DANO MORAL COLETIVO
TJRS condena arroz Tio Urbano por não informar resíduo de agrotóxico na embalagem

Por Jomar Martins (jomar@painelderiscos.com.br)

Oferecer ao mercado um alimento em desacordo com as normas regulamentares de fabricação, sem advertir que pode ser nocivo à vida e à saúde humana, viola o direito dos consumidores à informação correta e causa dano moral coletivo.

A conclusão é da 11ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul (TJRS), ao confirmar, na íntegra, sentença que condenou a embaladora do arroz Tio Urbano a pagar R$ 80 mil, a título de danos morais coletivos, por disponibilizar ao consumidor gaúcho um produto com resíduos de agrotóxico, sem fazer nenhuma advertência ao consumidor.

A relatora da apelação no colegiado de segundo grau, desembargadora Inês Claraz de Souza Linck, rebateu a teses da empresa ré – de que deveria ter a sua responsabilidade excluída, por ofensa ao direito de defesa, e por entender que as ações consumeristas de reparação deveriam ser ajuizadas de forma individual.

Para a relatora, ‘‘é evidente que a aplicação do fungicida foi colocado na produção do arroz acima do permitido, e quanto a isso não há controvérsia, pois as demais análises apresentadas pelo réu em sua defesa se dão em épocas diferentes e não são do Lote sub judice; portanto, não podem ser consideradas para o casoconsoante dispõe os artigos 6º, incisos II e III c/c 18, caput, ambos do CDC’’.

Ação coletiva de consumo

Desa. Maria Inês Linck foi a relatora
Foto: Imprensa/TJRS

O Ministério Público do Rio Grande Sul (MPRS), por meio da Promotoria de Justiça de Defesa do Consumidor de Porto Alegre, ajuizou ação coletiva de consumo em face de Urbano Agroindustrial Ltda., empresa sediada em Jaraguá do Sul (SC) e com unidade de produção em São Gabriel (RS), pela prática abusiva de vender arroz contaminado com agrotóxico. Isso depois de tentar, sem sucesso, a assinatura de um Termo de Ajuste de Conduta (TAC) com a indústria arrozeira.

Segundo a peça inicial, protocolada na 15ª Vara Cível da Comarca de Porto Alegre, a amostra de arroz da marca Tio Urbano apresentava resíduos do fungicida piraclostrobina acima do limite permitido pela legislação. O fungicida é altamente tóxico, podendo causar irritação respiratória e na pele do aplicador, além de prejudicar a vida aquática, pelos seus efeitos duradouros no ambiente.

O inquérito civil, que lastreou a ação, foi instaurado a partir de representação encaminhada pela Secretaria Estadual de Saúde (Setor de Alimentos), noticiando documentação encaminhada pela Vigilância Sanitária do Estado de Tocantins. Ou seja, a mostra do arroz veio de Palmas (TO).

Invocando a aplicação do Código de Defesa do Consumidor (CDC), o MP gaúcho pediu que a empresa fosse responsabilizada por expor à venda produto fora dos padrões legais de qualidade, impróprio ao consumo. Pediu, liminarmente, que a ré fosse compelida a não mais ofertar, manter em depósito ou comercializar produtos fora das especificações legais, sob pena de multa.

Na análise de mérito, requereu a procedência da ação para: ratificação da antecipação de tutela; condenação da empresa ao pagamento de danos morais e materiais causados individualmente aos consumidores; e a condenação genérica pelos danos causados aos direitos e interesses difusos, decorrentes do abalo à harmonia nas relações de consumo.

A defesa da empresa

Deferida parcialmente a liminar, a empresa apresentou defesa. Afirmou que os agrotóxicos detectados na mostra de arroz são os recomendados pela pesquisa agronômica, assim como os níveis de contaminação estão dentro do permitido pela legislação brasileira.

Alegou que o resultado da perícia atestou a presença de piraclostrobina na quantidade de 0,03mg/kg, enquanto o limite máximo, constante na análise, seria de 0,02mg/kg. Portanto, a amostra imputada como ‘‘nível insatisfatório’’ de resíduos decorreu da presença de 0,01mg/kg da substância testada. Esclareceu que a amostra foi testada em 1,064kg de arroz, o que extrapola os limites de quantificação adotados como parâmetros.

Ainda na contestação, a ré sustentou que não existe norma que a obrigue a realizar a testagem do grão na fábrica. Afinal, a utilização do agrotóxico se dá na lavoura, no cultivo propriamente do arroz, e não no beneficiamento/empacotamento do grão – atividade a qual se dedica. Em suma, garantiu que não tem qualquer ingerência na fase de produção do arroz.

Sentença de procedência

A juíza Débora Kleebank rebateu uma das principais alegações da parte ré, de que seria parte ilegítima para figurar no polo passivo da ação. É que a imputação de sua responsabilidade está prevista no artigo 18 do CDC: ‘‘Os fornecedores de produtos de consumo duráveis ou não duráveis respondem solidariamente pelos vícios de qualidade ou quantidade que os tornem impróprios ou inadequados ao consumo a que se destinam ou lhes diminuam o valor, assim como por aqueles decorrentes da disparidade, com a indicações constantes do recipiente, da embalagem, rotulagem ou mensagem publicitária, respeitadas as variações decorrentes de sua natureza, podendo o consumidor exigir a substituição das partes viciadas’’.

Segundo a julgadora, em se tratando de responsabilidade objetiva, a simples colocação do produto no mercado basta para que o consumidor tome as medidas necessárias contra qualquer integrante da cadeia consumerista, responsável por sua disponibilização.

Citando o inciso III do artigo 6º do CDC, ela lembrou que o consumidor tem direito à informação adequada e clara sobre o produto que consome, com ‘‘especificação correta de quantidade, características, composição, qualidade, tributos incidentes e preço, bem como sobre os riscos que apresentem’’. E, no caso concreto, a empresa violou o direito à informação, pois deixou de informar corretamente os níveis de resíduos tóxicos no arroz.

A prática abusiva, segundo a julgadora da 15ª Vara Cível de Porto Alegre, ofende o CDC, já que, segundo a doutrina de Orlando Celso da Silva Neto [na obra Comentários ao Código de Defesa do Consumidor], o fornecedor tem o dever de veracidade, lealdade, boa-fé, transparência, adequação (do produto/serviço e oferta/publicidade), conformidade, proteção à segurança e à expectativa legítima do consumidor. Logo, qualquer prática comercial que não atenda a esses requisitos é abusiva.

Pelos fundamentos expostos, a juíza Débora Kleebank entendeu como configurado o dano moral coletivo, arbitrando o valor da indenização em R$ 80 mil, reversível ao Fundo de Reconstituição de Bens Lesados (FRBL), criado para custear projetos que previnam ou recuperem danos sofridos pela coletividade. Também determinou que a ré indenize os consumidores lesados, individualmente, restituindo os valores desembolsado com a compra do produto, devidamente corrigidos.

Por fim, a juíza determinou que a ré, às suas expensas, publique nos três maiores jornais do Rio Grande do Sul – Zero Hora, O Sul e Correio do Povo – a sentença condenatória, após o trânsito em julgado. Em caso de desobediência, estabeleceu multa diária de R$ 1 mil, a ser revertida ao FRBL.

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001/1.18.0106575-7 (Porto Alegre)

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