DANOS MORAIS
Não renovar contrato por omissão do papel de mãe é discriminação de gênero, diz TRT-RS

Por Jomar Martins (jomar@painelderiscos.com.br)

Reprodução FreePik

O empregador não é obrigado a dar continuidade ao contrato de experiência após esgotado o seu prazo, sem precisar, nem mesmo, justificar os motivos. Entretanto, se a continuidade contratual foi interrompida com base em preconceito acerca do modelo ideal de maternidade, do papel da mulher no cuidado dos filhos, a dispensa caracteriza discriminação de gênero, causando danos morais presumidos na trabalhadora.

Em decorrência deste entendimento, a 4ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região (TRT-4, Rio Grande do Sul) manteve sentença que arbitrou em R$ 10 mil a indenização a ser paga a uma ex-vendedora de planos de internet e telefonia para a operadora Claro S/A, na cidade de Pelotas.

Acusações de omissão no ambiente de trabalho

A reclamante, contratada originalmente pela Prosouth Consultoria em Gestão Empresarial, trabalhou apenas 30 dias – de 2 de janeiro a 1º de fevereiro de 2020. Não foi efetivada, segundo denunciou na petição inicial, porque a direção da empresa contratante (primeira reclamada) começou a espalhar, no ambiente de trabalho, que ela teve participação na morte do próprio filho, por omissão e falta de cuidados.

O processo sobre este homicídio, cometido por um ex-companheiro dela, tramita na Comarca de Pelotas. A reclamante, após ficar presa cerca de dois meses e meio, foi solta e, como não teve participação ou responsabilidade no crime, acabou ‘‘despronunciada’’ pelas imputações do Ministério Público estadual. Afinal, contra ela, pesava apenas o fato de ter deixado a criança, de um ano e dois meses de idade, sozinha com o ex-companheiro.

Conduta ‘‘absolutamente reprovável’’, diz juiz do trabalho

‘‘O procedimento adotado pela reclamada é absolutamente reprovável, extrapolando os limites do poder diretivo confiado ao empregador. Além disso, a propagação de fato inverídico, acerca da participação da reclamante em crime de homicídio cometido contra o seu próprio filho, configura ofensa grave à dignidade da pessoa’’, escreveu na sentença o juiz Edenilson Amaral, da 1ª Vara do Trabalho de Pelotas.

Desa. Ana Luíza Heineck Kruse
Foto: Secom TRT-4

A relatora do recurso ordinário trabalhista (ROT) no TRT-RS, desembargadora Ana Luíza Heineck Kruse, criticou o MP estadual e elogiou o acórdão de despronúncia, relatado pelo desembargador Sérgio Miguel Achutti Blattes, integrante da Terceira Criminal do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (TJRS).

Perspectivas ‘‘moralistas e preconceituosas’’, diz relatora

‘‘O bem fundamentado acórdão detecta que a denúncia do Ministério Público, no que se refere aos supostos indícios de autoria, está amparada em depoimentos embasados em perspectivas moralistas e preconceituosas acerca do modelo ideal de maternidade, atribuindo à mãe responsabilidades que sequer ela pode ter controle. O acórdão que despronuncia a reclamante do suposto crime omissivo a ela atribuído identifica a discriminação de gênero ainda presente no país, que responsabiliza a mulher por não se adequar ao estereótipo social a ela atribuído, notadamente em relação à maternidade’’, cravou no acórdão da 4ª Turma do TRT-RS.

Para a desembargadora-relatora, ficou comprovado que a não renovação do contrato se deu pela crença dos dirigentes da empresa na participação da reclamante na morte do filho. Isso apesar dela ter sido despronunciada em 20 de novembro de 2019 e o fim do contrato de experiência ter ocorrido em 1º de fevereiro de 2020. Ou seja, os dirigentes se guiaram por estereótipos e não pelas decisões do Poder Judiciário.

‘‘Sob esta perspectiva, se a reclamante fosse homem, por certo não se atribuiria a ele a omissão que causou a morte do filho, uma vez que o estereótipo aponta para a mãe a responsabilidade exclusiva pelos cuidados com o filho’’, definiu a desembargadora-relatora, confirmando a condenação por dano moral.

Clique aqui para ler o acórdão que concedeu o HC

Clique aqui para ler o acórdão de despronúncia

Clique aqui para ler o acórdão do TRT-RS

Clique aqui para ler a sentença da VT de Pelotas

ATOrd 0020322-61.2021.5.04.0101 (Pelotas-RS)

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