DIFAMAÇÃO EMPRESARIAL
Sentença que manda retirar conteúdo da internet pode ter efeitos internacionais, diz STJ
A Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), por maioria de votos, considerou possível atribuir efeitos extraterritoriais à decisão da Justiça brasileira que determina ao provedor de internet a retirada de conteúdo atentatório à boa fama da empresa Liotécnica Tecnologia em Alimentos S. A., sediada em Embu das Artes (SP).
Para o colegiado superior, embora a ordem para tornar o conteúdo indisponível seja baseada nas normas brasileiras, sua efetivação em outros países é um efeito natural do caráter transfronteiriço e global da internet.
Com esse entendimento, a Terceira Turma negou provimento a um recurso da empresa Google Brasil Internet contra acórdão do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) que, ampliando os efeitos da sentença de primeiro grau, determinou ao provedor que retirasse da rede, em nível global, o conteúdo difamatório contra a empresa, postado originalmente no YouTube.
No recurso especial (REsp) aviado no STJ, o Google alegou, entre outras questões, que a atribuição de efeitos extraterritoriais à ordem judicial de remoção de conteúdo viola a limitação da jurisdição brasileira, sendo incompatível com os procedimentos específicos de cada país para validação das decisões judiciais estrangeiras.
Segundo o provedor, o Judiciário brasileiro não poderia impor ‘‘censura’’ de discursos para além do território nacional, porque determinado conteúdo pode, ao mesmo tempo, ser considerado ofensivo pela legislação brasileira e ser aceito em outros países.
Lei brasileira busca permitir efeitos extraterritoriais das ordens judiciais
A ministra Nancy Andrighi, relatora do REsp, citou precedentes de tribunais de diversos países ao comentar que a preocupação com a efetividade das decisões judiciais na proteção de vítimas de difamação na internet é um ‘‘fenômeno de jurisdição global’’, comparável ao próprio alcance da rede mundial de computadores.
No âmbito do STJ, a relatora também apontou precedentes que, sobretudo em ações de natureza penal, entenderam não haver violação da soberania de país estrangeiro em situações como a quebra de sigilo e a ordem para fornecimento de mensagens de correio eletrônico.
Também no Direito Civil – apontou a ministra –, o Marco Civil da Internet adotou mecanismos como a aplicação do Direito brasileiro nos casos em que a coleta de dados ocorra em território nacional, ainda que o seu armazenamento ou tratamento se dê por meio de provedor sediado no exterior (artigo 11 da Lei 12.965/2024).
‘‘A intenção do legislador é, portanto, claro indicativo de permitir efeitos extraterritoriais de ordens judiciais de indisponibilidade proferidas pelos tribunais brasileiros, especialmente, quando o conteúdo infrator ainda está disponível fora dos limites territoriais tradicionais’’, afirmou.
Empresa comprovou que conteúdo ainda estava disponível em outros países
No caso dos autos, Nancy Andrighi observou que a empresa vítima do conteúdo ofensivo demonstrou que, apesar de a decisão judicial ter sido cumprida no Brasil, ainda era possível encontrar o material difamatório em países como a Colômbia e a Alemanha.
Para a ministra, enquanto o Google não demonstrar a existência concreta de um conflito entre o Direito brasileiro e o Direito de país estrangeiro, ‘‘não cabe a este STJ emitir juízo de valor sobre violação de soberania de outros países de forma abstrata’’.
‘‘Provimentos jurisdicionais com efeitos globais nessas particulares circunstâncias estão presentes em outros continentes e evidenciam uma tendência mais proativa da comunidade judicial internacional em conferir maior efetividade à resolução de controvérsias que não mais se limitam aos conceitos tradicionais de territórios ou fronteiras’’, concluiu a relatora.
O contexto dos fatos
‘‘Conforme se atesta nos autos, Liotécnica Tecnologia em Alimentos S. A. é uma empresa brasileira sediada em SP, fundada há mais de 50 anos, e atuante no ramo de industrialização e comercialização de produtos alimentícios formulados através de tecnologia pioneira de liofilização (secagem/desidratação de alimentos).
‘‘Segundo se depreende de seu sítio eletrônico, a empresa foi fundada em 1964, conquistou clientes de renome mundial (v.g., Nestlé, Unilever, Walmart, Carrefour) e conquistou certificações em segurança alimentar no padrão ISO.
‘‘Em abril de 2014, a empresa Liotécnica tomou conhecimento de um vídeo postado na plataforma de compartilhamento YouTube, de propriedade da gigante mundial Google, no qual constava como título ‘ratos encontrados em alimentos na empresa Liotécnica’ e cuja postagem teria sido feita por um usuário com nome ‘Mark Mcconery’.
‘‘Diante de fortes indícios de falsidade dos fatos denunciados no vídeo – em especial, a inexistência de elementos visuais que pudessem corroborar a grave acusação do suposto usuário, além de comprovação de a empresa Liotécnica estar regular perante autoridades sanitárias –, a empresa solicitou a retirada do vídeo administrativamente, porém, a plataforma de compartilhamento se recusou a honrar o pedido, razão pela qual a empresa ajuizou ação cautelar e, em seguida, ação de obrigação de fazer cumulada com dano moral em desfavor da filial brasileira da plataforma (Google Brasil Internet Ltda.), com fim de indisponibilizar o conteúdo difamatório (a nível mundial e inclusive com a desindexação nos resultados do buscador Google), identificar o usuário e condenação em danos extrapatrimoniais.
‘‘O Juízo de 1º Grau deferiu provimento liminar para fins de determinar exclusão do vídeo inclusive da memória cache, impedindo acesso por usuários no exterior, além do fornecimento dos dados de IP do usuário divulgador.’’ Redação Painel de Riscos com informações da Assessoria de Imprensa do STJ.