DISCRIMINAÇÃO
Mãe demitida após licença médica para cuidar do filho será indenizada em R$ 12 mil

Reprodução Blog Korrig Anne

Causa presunção de constrangimento, dor e humilhação demitir trabalhadora que falta ao serviço apenas para atender o filho de colo numa situação de emergência médica. Por se tratar de mãe, a conduta patronal configura dispensa discriminatória, proibida pela jurisprudência trabalhista.

Por isso, a juíza do Trabalho Natália Luiza Alves Martins, em exercício na 3ª Vara do Trabalho de Brasília, condenou uma locadora de veículos a pagar R$ 12 mil, a título de danos morais, a uma trabalhadora demitida sem justa causa no dia em que retornou ao trabalho depois da licença médica de nove dias para cuidar da saúde do filho.

Para a magistrada, as provas dos autos levam a concluir que o empregador demitiu a trabalhadora em razão dos afastamentos que se fizeram necessários por ser mãe e mulher, confirmando a tese de discriminação de gênero.

Filho de colo, doente e sem plano de saúde

Contratada como analista administrativa em 2022, a reclamante narra que o contrato contava com plano de saúde, e que decidiu incluir o filho, pagando a cota-parte correspondente, com desconto no contracheque. Ela conta que quando precisou de atendimento médico de urgência para o filho, em um hospital, o atendimento foi negado ao argumento de que o plano estava inativo por falta de pagamento.

Em face da negativa de atendimento, a trabalhadora acabou tendo que recorrer à rede pública de saúde, por falta de condições de arcar com o valor da consulta. No curso da crise, o filho teve uma piora e precisou ser internado na UTI. Novamente, o plano negou o atendimento.

Apresentação de atestado médico e demissão

Após conseguir liminar na Justiça Comum para garantir o atendimento, a trabalhadora apresentou à empresa um atestado para se ausentar por nove dias. No mesmo dia em que retornou ao trabalho, ela diz que foi demitida sem justa causa.

Segundo ela, colegas teriam dito que o empregador afirmou que não contrataria mais mulheres, apenas homens, já que estes não faltam por causa de problemas com filhos. Afirmando que a dispensa teria se dado de forma discriminatória, acionou a Justiça trabalhista, pedindo para ser indenizada por danos morais e materiais.

Exercício do poder diretivo, contesta empregador

Em defesa, a empresa disse que a demissão imotivada faz parte do poder diretivo do empregador e que não houve qualquer discriminação.

Ao analisar os autos, a juíza Natália Martins revelou, inicialmente, que documento juntado aos autos mostra que houve atraso no pagamento do plano da trabalhadora, mesmo que o valor tenha sido descontado em folha, o que demonstra o motivo pelo qual o atendimento médico foi negado.

Estigmas e preconceitos

Quanto à alegação da empresa de que não existiu qualquer discriminação, a magistrada explicou que a dispensa discriminatória é o desligamento do empregado baseado em aspectos que não se relacionam com o seu desempenho profissional, e sim em estigmas e preconceitos.

Para a juíza, mesmo que não haja prova contundente da dispensa discriminatória, a demissão consumada no exato dia do retorno ao trabalho fala por si só. A ausência de motivação para a dispensa se apresenta como forte indício de que houve, no caso, discriminação.

A juíza ainda lembrou que, enquanto a demissão sem justa causa faz parte do poder diretivo do empregador, a relação de emprego tem proteção constitucional contra a despedida arbitrária.

Perspectiva de gênero

Ao tomar por base o protocolo para julgamento com perspectiva de gênero, instrumento elaborado pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) com o objetivo de implementar, no Judiciário, políticas nacionais para enfrentamento à violência contra mulheres, a juíza Natália Martins frisou que, no caso concreto, é possível enxergar o gênero da trabalhadora como fator determinante para a demissão.

‘‘Apesar de não haver provas específicas da suposta fala discriminatória alegada na inicial, a dispensa no dia do retorno é prova mais do que suficiente de que o empregador a demitiu em razão dos afastamentos que se fizeram necessários por ser mãe e mulher, corroborando a tese de discriminação de gênero, o que demonstra abuso de poder potestativo.’’

Convenções internacionais

A magistrada observa que, além da previsão constitucional de igualdade de gêneros, o Brasil é signatário de convenções internacionais que proíbem a discriminação de gênero, entre elas a Convenção 111, da Organização Internacional do Trabalho (OIT) e a Convenção de Belém.

A empresa também deverá indenizar a trabalhadora por danos materiais, em R$ 194,37, valor referente a parcela do plano de saúde descontado em seu contracheque.

Da sentença, cabe recurso ordinário trabalhista ao Tribunal Regional do Trabalho da 10ª Região (DF/TO). Redação Painel de Riscos com informações de Mauro Burlamaqui, da Assessoria de Imprensa do TRT-10.

Clique aqui para ler a íntegra da sentença

0000296-09.2023.5.10.0003 (Brasília)