CONCRETIZAÇÃO DA ATIVIDADE-FIM
Revendedor retalhista de combustível tem direito a creditamento de ICMS, decide TJRS

Por Jomar Martins (jomar@painelderiscos.com.br)

Divulgação Guterres

O transportador revendedor retalhista (TRR) faz jus ao aproveitamento do crédito do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) incidente sobre a compra de combustíveis e de peças de reposição e manutenção para a sua frota de veículos.

A conclusão é da 22ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (TJRS), ao reformar sentença que denegou a segurança pleiteada pela Guterres Comércio de Combustíveis Ltda., inconformada com ato da autoridade fiscal que veda o direito de créditos fiscais de ICMS sobre as compras dos principais insumos utilizados no comércio atacadista de combustíveis.

A relatora da apelação, desembargadora Marilene Bonzanini, disse que a Corte, em consonância com a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça (STJ), reconhece o direito ao creditamento de ICMS relativo à aquisição de insumos. E não só os consumidos no processo e integrantes do produto final, mas também daqueles vinculados à atividade do estabelecimento, os chamados produtos intermediários imprescindíveis à atividade-fim, ainda que não integrados ao produto final, sem limitação temporal prevista na legislação.

Princípio da não-cumulatividade

Desa. Marilene Bonzanini foi a relatora
Foto: Jônatas da Costa/Ascom TRE RS

Ela explicou que tal possibilidade decorre do princípio da não-cumulatividade, esculpido no artigo 155, parágrafo 2º, inciso I, da Constituição Federal. O dispositivo autoriza a compensação do ICMS incidente em cada operação de circulação de mercadorias ou em cada operação de prestação de serviços, com o montante cobrado nas operações anteriores.

‘‘Quer dizer, em virtude do princípio da não-cumulatividade, seria reconhecida, em tese, a possibilidade de a impetrante [do mandado de segurança], ora apelante, de creditamento dos valores de ICMS relativos a aquisições do combustível utilizado em sua frota de veículos, peças de reposição/manutenção, desde que utilizados para a concretização da atividade-fim da empresa’’, escreveu no acórdão.

Atividade principal: comércio atacadista de combustíveis

A julgadora destacou que a atividade principal da Guterres é o comércio atacadista de combustíveis, realizado por TRR. Esta informação se torna imprescindível na medida em que o juízo de origem, que denegou a segurança, entendeu que tal atividade não corresponderia a transporte propriamente dito.

‘‘Entretanto, nem por isso se pode ignorar que há transporte do combustível destinado à venda e, por conseguinte, a imperiosidade de ser utilizado combustível neste transporte. Quer dizer, a mesma razão jurídica que se aplica a outros casos de transporte se apresenta inafastável também nas hipóteses, como a em tela, em que se cuida de transportador retalhista (T.R.R)’’, fulminou a desembargadora-relatora no acórdão, concedendo a segurança.

Mandado de segurança

Guterres Comércio de Combustíveis Ltda. impetrou mandado de segurança (MS) na 6ª Vara da Fazenda Pública do Foro Central da Comarca de Porto Alegre, em face do subsecretário da Receita Estadual, para ver reconhecido o seu direito de realizar o creditamento de ICMS sobre as aquisições de combustíveis para a sua frota de veículos, bem como de peças de reposição/manutenção, bens destinados ao seu ativo permanente. A empresa se dedica, principalmente, ao comércio atacadista de combustíveis realizado por transportador retalhista (TRR).

Denunciou que a Secretaria da Fazenda do RS, por meio do Parecer 12.030, veda o creditamento, argumentando que tais insumos devem ser considerados material de consumo do estabelecimento. Nesse raciocínio, o ICMS relativo à sua entrada somente poderia ser creditado a partir da data firmada no artigo 33, inciso I, da LC 87/96, com igual redação no artigo 33, inciso XII, do Livro I do RICMS/RS.

A impetrante salientou que a legislação estadual nada prevê acerca do aproveitamento do crédito por contribuintes sujeitos à técnica da substituição tributária (ST) para frente. Esclareceu, por fim, que não objetiva a concessão do direito creditório quanto às mercadorias vendidas por substituição tributária, mas quanto aos insumos necessários para o desenvolvimento da sua atividade econômica e aos bens destinados ao seu ativo permanente.

A defesa do fisco estadual

Em defesa, a autoridade coatora lembrou que a Constituição adotou o critério chamado ‘‘crédito físico’’ para o aproveitamento de insumos, no sentido de que só podem ser abatidos do valor do tributo produtos que venham a sair do estabelecimento ou que se integrem aos produtos que saírem do estabelecimento.

Quanto à transferência de saldo credor de ICMS-ST (substituição tributária), disse que ‘‘não há o que falar em direito ao creditamento de ICMS fruto da diferença de preços entre valor do bem adquirido e preço de revenda, conforme definido pelo Supremo Tribunal Federal (STF) no julgamento do Tema 201’’. É que, na aquisição de combustível para consumo próprio, não há venda ao consumidor nem diferença de bases de cálculo presumida ou real.

Assim, ante a impossibilidade de transferência a terceiros do saldo credor acumulado, pediu a denegação da segurança.

Segurança denegada no primeiro grau

O juízo da 6ª Vara da Fazenda Pública observou que a parte autora tem como atividade principal o ‘‘comércio atacadista de combustíveis realizado por transportador retalhista’’; ou seja, embora esta sustente que as aquisições se destinam ao exercício de sua atividade-fim, a atividade principal não corresponde à prestação de serviços de transporte – mas ao comércio atacadista de combustíveis.

Para a juíza Marialice Camargo Bianchi, o transporte das mercadorias próprias configura mero diferencial competitivo, atividade-meio que dá suporte à atividade-fim, prestada à empresa por si mesma, no seu próprio interesse.

‘‘Nesse sentido, o combustível, lubrificante, e peças e partes de reposição adquiridos pela impetrante não representam insumos utilizados na consecução da atividade-fim do contribuinte, mas bens de uso e consumo empregados na atividade-meio. Ou seja, apenas dão suporte à atividade principal.’’

Diante do conjunto probatório carreado aos autos e da legislação de regência, a juíza entendeu que a impetrante não faz jus a concessão da segurança. Isso porque, diante da atividade principal desempenhada pela empresa, o direito ao creditamento de ICMS decorrente das aquisições de combustíveis, lubrificantes e peças é vedado pelo disposto nos artigos 20, parágrafo 1º, e 33, da LC 87/96.

‘‘Por outro lado, […] a impetrante pleiteia tão somente o direito de transferir o saldo credor de ICMS-ST oriundo das aquisições das mercadorias objeto da ação (combustível utilizado em sua frota de veículos, peças de reposição/manutenção e aquisição de bens destinados ao seu ativo permanente). Logo, não havendo o reconhecimento do direito de crédito, a controvérsia acerca da transferência de seu saldo credor restou prejudicada, razão pela qual deixo de apreciar a questão. Em face do exposto, denego a segurança’’, decretou a juíza na sentença.

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MS 5108481-41.2022.8.21.0001 (Porto Alegre)

 

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