GUERRA DOS HAMBÚRGERS
STJ nega inversão automática do ônus da prova em ação da Burger King contra Madero

A rede de restaurantes Madero não tem a obrigação de comprovar na Justiça que tem o melhor hambúrger do mundo, como anuncia em suas peças publicitárias. É que, em ação movida por empresa concorrente, por suposta publicidade enganosa, não cabe a inversão automática do ônus da prova (artigo 38 do Código de Defesa do Consumidor-CDC).

O entendimento é da Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), ressaltando que a inversão, que protege o consumidor, poderia, em alguns casos, facilitar o abuso do direito de ação com finalidade anticoncorrencial.

Burger King tentou derrubar publicidade da rede Madero

Na origem, a BK Brasil, dona da marca Burger King, entrou com ação para que a rede Madero deixe de utilizar a expressão the best burger in the world (o melhor hambúrguer do mundo) no material publicitário e na fachada de suas lojas. A empresa autora também pediu indenização pelos prejuízos decorrentes de alegada concorrência desleal e desvio de clientela.

O primeiro grau da Justiça Comum do Estado de São Paulo determinou a realização de perícia, impondo à ré o adiantamento dos honorários periciais.

O Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP), ao julgar recurso da Madero contra esta decisão, entendeu que não há relação de consumo que autorize a inversão do ônus da prova com base no CDC, razão pela qual a perícia deveria ser custeada por quem a requereu. Como a produção da prova foi determinada de ofício pelo juízo, o TJSP dividiu o custo dos respectivos honorários entre as partes.

No recurso especial (REsp) dirigido ao STJ, a BK Brasil sustentou que, apesar de não haver relação de consumo, as normas do CDC deveriam ser aplicadas no caso, já que se destinam a proteger o consumidor de práticas desleais, como a publicidade enganosa. Para a dona da rede Burger King, caberia à rede Madero provar a veracidade de sua propaganda.

Direitos da concorrência e do consumidor convergem

Ministro Sanseverino foi o relator
Foto: Imprensa/STJ

O relator do REsp na Terceira Turma do STJ, ministro Paulo de Tarso Sanseverino, explicou que, embora a discussão seja sobre a aplicação do artigo 38 do CDC, a ação trata de direito concorrencial, e não de direito do consumidor.

Segundo o relator, o direito da concorrência e o direito do consumidor são convergentes, pois, em geral, ‘‘quanto maior a concorrência, maior tende a ser o bem-estar do consumidor’’, e ‘‘quanto maior a proteção do consumidor, mais justa e leal tende a ser a concorrência’’.

Assim – observou o ministro –, as normas do CDC que proíbem a publicidade enganosa e abusiva se aplicam também às relações concorrenciais, uma vez que elas acabam por reforçar a defesa da concorrência.

Vulnerabilidade do concorrente não pode ser presumida

Apesar disso, o magistrado apontou que a inversão automática do ônus da prova, determinada pelo artigo 38 do CDC, não incide nas relações concorrenciais, porque tal norma tem como fundamento a vulnerabilidade do consumidor, e ‘‘a vulnerabilidade não pode ser pressuposta, como regra, na relação concorrencial’’.

O ministro alertou que a inversão automática do ônus da prova não reforça a defesa da concorrência e poderia ser utilizada, em determinadas circunstâncias, justamente como instrumento anticoncorrencial. De acordo com Sanseverino, o processo poderia ser utilizado ‘‘não com o fim de obter o provimento jurisdicional, mas, sim, como meio de dificultar a atividade do concorrente ou mesmo de barrar a entrada de novos competidores no mercado’’.

De todo modo – assinalou o relator ao negar provimento ao recurso –, sendo a prova excessivamente difícil ou impossível para o autor da ação, o juiz, avaliando as peculiaridades do caso, pode optar pela distribuição dinâmica do ônus de produzi-la, como admite o artigo 373, parágrafo 1º, do Código de Processo Civil (CPC). Com informações da Assessoria de Imprensa do STJ.

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REsp 1866232-SP