LEI ROUANET
Regularidade da documentação não afasta multa se houve atraso na prestação de contas 

Por Jomar Martins (jomar@painelderiscos.com.br)

Desembargadora federal Vânia Hack de Almeida       Foto: ACS TRF-4/Sylvio Sirangelo

A alínea ‘‘a’’, inciso III, do artigo 16, da Lei Orgânica do Tribunal de Contas da União (TCU), é clara: as contas serão julgadas irregulares se comprovada omissão no dever de prestação. Se prestadas com atraso, o artigo 51, inciso I, prevê a aplicação de multa – mesmo ante a ausência de débito.

A força sinérgica destes dispositivos, levantada pela desembargadora Vânia Hack de Almeida, da 3ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4), causou o desprovimento da apelação interposta por uma editora, que tentava derrubar a multa por ter atrasado a prestação de contas ao TCU num convênio da Lei Rouanet.

Iniciando o julgamento, o relator do recurso no colegiado, desembargador Rogério Favreto, considerou ‘‘desproporcional’’ a imposição da multa, originada do atraso. Afinal, frisou, não foi constatada nenhuma irregularidade nos autos da Tomada Especial de Contas daquela Corte, que comprovou a correta a execução física e financeira do convênio.

‘‘Conforme demonstrado nos autos, a omissão (posteriormente suprida), ainda que tenha ocorrido por negligência do demandado [editora] e demais participantes na execução do contrato, não teve por objetivo sonegar valores ou o desvio de verbas.  Não havendo comprovação de apropriação ilícita do valor pelo apelante, se revela desproporcional a sua condenação ao pagamento de multa’’, entendeu Favreto, provendo a apelação.

Voto divergente e vencedor

O relator, entretanto, restou solitário no julgamento, prevalecendo a divergência aberta pela desembargadora Vânia na sequência da exposição de votos. ‘‘É verdade que as contas foram prestadas, com manifestação expressa do Tribunal de Contas da União pela regularidade da documentação apresentada. Mas o foram a destempo, e contas prestadas fora do prazo são consideradas irregulares pela Lei 8.443/92. Ao não prestá-las a tempo, a parte apelante incorreu na situação descrita no artigo 16’’, escreveu no voto.

Para tal caso, continua Vânia, a lei prevê a aplicação da multa prevista no artigo 58, inciso I, ainda que não haja débito, consoante determina o parágrafo único do artigo 19. Este parágrafo diz: ‘‘Não havendo débito, mas comprovada qualquer das ocorrências previstas nas alíneas a, b e c do inciso III, do art. 16, o Tribunal aplicará ao responsável a multa prevista no inciso I do art. 58, desta Lei’’. Ou seja, esta é a base legal da penalidade imposta pelo TCU.

‘‘Como se vê, o suporte fático para a aplicação da multa concretizou-se perfeitamente, o que por si só afasta a alegação de desproporcionalidade da sanção aplicada. Logo, não estando demonstrada qualquer ilegalidade ou mesmo irregularidade formal grave no processamento do processo de tomada de contas que originou o acórdão do TCU nº 5.159/2015, conclui-se que a apelação não merece prosperar, devendo ser mantida por seus próprios fundamentos a sentença que rejeitou os embargos’’, fulminou a desembargadora-relatora no voto divergente.

Embargos à execução

Já Porto Alegre Editores Ltda ajuizou embargos à execução contra a União com os objetivos de afastar a multa imposta pelo Tribunal de Contas da União (TCU) – no valor de R$ 20 mil – e extinguir a execução de título extrajudicial que lhe dava suporte, de número 5056326-87.2017.4.04.7100.

O caso parou na Justiça Federal porque as contas referentes a recursos captados pela Lei Rouanet (Lei 8.313/91), para a edição de uma obra literária em dois volumes sobre o escritor gaúcho Darcy Azambuja (1901-1970), foram julgadas irregulares pelo TCU.  A captação de recursos junto ao Ministério da Cultura iniciou em 2005, para um projeto orçado em R$ 160 mil.

Num primeiro momento, a editora acabou condenada à devolução dos R$ 160 mil mais o pagamento da multa, por irregularidades na prestação de contas. Após pedido de reconsideração, a Corte de contas se convenceu de que a documentação apresentada era suficiente para comprovar a execução física e financeira do convênio, aceitando as justificativas para a omissão inicial na prestação de contas.

Por consequência, o TCU afastou a condenação à devolução dos valores utilizados na produção da obra, mas manteve a pena de multa, com fundamento nos artigos 19, parágrafo único, e 58, inciso I, da Lei 8.443/92 (Lei Orgânica do TCU). Ou seja, trata-se de ato ilícito que enseja o julgamento pela irregularidade das contas, com a consequente aplicação de multa, entendeu aquela Corte.

Sentença improcedente

No primeiro grau, a 9ª Vara Federal de Porto Alegre julgou improcedentes os embargos, por não vislumbrar ‘‘ilegalidade ou irregularidade formal grave’’ na decisão do TCU. Para a juíza federal Clarides Rahmeier, o Judiciário não pode adentrar no mérito da decisão proferida por um órgão fiscalizador de contas da União.

Além disso, como apontado pela defesa da União, se houver omissão no dever de prestar contas, a legislação aplicável autoriza o TCU a julgar irregular a prestação de contas e aplicar a multa prevista no artigo 58, inciso I, da mencionada Lei.

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Embargos à execução 5003676-92.2019.4.04.7100/RS

Jomar Martins é editor da revista eletrônica PAINEL DE RISCOS