marca é aplicada numa posição específica; e) o conjunto resultado da aplicação da cor vermelha, com determinada tonalidade – Pantone nº 18.166TP – em sapatos femininos de salto alto apresenta em princípio potencial distintivo,
A magistrada ainda destacou ser de conhecimento público que o famoso estilista Christian Louboutin utiliza como forma visual de seus produtos a aplicação de solado vermelho nos sapatos femininos de salto alto, além do fato de possuir registro de marca de posição em mais de 20 países. Desta forma, manter a decisão de indeferimento da marca poderia ocasionar diversos danos à marca, na medida em que a concorrência poderia acreditar que o sinal já estaria em domínio público e seu uso seria liberado.
Vanessa Pereira de Oliveira Soares possui MBA em Direito Empresarial, em Direito de Propriedade Intelectual e é coordenadora da área de Propriedade Intelectual do escritório Cesar Peres Dulac Müller Advogados (CPDMA), com atuação no RS e SP.
Clique aqui para ler a Portaria do INPI
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5082257-22.2023.4.02.5101 (Rio de Janeiro)