FIEL DEPOSITÁRIO
Empresário que não entrega bem penhorado não comete o crime de apropriação indébita
Por Jomar Martins (jomar@painelderiscos.com.br)
O Supremo Tribunal Federal (STF), ao julgar o HC 203217/SC, decidiu que o sócio de empresa que deixa de repassar à Justiça parte do faturamento bruto, por ser fiel depositário numa execução, não comete o crime de apropriação indébita – ‘‘Apropriar-se de coisa alheia móvel, de que tem a posse ou a detenção’’, segundo o caput do artigo 168 do Código Penal (CP).
Valendo-se do ‘‘espírito’’ deste precedente, a 8ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4) absolveu o sócio de uma pequena empresa do Paraná, denunciado pelo Ministério Público Federal (MPF) após não explicar satisfatoriamente o sumiço de um bem que havia sido penhorado para pagar dívidas trabalhista – do qual era fiel depositário. A absolvição se deu com base no inciso III do artigo 386 do Código de Processo Penal (CPP) – o fato não constitui infração penal.
Para o relator da apelação criminal, desembargador federal Loraci Flores de Lima, não é razoável atribuir o status de ‘‘coisa alheia’’ aos bens pertencentes à empresa cuja propriedade pertence ao acusado. Assim, a conduta descrita nos autos não se amolda à tipificação do crime de apropriação indébita.
‘‘Entendo, também, ser inviável no caso dos autos a desclassificação para o delito previsto no art. 179 do CP (fraude à execução), porquanto não descritas as respectivas elementares na peça incoativa, sob pena de violação ao princípio da correlação/congruência’’, fulminou no acórdão que acolheu a apelação do empresário.
A denúncia do MPF
O Ministério Público Federal do Paraná (MPF-PR) ofereceu denúncia contra o empresário Etison Edevino Rodrigues, sócio-administrador da Etison Empresa de Construção Civil Pré-Fabricados e Metalurgia, sediada na cidade de Marechal Cândido Rondon (PR), pela prática do crime de apropriação indébita. A conduta criminosa está descrita no artigo 168, parágrafo 1º, inciso II, do Código Penal (CP).
Segundo o denunciante, o empresário, de ‘‘modo consciente e voluntário’’, apropriou-se indevidamente de uma ‘‘carretinha de duas rodas’’, bem de que tinha posse na condição de depositário judicial, em razão da penhora realizada no bojo dos autos de reclamatória trabalhista ajuizada por ex-empregada. O bem foi penhorado no dia 17 de agosto de 2018, para garantir a execução trabalhista.
Em 5 de novembro de 2020, o bem foi arrematado por uma cirurgiã-dentista pelo valor de R$ 750. Em 1º de junho de 2021, decorreu o prazo legal para que o fiel depositário comprovasse a entrega à arrematante. E, finalmente, em 9 de junho, decorreu o prazo de 10 dias para que o depositário comprovasse o depósito judicial do equivalente em dinheiro – o que não foi feito.
Citado pela 1ª Vara Federal de Guaíra, o réu alegou, em síntese, que a ‘‘carretinha’’ foi furtada da empresa, sem que tenha interferido para o seu desaparecimento. Como o equipamento estava do lado de fora da sede da empresa, provavelmente algum coletor de material reciclado o tenha levado. Disse que, pelo baixo valor, nem se deu ao trabalho de fazer um boletim de ocorrência (B.O.) na Polícia. Pediu a aplicação do princípio da insignificância, em razão do valor da arrematação (R$ 750), ou, alternativamente, a possibilidade de depositar o valor, como forma de extinção da punibilidade.
Sentença condenatória
Em análise de mérito, o juiz federal Gustavo Chies Cignachi acolheu a denúncia e julgou procedente a ação penal. O empresário acabou condenado à pena privativa de liberdade de três anos e quatro meses, para cumprimento em regime semiaberto, além do pagamento de multa: 282 dias-multa, cada qual no valor de um vigésimo do salário-mínimo vigente em maio de 2021. E sem direito a substituição por penas restritivas de direitos.
Na fundamentação, o julgador citou a jurisprudência do TRF-4, que, nos vários precedentes, toma como culpado pelo delito de apropriação indébita quem continua ‘‘na posse de coisa alheia móvel’’ – da qual era depositário fiel – após o bem ter sido arrematado em hasta pública.
Para o julgador, mesmo tendo assumido a condição de fiel depositário, o acusado não cuidou da conservação do equipamento, visto que assumiu que este foi colocado para fora da empresa e levado por terceiro desconhecido. Assim, não procede a alegação de furto, ante à ausência de formalização de B.O. Era o mínimo que se espera de alguém que tem o encargo de fiel depositário.
‘‘Em síntese, o acusado não cumpriu a obrigação assumida. Além disso, foi devidamente intimado para comprovar o depósito judicial do equivalente em dinheiro, na forma do art. 161 do CPC, mas deixou de cumprir a obrigação, revelando descaso com a situação’’, cravou na sentença condenatória.
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5001645-86.2021.4.04.7017 (Guaíra-PR)
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