DANO MORAL COLETIVO
Condomínio não pode exigir certidão de antecedentes criminais para acesso de prestadores de serviços, decide TRT-RS

A proteção à propriedade privada não pode servir de argumento para justificar a exigência de certidão de antecedentes criminais a trabalhadores que prestam serviço em residências localizadas em condomínio. Afinal, esta prática afronta o direito de acesso ao trabalho e ainda fere direitos de personalidade do trabalhadores (intimidade, honra, imagem).

Nesse fundamento, a 4ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região (TRT-4, Rio Grande do Sul) proibiu que o Condomínio Horizontal de Lotes Rivieira, em Xangrilá, no litoral norte gaúcho, exigisse antecedentes criminais de trabalhadores que prestam serviços nas residências.

Os magistrados foram unânimes ao confirmar a sentença do juiz Luís Fernando da Costa Bressan, do Posto da Justiça do Trabalho de Capão da Canoa, que acolheu a ação civil pública (ACP) manejada pelo Ministério Público do Trabalho do Rio Grande do Sul (MPTRS)

Para os integrantes do colegiado, trata-se de prática discriminatória que deve ser severamente coibida, sob pena de perpetuar preconceito contra trabalhadores de baixa renda e de pouco acesso a estudo. E não só: a conduta afronta direitos humanos e trabalhistas basilares, causando insegurança jurídica e configurando ofensa ao patrimônio moral coletivo

Mantida a conduta discriminatória, há previsão de multa de R$ 20 mil por trabalhador atingido. Ainda foi fixado o pagamento de R$ 20 mil a título de danos morais coletivos, a serem revertidos ao Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT).

A partir de denúncia que gerou um inquérito civil do MPT, foi constatado que os condôminos aprovaram em assembleia que os prestadores de serviços deveriam apresentar certidões criminais emitidas pelas Justiças Estaduais e Federais para poderem acessar as casas.

Enquanto o MPT e o condomínio tentavam formalizar um termo de ajustamento de conduta (TAC), o condomínio ratificou a postura e ainda apresentou nova ata de assembleia com restrições mais severas impostas aos trabalhadores.

Frustrada a negociação, o MPT ajuizou a ação

O condomínio alegou que a proibição representava ‘‘risco ao direito de livre disposição, fruição, uso e gozo da propriedade privada’’. Sustentou que o julgamento procedente da ACP constituiria a legitimação da intervenção estatal na propriedade privada em forma diversa à legalmente prevista (desapropriação).

Em sentença, foi confirmada a tutela de urgência, com a determinação para que o condomínio, imediatamente, deixasse de utilizar banco de dados com informações sobre antecedentes criminais e se abstivesse de prestar, buscar ou exigir as informações como condição para o acesso ao local, sob pena de multa de R$ 20 mil, por trabalhador prejudicado, a cada descumprimento.

Para o juiz Luís Fernando, a decisão tomada em assembleia geral viola os princípios da dignidade da pessoa humana e do valor social do trabalho. Ele ressaltou que ‘‘o condomínio, na condição de pessoa jurídica de direito privado, não pode se imiscuir em poder que não lhe é afeto, haja vista que inflige aos trabalhadores persecução criminal que cabe tão somente ao Estado’’.

‘‘Ao decidir acerca das regras a serem cumpridas dentro de sua área não pode atentar contra a Constituição e legislação vigente. No caso, além de impedir o livre exercício ao trabalho, está a infligir aos trabalhadores que se enquadram dentre as hipóteses elencadas na assembleia geral acima descritas, condenação preliminar e perpétua, o que não se pode admitir’’, afirmou o magistrado.

O condomínio recorreu ao TRT-RS, mas a sentença foi mantida. ‘‘Não apenas a individualidade de cada empregado é atingida, mas toda a coletividade, que vê a perpetuação de descumprimentos de direitos humanos e trabalhistas basilares em desvirtuamento do que estabelece a legislação, causando insegurança jurídica e configurando ofensa ao patrimônio moral coletivo, o que justifica a indenização pleiteada’’, disse a relatora do acórdão, desembargadora Ana Luíza Heineck Kruse.

A magistrada ainda chamou a atenção para a tentativa do condomínio de burlar a proibição determinada em sentença. Mesmo após o encerramento da instrução, houve um novo pedido para que o condomínio pudesse examinar certidões que seriam exigidas pelos próprios condôminos.

Também participaram do julgamento os desembargadores João Paulo Lucena e André Reverbel Fernandes.

Cabe recurso de revista (RR) ao Tribunal Superior do Trabalho (TST). Redação Painel de Riscos com informações de Sâmia de Christo Garcia/Secom/TRT-4.

Clique aqui para ler o acórdão

Clique aqui para ler a sentença

ACPCiv 0021493-43.2023.5.04.0211 (Capão da Canoa-RS)