DISPENSA DISCRIMINATÓRIA
Trabalhador com câncer demitido oito dias antes da cirurgia será indenizado e reintegrado
Em caso de dispensa de empregado com doença grave ou estigmatizante, o empregador precisa provar que a dissolução contratual não foi discriminatória, que é presumida nestes casos, como prevê Súmula 443 do Tribunal Superior do Trabalho (TST).
Assim, por não fazer esta prova, a 8ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região (TRT-4, Rio Grande do Sul) considerou discriminatória a dispensa, pela Bunge Alimentos, de um mecânico de manutenção com câncer na tireóide. Ele foi despedido sem justa causa apenas oito dias antes de se submeter a uma cirurgia decorrente da doença.
A decisão confirma sentença da juíza Rachel de Souza Carneiro, da 2ª Vara do Trabalho de Rio Grande. A magistrada também havia determinado o pagamento de indenização por danos morais no valor de R$ 20 mil, o que também foi mantido pelos desembargadores.
O trabalhador já havia sido reintegrado ao serviço por força de uma decisão liminar proferida logo após o ajuizamento da ação reclamatória. Cabe recurso do acórdão da 8ª Turma ao Tribunal Superior do Trabalho (TST).
Duas cirurgias na tireóide
Segundo informações do processo, o empregado foi admitido em 2015. No ano seguinte, ele recebeu o diagnóstico de câncer e precisou se submeter a uma cirurgia severa, com retirada da tireóide e esvaziamento do lado direito da cervical. Após o procedimento, entrou em licença por um longo período, em que houve discordância quanto à capacidade de trabalho entre o INSS e os médicos da empresa. Por fim, em abril de 2019, recebeu o aviso de que seria dispensado, apenas oito dias antes de ser submetido a uma nova cirurgia.
Na petição, o trabalhador alegou que a empresa tinha ciência desse novo procedimento, tanto que pediu para que a despedida não ocorresse, para não ficar sem a assistência do plano de saúde e sem recursos para arcar com os custos decorrentes da cirurgia. O empregado disse, inclusive, que teria de arcar com despesas de deslocamento, já que a cirurgia seria realizada em Porto Alegre, a 318km de Rio Grande, sua cidade. No entanto, o ato demissional foi mantido.
Prática discriminatória
Ao analisar o caso em primeira instância, a juíza Rachel de Souza Carneiro concluiu que não houve nexo de causalidade entre a doença e as atividades desenvolvidas na empresa por parte do trabalhador, mas que essa relação não teria importância para determinar se a despedida foi discriminatória ou não. Para embasar sua decisão, a magistrada citou o primeiro artigo da Lei 9.029/1995, que proíbe ‘‘a adoção de qualquer prática discriminatória e limitativa para efeito de acesso a relação de emprego, ou sua manutenção, por motivo de sexo, origem, raça, cor, estado civil, situação familiar ou idade, ressalvadas, neste caso, as hipóteses de proteção ao menor previstas no inciso XXXIII do art. 7º da Constituição Federal’’.
A julgadora também referiu a Súmula 443 do TST: ‘‘Presume-se discriminatória a despedida de empregado portador do vírus HIV ou de outra doença grave que suscite estigma ou preconceito. Inválido o ato, o empregado tem direito à reintegração no emprego’’. Como explicou a magistrada, a presunção de que a despedida de empregados com doenças graves ou que suscitem estigma pode ser contestada, mas cabe à empregadora apresentar as provas em sentido contrário, o que não ocorreu nesse caso, já que não houve demonstração de que a dispensa teria ocorrido por outros motivos.
Argumento inovatório
Descontente com a decisão de primeiro grau, a empresa recorreu ao TRT-4, mas a sentença foi mantida. Como destacou a relatora do caso na 8ª Turma, desembargadora Brígida Joaquina Charão Barcelos, não foi apresentada prova robusta de que a dispensa tenha ocorrido por ‘‘necessidade de reestruturação na empresa’’, argumento esse, como frisou a julgadora, que tem caráter inovatório, já que só foi referido no recurso. Sendo assim, tanto a nulidade da despedida, bem como a reintegração e o pagamento da indenização foram confirmados.
Também participaram do julgamento a desembargadora Luciane Cardoso Barzotto e o desembargador Luiz Alberto de Vargas. Redação Painel de Riscos com informações de Juliano Machado (Secom/TRT-4).
Clique aqui para ler a sentença
Clique aqui para ler o acórdão
ATOrd 0020471-62.2019.5.04.0122 (Rio Grande-RS)