DESEQUILÍBRIO DE FORÇAS
Justiça do Trabalho não deve homologar acordo extrajudicial que só beneficia o empregador, decide TRT-4

Por Jomar Martins (jomar@painelderiscos.com.br)

A Justiça do Trabalho não pode avalizar transação extrajudicial, com quitação plena do contrato de trabalho, se não constata reciprocidade de concessões no acordo entre as partes. Afinal, se o acordo beneficia apenas a reclamada e prevê pagamento das parcelas fora do prazo legal à reclamante, há evidente desequilíbrio de forças entre as partes, ferindo o princípio da proteção ao trabalhador.

Nesta linha de entendimento, a 3ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região (TRT-4, Rio Grande do Sul) manteve decisão do juízo da Vara do Trabalho de São Jerônimo, que, ante flagrante vantagem para o empregador, além de indícios de lide simulada, se recusou a homologar transação extrajudicial entabulada entre uma trabalhadora e os donos de uma casa de repouso para a terceira idade.

Para a relatora do recurso ordinário, desembargadora Maria Madalena Telesca, ainda que se reconheça a autonomia da vontade das partes, o instituto do acordo judicial exige a observância de princípios que resguardam os direitos do trabalhador.

Desembargadora Maria Madalena Telesca
Foto: Secom/TRT-4

‘‘Não se verifica, no caso concreto – no qual restam evidentes desequilíbrios entre as partes –, tenha havido a diligência medianamente esperada de parte dos envolvidos, concluindo-se ocorrência de comportamento inadmissível. Nesse contexto, s.m.j., mantém-se os comandos da sentença. Nega-se provimento ao recurso da reclamante’’, fulminou no acórdão.

Homologatória de transação extrajudicial

A autora e os sócios do lar de idosos (Casa de Repouso Doce Aconchego), em 23 de julho de 2021, ajuizaram homologação de transação extrajudicial na Vara do Trabalho de São Jerônimo (RS). Em síntese, narraram que mantiveram relação de emprego no período compreendido entre 1º de março de 2017 a 20 de junho de 2021, acordando que a quitação seria paga de forma parcelada. A proposta de extinção de contrato de trabalho, com quitação total: pagamento de R$ 10,5 mil em sete parcelas mensais. O valor nominal atribuído à causa: R$ 19,3 mil.

Após a audiência conciliatória, o juiz do trabalho Mauricio de Moura Peçanha disse não concordar com uma transação na qual se paga parcialmente as verbas rescisórias com quitação total do contrato. Ele sugeriu a quitação restrita às verbas elencadas no acordo, e não a todos os direitos da trabalhadora, mas a parte reclamada não concordou.

Nessa mesma cerimônia, registra a sentença, a parte reclamante relatou que trabalhou na casa de repouso por 12 ou 13 anos, sofreu acidente de trabalho em 2020 e que só aceitou o modesto valor estipulado no acordo ‘‘por necessidade econômica’’.

Neste quadro, Peçanha entendeu que não poderia homologar o acordo nos moldes do artigo 855-B, da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), que regula este procedimento, por indícios de fraude aos direitos da trabalhadora. Especialmente em razão do parcelamento da verba rescisória, que afronta o prazo legal.

‘‘Entendo que a pretensão de quitação total (…) comprova a fraude pretendida pela empregadora e a simulação de lide com vício de origem para mascarar descumprimento de direitos trabalhistas em desfavor da empregada, não podendo haver chancela judicial em favor da simuladora. Por conseguinte, extingo o processo sem resolução do mérito, nos termos dos arts. 139, III, 142 e 485, IV, do CPC’’, decidiu o juiz.

Ofício às autoridades competentes

Invocando a obrigação de comunicar irregularidade às autoridades competentes, expressa na Consolidação de Provimentos da Corregedoria Geral da Justiça do Trabalho, o julgador determinou a expedição de ofícios à seccional da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB-RS), ao Ministério Público Federal (MPF-RS) e ao Ministério Público do Trabalho (MPT-RS). Todas as instituições terão acesso à cópia do processo trabalhista, para apurar possíveis indícios de fraude e, se for o caso, tomar as medidas cabíveis contra o empregador e/ou a ex-empregada.

‘‘Isso advém da ideia de que se o juiz não tem competência para sanar algum descumprimento à lei de que tome conhecimento, deve comunicar ao agente público que a tenha, pois o juiz deve participar da construção de uma sociedade justa e solidária (art. 3º, I, da CRFB/88) com respeito às instituições estatais e à lei e com a busca da paz social que é um fim do direito’’, concluiu Mauricio de Moura Peçanha.

Recurso ordinário

Inconformadas com o teor da sentença que extinguiu o processo, sem resolução do mérito, as partes litigantes entraram com recurso ordinário no TRT-4.

A reclamada buscou a reforma do julgado quanto a não homologação do acordo extrajudicial, arguindo pela sua validade e ausência de fraude – além de impedir a expedição de ofícios às instituições. Já a parte reclamante reagiu quanto ao entendimento de ocorrência de conluio entre as partes e procuradores e de lide simulada.

Clique aqui para ler a sentença

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0020395-50.2021.5.04.0451 (São Jerônimo-RS)

 

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