DUPLA MATERNIDADE
TRT-BA concede licença-maternidade às duas integrantes do casal lésbico, colegas de trabalho

Embora inexista legislação específica de licença-maternidade para união estável homoafetiva entre duas mulheres, o Supremo Tribunal Federal (STF), ao julgar conjuntamente a ADI 4277 e a ADPF 132, já decidiu que o sexo das pessoas não se presta como fator de ‘‘desigualação jurídica’’.

Como efeito prático dessa jurisprudência, a Justiça do Trabalho da Bahia, nos dois graus de jurisdição, reconheceu o direito de uma médica da Maternidade Climério de Oliveira, de Salvador, à licença-maternidade pelo nascimento de sua filha. Ela é lésbica e vive em união estável com sua esposa, que também trabalha para a Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares (EBSERH) como enfermeira.

A esposa, enfermeira, gerou o bebê, enquanto a médica, autora da ação reclamatória, realizou tratamento para também amamentá-lo. A EBSERH negou à médica a licença-maternidade, mas esta conseguiu a extensão do direito – gozo de 120 dias acrescidos de 60 – na 37ª Vara do Trabalho de Salvador. A sentença foi mantida pela 2ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho da 5ª Região (TRT-5, Bahia).

Entenda o caso

O casal lésbico, buscando aumentar a família, optou pela técnica de reprodução assistida, na qual um embrião foi implantado no útero da esposa, que gestou a criança. A médica, também mãe do bebê, iniciou um tratamento para produzir leite materno. Esse tratamento foi realizado durante meses e possibilitaria à médica também amamentar a criança.

Em setembro de 2023, a médica formalizou o pedido de licença-maternidade. A EBSERH abriu um processo interno e negou o pedido, argumentando que não havia previsão legal para o caso e que a licença seria concedida apenas à esposa que gestou.

A médica foi orientada a aguardar a decisão da Diretoria de Gestão de Pessoas e da Consultoria Jurídica da empresa pública. Sem receber uma resposta e com o parto previsto para janeiro de 2024, ela decidiu ingressar com uma ação na Justiça do Trabalho.

Defesa da EBSERH

Em sua defesa, a EBSERH alegou que a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) prevê o direito à licença-maternidade apenas para a mãe gestante, ou para quem adotar ou tiver a guarda judicial de uma criança. A empresa também afirmou que, no caso de adoção conjunta, apenas uma das mães tem direito à licença.

Sentença favorável

Para a juíza Priscila Cunha, da 37ª Vara do Trabalho de Salvador, o nascimento de uma criança em uma família formada por um casal do mesmo sexo garante os mesmos direitos e deveres de qualquer outro casal. Isso inclui o reconhecimento de ambos como pais ou mães, com todas as responsabilidades legais, como o de cuidado, educação e proteção.

Segundo a magistrada, a união estável e o casamento homoafetivos são legalmente reconhecidos, o que legitima a maternidade de ambas. Para ela, a ausência de uma norma específica não impede o exercício da maternidade e dos direitos dela decorrentes. A juíza também destacou que a licença-maternidade não se limita à recuperação do parto, mas visa ao fortalecimento do vínculo afetivo com a criança.

‘‘A reclamante, em razão do seu duplo papel de mulher e homossexual, trouxe a juízo uma reflexão de que o conceito jurídico da licença-maternidade acaba por ser alheio à forma como as dinâmicas sociais operam, uma vez que deixa de fora situações em que há dupla maternidade e dupla amamentação da criança. Estereótipos negativos certamente operaram na dinâmica de tratamento do seu requerimento de gozo da licença-maternidade que foi indeferido, como se, unicamente por ser mulher e homossexual isso lhe tornasse menos mãe ou uma mãe desnecessária para os cuidados com a bebê que não gestou, uma mãe dispensável após o parto’’, justificou na sentença

Recurso ordinário ao TRT-BA

A empresa reclamada recorreu da decisão. A relatora do recurso, desembargadora Ana Paola Diniz, baseou-se em decisões do STF e no Protocolo para Julgamento com Perspectiva de Gênero para embasar sua análise.

A desembargadora ressaltou que ser uma mulher lésbica não implica no reconhecimento de uma identidade de gênero masculina, destacando que os casos devem ser avaliados individualmente, sem estereótipos. ‘‘As particularidades devem ser examinadas caso a caso, e não com um padrão preconceituoso de que todas as relações homossexuais são iguais’’, afirmou no acórdão.

A relatora considerou inaceitável uma interpretação limitada dos direitos de casais homoafetivos. Conceder licença-maternidade apenas à mãe que gestou, quando ambas podem amamentar, cria uma distinção de direitos baseada em questões biológicas, o que gera uma desigualdade jurídica e desconsidera a proteção à maternidade da outra mãe.

A desembargadora manteve a decisão favorável à licença-maternidade, sendo acompanhada pelos desembargadores Renato Simões e Maria de Lourdes Linhares.

Da decisão do TRT baiano, ainda cabe recurso de revista (RR) ao Tribunal Superior do Trabalho (TST). Redação Painel de Riscos com informações de Fabricio Ferrarez, da Secretaria de Comunicação (Secom) do TRT-5.

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ATSuma 0000059-71.2024.5.05.003