DANO PRESUMIDO
TRT-MG vê jornada exaustiva de trabalho como causa crescente de dano existencial

Reprodução Ministério do Trabalho

‘‘O dano existencial passível de reparação decorre de toda lesão capaz de comprometer a liberdade de escolha do indivíduo, frustrando projetos da vida pessoal, em razão do trabalho em jornada excessiva, de tal modo que o tempo dedicado ao labor compromete todo o restante disponível para as relações familiares, convívio social, prática de esportes, estudos ou mesmo lazer.’’

O fundamento está estampado na ementa de dois acórdãos importantes selecionados pela Assessoria de Imprensa do Tribunal Regional do Trabalho da 3ª Região (TRT-3, Minas Gerais), sinalizando que as jornadas intensivas, no caso do setor de transportes, podem favorecer também a ocorrência de acidentes de trabalho – pela exaustão –, com reflexos para terceiros.

Nos casos selecionados, a Justiça do Trabalho mineira condenou duas empresas, uma do ramo de transporte de passageiros e outra do transporte de cargas, ao pagamento de indenização por dano existencial, depois de comprovado que vinham submetendo os empregados a jornadas de trabalho muito acima do limite legal, consideradas extenuantes.

Auxiliar de viagens não tinha folgas

No primeiro caso, a empresa de transporte de passageiros Saritur acabou condenada pelo TRT-3 a pagar indenização de R$ 5 mil a um ex-empregado submetido à jornada extenuante. Ficou provado que, no exercício das funções de auxiliar de viagens e bilheteiro, era comum que ele trabalhasse por 24 dias corridos ou mais, em sistema que não lhe permitia planejar a vida pessoal, com prejuízo ao direito ao descanso e lazer, assim como à convivência familiar e social.

Sentença oriunda da 2ª Vara do Trabalho de Barbacena já havia reconhecido a existência de jornada extenuante e do dano existencial, condenando a empresa a pagar ao trabalhador indenização no valor de R$ 2 mil. Ao julgar os recursos de ambas as partes, os julgadores da 11ª Turma do TRT não só mantiveram a configuração do dano existencial, como elevaram o valor da indenização para R$ 5 mil. Foi acolhido, por maioria de votos, o entendimento da relatora, desembargadora Juliana Vignoli Cordeiro.

Reprodução TST/GettyImages

Testemunhas afirmaram que a jornada exigida pela empresa impedia o empregado de organizar sua vida pessoal, em prejuízo do convívio familiar e social, bem como do direito ao lazer. Segundo os relatos, as escalas eram informadas ao empregado apenas no dia anterior ao trabalho, o que também impedia ou prejudicava o planejamento de compromissos pessoais.  Além disso, a prova documental evidenciou a não concessão de folgas semanais ao profissional em longos períodos, por cerca de 24 dias corridos ou mais.

Conforme ressaltado no acórdão, cabe ao empregador indenizar o dano existencial decorrente de conduta ilícita por ele praticada, como no caso. Dessa forma, a conduta antijurídica do empregador não consiste apenas no descumprimento da norma legal, sendo grave a ponto de ensejar a reparação pretendida.

O processo foi remetido ao Tribunal Superior do Trabalho (TST) para exame do recurso de revista (RR), interposto de pelo empregador.

Motorista submetido a jornadas exaustivas e degradantes

No segundo caso, o trabalhador atuava como motorista carreteiro para a Trans-M, de transporte de cargas, onde era submetido a jornadas exaustivas e degradantes. No segundo grau, a empresa acabou condenada a indenizar o ex-empregado também em R$ 5 mil. A decisão foi dos julgadores da Sétima Turma do TRT mineiro, que reconheceram o dano existencial.

O caso foi julgado em grau de recurso após o juízo da 2ª Vara do Trabalho de Pedro Leopoldo rejeitar o pedido do trabalhador. No recurso, o reclamante reiterou que a concessão de folgas ocorria somente após quatro meses de trabalho e que cumpria jornada excessiva, sem intervalo.

Ao examinar as provas do processo, o desembargador Vicente de Paula Maciel Júnior constatou, por meio de relatórios de rastreamento, que a transportadora realmente exigia jornada exaustiva. Como exemplos, apontou registros de dias em que o empregado trabalhou das 8h10min às 23h22min; das 5h52min às 22h9min; e das 5h53min às 21h49min.

Para o relator, a situação autoriza o reconhecimento do dano existencial. “O trabalho em regime de sobrejornada habitual, excepcionalmente extenuante, inviabilizava a fruição de descanso, lazer e convívio social, de forma a ensejar dano moral/existencial, ofensa, no caso concreto, caracterizada in re ipsa”, registrou no voto. Isso significa que o dano foi presumido diante do contexto apuradoO processo está em fase de execução. Com informações da Assessoria de Imprensa do TRT-3.

Clique aqui para ler o acórdão da Saritur

Clique aqui para ler o acórdão da Trans-M