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Construtora não pode contratar pedreiro como microempreendedor individual (MEI), decide TRT-RS

Se a relação tem os requisitos de vínculo empregatício, aos moldes do artigo 3º da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), como habitualidade e subordinação, a empresa não pode tomar os serviços do trabalhador vulnerável como microempreendedor individual (MEI).

Pelo norte deste fundamento, após idas e vindas, a 2ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região (TRT-4, Rio Grande do Sul) determinou que a Construtora Jobim Ltda., sediada em Santa Maria (RS), deixe de contratar pedreiros como microempreendedores individuais (MEIs) quando a relação tiver tais requisitos. Em função da fraude à legislação trabalhista, a empresa também foi condenada a pagar indenização no valor de R$ 500 mil por dano moral coletivo.

Ação civil pública

A decisão foi tomada no bojo ação civil pública ajuizada pelo Ministério Público do Trabalho do Rio Grande do Sul (MPT-RS).

Conforme o MPT, auditores-fiscais do Trabalho constataram 47 contratos de MEIs na construtora, para serviços como aplicação de reboco, impermeabilização, execução de contrapiso e aplicação de revestimentos.

Para os procuradores, a prática evidencia uso de ‘‘pessoas jurídicas’’ para a sonegação de direitos trabalhistas. A alegação é de que os MEIs foram contratados com o intuito de burlar a relação de emprego existente entre os supostos empresários e a construtora.

No primeiro grau, o juízo 2ª Vara do Trabalho de Santa Maria entendeu que não houve fraude na contratação de MEIs pela construtora. Entretanto, após recurso do MPT, a 2ª Turma do TRT-RS reformou a sentença. Por unanimidade dos votos, os desembargadores reconheceram que a empresa não pode contratar sob a forma de MEIs.

Des. Alexandre Corrêa da Cruz
Foto: Secom/TRT-4

Reclamação no STF

A construtora, então, ingressou com Reclamação constitucional junto ao Supremo Tribunal Federal (STF). Alegou que o acórdão do TRT-RS ignorou o entendimento do STF firmado na tese do Tema 725, de repercussão geral. Segundo essa tese, ‘‘é lícita a terceirização ou qualquer outra forma de divisão do trabalho entre pessoas jurídicas distintas, independentemente do objeto social das empresas envolvidas, mantida a responsabilidade subsidiária da empresa contratante’’.

O ministro Edson Fachin julgou procedente a Reclamação da construtora. O ministro cassou o acórdão proferido pela 2ª Turma e determinou o retorno do processo ao TRT-RS, para que fosse proferida nova decisão, observados os precedentes do STF.

Ao reapreciar a matéria, a 2ª Turma do TRT-RS entendeu, por unanimidade, que o caso da construtora, em razão das premissas fáticas, não se amolda à tese estabelecida pelo STF no Tema 725, considerando os próprios critérios de distinção (distinguishing) definidos pela Corte Superior. O acórdão foi relatado pelo desembargador Alexandre Corrêa da Cruz.

Trabalhadores vulneráveis

Para os desembargadores, a adequação do caso ao posicionamento do STF deve levar em conta se há vulnerabilidade dos trabalhadores e se existe intermediação de mão de obra, com existência de subordinação jurídica.

O entendimento da Turma foi de que, no caso analisado, os trabalhadores da construção civil são vulneráveis sob o aspecto jurídico. Ao contrário de categorias como médicos ou advogados, possuem, em função da condição socioeconômica, menor conhecimento quanto às consequências jurídicas de sua escolha.

Além disso, aponta o acórdão, a execução do contrato ocorria como se os MEIs fossem empregados admitidos via Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), inclusive com controle dos horários trabalhados e aplicação de penalidades disciplinares. Não havia qualquer indício de autonomia, mas clara subordinação jurídica, segundo os magistrados.

Assim, o colegiado concluiu pela condenação da construtora ao cumprimento da obrigação de ‘‘abster-se de admitir ou manter empregado sem o respectivo registro em livro, ficha ou sistema eletrônico competente, providenciando, quando da admissão de trabalhadores para a prestação de serviços de forma habitual, subordinada e mediante remuneração, os devidos registros funcionais, bem como proceder às anotações na Carteira de Trabalho e Previdência Social (CTPS) do trabalhador, no prazo legal’’. Foi, ainda, fixada indenização por dano moral coletivo, no valor de R$ 500 mil, a ser revertida para o Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT) ou destinada a projetos ou campanhas em benefício coletivo de trabalhadores.

Também participaram do julgamento os desembargadores Tânia Regina Silva Reckziegel e Marçal Henri dos Santos Figueiredo.

Cabe recurso da decisão. Redação Painel de Riscos com informações de Rafael Scherer/Secom/TRT-4.

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ACPCiv 0020989-58.2019.5.04.0702 (Santa Maria-RS)