JUSTA CAUSA ANULADA
Alcoólatra demitido por beber e furtar licor em serviço será indenizado em danos morais
Por Jomar Martins (jomar@painelderiscos.com.br)
Se o mau procedimento do empregado no ambiente de trabalho decorre de alcoolismo crônico, o patrão não pode simplesmente demiti-lo por justa causa, já que é abuso do poder potestativo tratar um caso grave de saúde como desvio de conduta, punindo-o. Além disso, num caso destes, o ato abusivo enseja reparação por danos morais, por presumíveis, em favor do ex-empregado.
Por estes fundamentos, a 8ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região (TRT-4) negou recurso de um restaurante de Porto Alegre, condenado a converter a demissão por justa causa em dispensa imotivada de um empregado que bebeu e furtou no ambiente de trabalho. A empregadora ré também foi condenada a pagar R$ 15 mil de indenização por danos morais, por dispensa discriminatória – valor mantido em segundo grau.
‘‘Assim, comprovado o alcoolismo do autor e considerando-se que os efeitos da referida doença, de forma indubitável, acarretam consequências na vida e no trabalho do empregado, concluo que tal condição motivou o demandante a praticar a conduta que ensejou a aplicação da justa causa (…), não sendo raros os efeitos do torpor alcoólico levarem o indivíduo a desatinos e, até, falta de memória quanto aos atos praticados, motivo pelo qual entendo que, assim como restou decidido na origem, a despedida por justa causa do demandante deve ser considerada inválida’’, escreveu no voto o relator do recurso, desembargador Marcelo José Ferlin D’Ambroso.
Na vasta fundamentação, em que confirmou os exatos termos da sentença, o relator citou a Súmula 443 do TST, que diz: ‘‘Presume-se discriminatória a despedida de empregado portador do vírus HIV ou de outra doença grave que suscite estigma ou preconceito. Inválido o ato, o empregado tem direito à reintegração no emprego’’. A petição inicial, contudo, não trouxe este pedido.
Demissão por justa causa
Segundo os autos, o reclamante foi demitido por justa causa em 19 de novembro de 2019, após ser flagrado, por câmara de vídeo, consumindo bebida alcoólica em plena jornada de trabalho, na frente de colegas. A após beber cerca de 300ml de licor da marca Amarula, o empregado deixou o restaurante – localizado num shopping da Capital gaúcha – com a garrafa escondida sob a roupa. A dispensa teve como fundamento jurídico o artigo 482, alíneas, ‘‘a’’ e ‘‘b’’ – respectivamente ‘‘ato de improbidade’’ e ‘‘incontinência de conduta ou mau procedimento’’.
O juízo da 19ª Vara do Trabalho de Porto Alegre declarou inválida a justa causa, convertendo-a em demissão sem justa causa, ante a ‘‘evidente intenção’’ do empregador de encerrar a relação. Para o juiz do trabalho Mateus Crocoli Lionzo, a situação posta nos autos envolve um caso de saúde. Citando laudo médico da Justiça Federal, disse que o empregado é dependente químico de álcool – um alcoólatra. Os atestados médicos, receituários e demais e demais documentos anexados à ação reclamatória apontam diagnóstico de transtorno mental e comportamental devido ao uso de álcool. A enfermidade está catalogada na Classificação Internacional de Doenças como CID 10 F10.2.
Auxílio médico e internação
Lionzo destacou que, imediatamente após a dispensa, o trabalhador buscou auxílio médico, vindo a ser internado em unidade fechada de saúde para tratamento da patologia. Estes fatos, segundo o julgador, revelam a existência da doença em estágio grave ainda na época do contrato de emprego. Conforme a perita médica, a doença começou a se manifestar, provavelmente, em 2017.
Na percepção do juiz, o autor da ação reclamatória não se apropriou da bebida por motivos econômicos, desonestidade ou por improbidade, mas em razão da sua patologia, tanto que a ingeriu em quantidade considerável (“um copo bem generoso” ou aproximadamente 300ml, conforme relato da testemunha da ré), ainda no local de trabalho e na presença de outro empregado. Afinal, não é esta a conduta de alguém que busca auferir vantagem com a subtração do produto, destacou.
Furto insignificante
Conforme o julgador, a bebida furtada possui baixo valor econômico, pois a garrafa custa menos de R$ 100,00. Trata-se, portanto, de quantia ínfima, especialmente para um estabelecimento empresarial situado em um shopping e com pelo menos sete empregados – cinco ou seis garçons, um copeiro e um auxiliar de serviços gerais.
‘‘Assim, ciente do fato, deveria a ré ter agido com cautela,
bastando solicitar ao autor o ressarcimento do valor equivalente à bebida e encaminhá-lo para tratamento médico ou ao INSS, o que não fez. Sequer buscou saber os motivos da atitude da parte autora, a qual, diga-se, tinha quase 2 anos de trabalho para a ré no momento da rescisão contratual sem qualquer conduta desabonadora’’, cravou na sentença
Reparação moral
O juiz do trabalho Mateus Crocoli Lionzo também acolheu o pedido de indenização por danos morais, já que o empregador, sem ‘‘cautela nem discrição’’, tratou um caso de saúde de forma negligente, deixando o fato transparecer aos colegas de trabalho do autor e aos frequentadores do shopping. O dano moral é caracterizado pela ofensa aos direitos de personalidade elencados no inciso X do artigo 5º da Constituição – honra, imagem, auto-estima.
Para o juiz, como ficou claro o fato ofensivo e a conduta ilícita do empregador, o dano no empregado é presumível (dano in re ipsa); ou seja, ele nem precisa fazer prova de que foi prejudicado com a atitude do patrão para ter direito à indenização moral. A configuração destes elementos faz nascer o dever de reparação, nos termos dos artigos 186 e 927 do Código Civil (CC). O quantum indenizatório foi arbitrado em R$ 15 mil.
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Reclamatória 0020012-44.2020.5.04.0019/RS
Jomar Martins é editor da revista eletrônica PAINEL DE RISCOS